De bichos ostentação à patente japonesa do cupuaçu: entenda a biopirataria
Dezenas de animais silvestres — que incluem de saguis brasileiros até cobras traficadas da América do Norte — disputam espaço com mercadorias "banais" em feiras do Rio de Janeiro. Nesses mercados, os bichinhos são compradas ilegalmente e ostentados como troféus por facções e milícias, como o Uol revelou recentemente. No entanto, os "bichos ostentação" são apenas a ponta do iceberg da biopirataria.
Para entender o que é biopirataria e como essa atividade pode impactar o meio ambiente, Ecoa conversou com biólogos que trabalham no Centro de Pesquisas e Monitoramento Ambiental da Mata Atlântica e com monitoramento do comércio ilegal da vida selvagem no Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA - Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações).
O que é biopirataria?
"Hoje, o comércio ilegal de animais e plantas, bem como de suas partes — como penas, peles e ossos — figuram como a terceira maior atividade de comércio ilegal do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas", afirma o biólogo e doutor em ciências Antônio F. Carvalho, que atua no monitoramento do comércio ilegal da vida selvagem, com foco em biopirataria digital no Instituto Nacional da Mata Atlântica.
"Biopirataria é roubo", Sandro Paulino de Faria, pesquisador do Centro de Pesquisas e Monitoramento Ambiental da Mata Atlântica (CPMAMA) e consultor autônomo, é mais direto. Sandro, que também é biólogo, complementa: "Biopirataria, algumas vezes, é formalmente chamada de 'apropriação'. Tecnicamente, podemos afirmar que a palavra designa toda e qualquer exploração da biodiversidade e dos saberes tradicionais a ela associada de maneira ilegal".
Como a biopirataria acontece na prática e quais seus impactos?
O problema está em alta e representa grande parcela do comércio ilegal de animais e plantas. Ele avança, sobretudo, pela possibilidade de oferta e compra via internet. "Podemos listar uma série de animais e plantas que são traficados ilegalmente no país. Os animais mais procurados são répteis (principalmente jiboias e tartarugas), aves (como araras de várias espécies) e primatas, como o macaco-prego e os saguis", afirma Carvalho.
Um estudo publicado na publicação científica Elsevier mostra que grande parte desses animais são comercializados no Brasil via redes sociais. "Isso põe em risco a conservação de espécies e representa um sério fator de introdução das espécies-alvo e de seus parasitas em ambientes onde os mesmos não são nativos", diz Carvalho. De acordo com o biólogo, as espécies mais afetadas pela biopirataria são sempre as que correm perigo de extinção. "Nesse processo, podem sofrer hibridização com espécies geneticamente próximas, facilitando o seu desaparecimento da natureza".
Um problema que data do Brasil Colônia
A exploração de espécies brasileiras data de séculos passados, de acordo com Sandro Paulino de Faria. "Nosso país foi vítima desta prática desde o descobrimento. O cacau, por exemplo, foi levado da Bahia para a África e Ásia. Nestes locais, as plantações foram exitosas e o cacau tornou-se uma das principais atividades econômicas dessas regiões", conta o biólogo.
"Já em 1876, sementes de seringueira foram levadas por ingleses e plantadas em colônias na Ásia, sendo que por volta de 1915 estes locais se tornaram grandes produtores de látex", continua.
Faria ainda lembra que o cupuaçu, fruta brasileira da mesma família do cacau, teve seu subproduto patenteado por uma empresa japonesa. "Tal patente (depois de grande mobilização) foi quebrada em 2004 pela Embrapa, que já havia manufaturado um produto semelhante", aponta o biólogo.
O que pode barrar a biopirataria?
Carvalho diz que tanto a fiscalização quanto as punições para quem pratica o crime são brandas. "Infelizmente, a apanha de plantas e de animais de seus ambientes é pouco fiscalizada no Brasil. Além disso, as punições, quando ocorrem, são brandas e pouco influenciam na neutralização definitiva das atividades ilícitas", diz ele.
Para o biólogo Faria, é preciso investir em educação e pesquisa para encontrar um caminho que barre a biopirataria. "Estes investimentos podem viabilizar a identificação de nossos valiosos recursos genéticos e de seus componentes, sua domesticação e comercialização. Ao tomar a mão de nossas riquezas naturais, a tendência natural é que a biopirataria seja desestimulada".
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