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Do lixo ao luxo: fotos de frutas descartadas questionam desperdício

A fotógrafa francesa Pauline Daniel, cuja exposição Sob a Pele ("Épluchez-moi") será inaugurada neste sábado (16), no Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro. - Divulgação
A fotógrafa francesa Pauline Daniel, cuja exposição Sob a Pele ("Épluchez-moi") será inaugurada neste sábado (16), no Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro. Imagem: Divulgação

De Brasília

16/07/2022 06h00

"Como fotógrafa culinária profissional, meus clientes, muitas vezes, exigem que eu trabalhe apenas com produtos perfeitos, me forçando a escolher maçãs e peras longe da realidade das frutas", afirma a fotógrafa francesa Pauline Daniel, cuja exposição Sob a Pele ("Épluchez-moi") será inaugurada neste sábado (16), no Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro.

"Ao fazer imagens publicitárias, participo desta representação artificial da beleza desempenhando um papel no condicionamento geral das mentes e nos nossos reflexos de consumo. Sob a Pele me permitiu, finalmente, ter outro viés, trabalhando apenas com produtos que seriam descartados e, portanto, partir da realidade como ela é: imperfeita, com frutas manchadas e danificadas", afirmou Pauline a Ecoa.

Em todo o mundo, cerca de 14% dos alimentos se perdem entre a colheita e a venda - no caso de frutas e vegetais perde-se mais de 20%. De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cerca de 17% do total de alimentos disponíveis aos consumidores foram para o lixo das residências, varejo, restaurantes e outros serviços alimentares em 2019.

Segundo a ONU, reduzir as perdas e o desperdício de alimentos é essencial em um mundo onde o número de pessoas afetadas pela fome tem aumentado lentamente. Atualmente, no Brasil, o número de pessoas em insegurança alimentar grave, ou seja, que passam fome, chegou a 33,1 milhões, segundo a pesquisa Vigisan (Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia covid-19 no Brasil), divulgada em junho.

Pensando nessa realidade, a fotógrafa francesa refletiu sobre seu trabalho e criou a exposição "Sob a Pele". Pauline Daniel espera que o seu projeto possa "acrescentar um pequeno tijolo na reflexão de cada um sobre nossa relação com o consumo e o que jogamos fora".

As imagens publicitárias nos forçam a sempre esconder, mascarar, apagar e ter vergonha de nossas imperfeições, Pauline Daniel

Pauline Daniel acredita que é preciso debater a "ditadura da beleza", imposta pela publicidade e pela comunicação: "As imagens [publicitárias] alimentam nossa imaginação diariamente e, inconscientemente, formatam nossas compras, nossos padrões de consumo e, portanto, em algum lugar, nossos desejos. Essa hegemonia da perfeição nos leva a rejeitar frutas manchadas ou danificadas", diz Pauline.

Na fotografia culinária, Pauline afirma que parte do trabalho envolve a compra de grandes quantidades de comida que, às vezes, acaba sendo desperdiçada depois de um dia de manuseio sob as luzes quentes do estúdio fotográfico.

Banco de Alimentos do Ceasa

Sob - SOB A PELE - PAULINE DANIEL, Rio de Janeiro e Paris. - SOB A PELE - PAULINE DANIEL, Rio de Janeiro e Paris.
Do lixo ao luxo: fotos de frutas descartadas questionam desperdício
Imagem: SOB A PELE - PAULINE DANIEL, Rio de Janeiro e Paris.

Pauline conta que, quando visitou os bancos de alimentos na França, ficou impressionada com a quantidade de filiais locais espalhadas pelo território e com a organização com os supermercados locais. "Graças a essa conexão e parceria, todos os alimentos pouco danificados, mas considerados impróprios para venda pelos supermercados são recuperados, valorizados e devolvidos ao circuito de ajuda mútua. É um trabalho de recuperação gigantesco realizado todos os dias a critério de cada escritório local em toda a França."

No Brasil, a fotógrafa teve a oportunidade de conhecer o funcionamento da Ceasa do Rio de Janeiro e afirma que também se impressionou com a logística de um número ainda maior de agentes locais na cadeia alimentar. "Produtores, distribuidores e agricultores entregam suas mercadorias excedentes (ou que não são consideras vendáveis) que são recuperadas e redistribuídas em uma incessante cruzada que permite a preservação de milhares de toneladas de alimentos perecíveis a cada mês", afirma.

Além do trabalho dos bancos de alimentos, no Brasil, há um grande número de pessoas que, no final do horário de funcionamento das feiras, faze o trabalho de recuperação e valorização do que é rejeitado pelos circuitos de distribuição habituais.

"Os mais pobres buscam formas de sobreviver e dar valor para o que parece não ter mais valor, fazendo assim o mesmo trabalho que os bancos de alimentos. Essa população precarizada, buscando ganhar mais alguns reais, torna-se um elemento adicional na redução das sobras. Na França isso acontece em uma escala bem menor."

O Banco de Alimentos da Ceasa é um equipamento de segurança alimentar e nutricional responsável por captar alimentos para doações nas Unidades da Ceasa (Grande Rio, São Gonçalo e demais mercados do interior). É um órgão de mobilização social que funciona como uma central de arrecadação, processamento e distribuição de alimentos que não foram comercializados, mas que estão em perfeitas condições para consumo. Estes produtos são doados por produtores e comerciantes e, no Banco de Alimentos, passam por um processo de seleção e processamento, quando necessário. Atualmente, o programa atende a mais de 300 instituições, beneficiando mais de 50 mil pessoas.

Sobre a exposição "Sob a Pele"

No Rio de Janeiro, a exposição segue, com entrada gratuita, até o dia 18 de setembro. Em uma parceria com a Aliança Francesa, mais 10 cidades vão receber a mostra Sob a Pele: Belo Horizonte (MG), Blumenau (SC), Curitiba (PR), Juiz de Fora (MG), São Carlos (SP), Campinas (SP), Santo André (SP), Fortaleza (CE), Manaus (AM) e Nova Friburgo (RJ).