Para Sebastião Salgado, agro só existe graças a rios aéreos da Amazônia
O fotógrafo Sebastião Salgado, 78, dormiu em abrigos no meio da selva e voou em aviões das Forças Armadas por semanas até capturar um fenômeno grandioso da Amazônia: o rio voador. "É algo fantástico", descreve Salgado em entrevista para Ecoa. O conceito foi popularizado por cientistas na última década e é essencial para o clima em várias regiões do Brasil e da América do Sul.
Rio voador, também chamado de rio aéreo, é o nome popular dado às grandes camadas de vapor na região Amazônica. As dimensões do fenômeno lembram, de fato, a grandiosidade dos rios que passam abaixo das nuvens. "Eles causam um efeito colossal", diz Salgado.
Os rios que voam
O termo "rios voadores" foi criado por cientistas brasileiros para explicar o fenômeno de proporções gigantescas que serpenteia e corre por grandes distâncias o nosso continente, como um grande rio de água doce.
A formação pode ser observada, em boa parte, nas colunas de vapor d'água com até 3 quilômetros de altura da Amazônia. A formação foi fotografada por Salgado na região do rio Negro, no Amazonas. A imagem é parte da mostra "Amazônia", que chegou ao Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, esta semana e fica aberta ao público do dia 19 de julho até 29 de janeiro de 2023.
O fenômeno registrado por Salgado começa no oceano. Na região norte, o calor faz o Oceano Atlântico evaporar em grande volume. A Amazônia, então, vira uma espécie de ímã com a ajuda do vento. Ela atrai a umidade evaporada do oceano e cria chuvas para si, o que ajuda a manter vivas as suas bilhões de árvores. (Cientistas calculam a existência de 400 bilhões de árvores).
A partir daí, as plantas entram em cena. Elas transpiram a água da chuva e "devolvem" a umidade para a atmosfera. O vapor sobe em grandes volumes, como uma "chuva ao contrário", e criam nuvens imensas a cerca de 15 quilômetros de altura.
O vento sopra as nuvens grandes até a região dos Andes, na região oeste da América do Sul. Quando chegam por lá, elas "batem na parede" de rocha e retornam em direção ao sul do continente, onde umidificam e viram chuvas.
A umidade e as chuvas da região centro-oeste, sudeste, sul e de países como Bolívia, Uruguai e Argentina são geradas, em boa parte, por estes rios que passam rapidamente pela cabeça de milhares de brasileiros.
Além disso, parte das nuvens que "batem" contra os Andes viram chuva e também abastecem as cabeceiras dos rios - desta vez, os rios terrestres.
Estudos de cientistas, como Antônio Nobre, do Inpe, calculam que uma única árvore amazônica transpira 1 mil litros em um só dia. A floresta amazônica é capaz, então, de gerar 20 bilhões de águas transpiradas diariamente. "O agronegócio brasileiro só existe e é garantido pelos rios aéreos da Amazônia", diz Salgado.
Mostra "Amazônia" chegou ao RJ dia 19/07
A exposição com 194 fotografias foi feita ao longo de sete anos por Sebastião e Lélia Wanick Salgado. Após a expedição, ele se diz preocupado e feliz ao mesmo tempo.
De um lado, registrou a riqueza natural e os povos da Amazônia, como os Marubo e os Ianomami, e sente os brasileiros mais interessados em protegê-la, especialmente após a pandemia de covid-19 que castigou povos indígenas e o aumento dos índices de desmatamento na maior floresta tropical do mundo. Não à toa, a conservação das árvores é essencial para manutenção dos rios aéreos. "Ninguém é capaz de imaginar uma chuva amazônica", diz. "São como explosões atômicas. É uma pressão que parece gerar um cogumelo".
Por outro, Salgado percebe que a proteção aos indígenas e à própria natureza feita pelo governo federal é cada vez menor. O fotógrafo, inclusive, fez registros no Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Philips foram assassinados em junho. "Sem dúvida nenhuma, [a responsabilidade] é da Funai e do Governo Federal, que retirou toda a proteção do vale. Hoje o território foi invadido por pescadores, garimpeiros e madeireiros ilegais", diz. "O predador é o Executivo: o presidente da República e seus ministros".
Salgado afirma que não tem certeza sobre o futuro, mas se sente esperançoso. "A espécie humana vai aprender a lição e um dia vamos evoluir e conviver em paz e harmonia no planeta. Vamos voltar a ser biodiversidade e viver em paz com todos os seres vivos do planeta", conclui.
(Com agência Fapesp)
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