O que é a 'morte de rios', problema que afeta o Pantanal da vida real?
O Pantanal, retratado em mais uma novela campeã de audiência, sofre um problema ambiental de grande proporção: o assoreamento dos rios da região. Se fosse real, é possível que o personagem Velho do Rio fosse desabrigado em alguns locais do bioma.
Ecoa convidou o professor da Universidade de São Paulo (USP) José Carlos Mierzwa, do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Politécnica, para explicar o que é e como podemos combater o assoreamento.
O que é assoreamento?
O assoreamento pode ser resumido como a "morte de um rio". O resultado mais drástico é a seca permanente do rio ou de corpos d'água em geral (como córregos, riachos, lagos, vazantes, represas etc.).
Por que um rio é assoreado?
Todo rio tem força para carregar sedimentos, como terra, troncos, árvores. Mas há um problema. É uma capacidade limitada. Ou seja, o rio perde força caso receba mais sedimentos do que pode transportar. O material acumulado no fundo vai tirando a força do rio. Assim, ele pode ser transformado em uma espécie de poça, ser tomado pela vegetação e, no final, desaparecer. É o assoreamento.
O que causa o assoreamento?
A intervenção humana é a causa mais comum do assoreamento.
O desmatamento tem a ver com o assoreamento?
Um rio assoreado está conectado com o desmatamento. Você já deve ter notado, mas todos os rios têm árvores, arbustos e plantas nas margens. A vegetação é chamada mata ciliar e tem algumas funções. A primeira é segurar o barranco. As raízes das plantas firmam o solo e controlam quanta terra, galhos e pedregulhos vão parar no fundo do rio. É como um segurança na porta do evento. O terreno firme ajuda o rio a correr com força.
As matas ciliares também são local de desova de peixes e podem ser refúgio e local de caça para espécies terrestres. São áreas consideradas como de proteção permanente pelo Código Florestal de 2012 e impõem distâncias mínimas para quem constrói próximo às margens, de acordo com tamanho do espaço ocupado. A mata ciliar também é chamada de mata de várzea, floresta ripária ou galeria. "A mata é como uma armadura do rio", explica o professor José Carlos Mierzwa.
Quais os efeitos do assoreamento?
Os rios são conectados e o assoreamento desequilibra a interação entre eles. Por exemplo: todos eles têm um período de cheia e um período de seca, principalmente pelo regime de chuvas em cada região. (A seca não significa que o rio seca, mas que diminui em volume). Imagine canos com centenas de quilômetros. A água abundante em um trecho do cano está a caminho de uma outra região onde há menos água. O assoreamento é como uma interrupção deste fluxo. Logo, um rio pode acabar com água em excesso e o outro rio secar. As espécies que interagem e precisam dos rios - incluindo nós, humanos - são afetadas pelas mudanças repentinas do sistema, seja para alimentação, agricultura, transporte, lazer e abastecimento d'água.
Como o assoreamento afeta o Pantanal?
No Pantanal do Mato Grosso do Sul, o assoreamento é atribuído pela Embrapa à ocupação desordenada de grandes fazendas na região do Alto Taquari, por onde passa o rio Taquari. Lá, os efeitos são sentidos na paisagem. O rio Figueirão secou, enquanto trechos do rio Paraguai-Mirim são constantemente alagados com água do Taquari, mesmo no período de seca, incapaz de ser escoada - o que diminui a biodiversidade em vários pontos do bioma. Árvores apodreceram, a vegetação aquática avançou, bloqueou caminhos, os peixes e aves se mudaram para onde conseguiam mais alimento, correnteza e abrigo, como nas margens do rio Paraguai. Até os incêndios de 2020, o assoreamento do Taquari era chamado como o "maior desastre ambiental da história do Pantanal". Segundo a Embrapa, mais de 1,5 milhão de hectares foram submersos devido ao bioma em terras sul-matogrossenses.
Como evitar o assoreamento?
O método mais eficaz é retirar o excesso de terra e/ou lixo acumulado no fundo do rio, controlar a vegetação aquática, manter construções e agricultura distantes das margens e conservar a mata ciliar, explica o professor. Foi assim que o povo indígena Potiguara conseguiu reviver o rio do Aterro, na Paraíba. As medidas preventivas envolvem cidades mais bem planejadas, com mais rios abertos para escoamento da chuva para tornar o solo mais permeável.
Qual o efeito do assoreamento nos aquíferos?
A água do rio penetra no solo e vai para as profundezas. São os chamados aquíferos subterrâneos. São águas com mais de mil metros de profundidade criados pela infiltração de água na terra, seja pela chuva e pelos rios. São verdadeiras reservas de água em grandes proporções. O Aquífero Guarani é o maior de água doce no mundo, em uma área com 1,2 milhões de km², atendendo em maior parte o Brasil e também países como Uruguai, Argentina e Paraguai. Por aqui, o aquífero está no Mato Grosso do Sul (Pantanal), passa pelo Cerrado, Mata Atlântica e chega ao Pampa, no Rio Grande do Sul. "À medida que se impede a inundação natural dos rios [como no assoreamento], você diminui a capacidade de recarga do aquífero", explica o especialista. As cidades com pouco solo permeável - leia-se, muito asfalto e concreto - e rios canalizados ou encobertos em metrópoles como São Paulo também prejudicam o aquífero subterrâneo.
Existe assoreamento natural?
Segundo o professor Mierzwa, os lagos podem ser um exemplo da reorganização de um rio. Com o tempo, os sedimentos são transportados até determinado trecho do rio e diminuem sua intensidade. O grande problema é a velocidade do processo. O assoreamento costuma ser acelerado devido a ocupação do solo no entorno da água, o que causa impactos diretos em toda a interação entre os rios e na biodiversidade.
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