Com alta tecnologia, bisneto de caçador vira salvação de onças no Pantanal
Diego Viana, 33, é líder de um projeto de conservação de onças-pintadas em Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Para protegê-las, ele une invenções de última geração e a boa e velha prosa com fazendeiros e ribeirinhos.
A atitude dele é uma virada nos rumos da família. O bisavô era caçador e atendia por Mané Bravo. As histórias do antepassado eram narradas como aventuras nos encontros familiares, mas o futuro veterinário sentia incômodo ao escutá-las. Os anos passaram, Diego cresceu, viajou, estudou grandes animais pelo mundo e voltou para a cidade onde nasceu com a missão de proteger a lendária e imponente onça-pintada no Pantanal.
O veterinário trabalha para o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), criado há 20 anos para proteção da fauna, flora e preservação da cultura pantaneira. São 300 mil hectares sob responsabilidade do instituto, entre fazendas parceiras e reservas particulares na fronteira com a Bolívia. O deslocamento até às onças é feito em pequenos barcos a motor ou em aviões de pequeno porte. Desde 2016, 111 onças-pintadas foram mapeadas pela ONG na Serra do Amolar, ou mais de 8 animais a cada 100 km². O número de espécies é alto, mas o encontro com um jaguar, como também são conhecidas as onças-pintadas, não é tão fácil de ocorrer.
"A gente sempre conta com um pouco de sorte", diz Diego. Primeiro, veterinários e biólogos fazem jornadas de até duas semanas para instalar câmeras onde as onças costumam transitar. A localização é escolhida por vestígios imperceptíveis para um leigo, como pegadas dos felinos, e com o saber técnico do território para calcular onde elas podem buscar alimentos de acordo com a época do ano, a partir de relatos de moradores e com a profundidade dos rios e áreas alagadas.
Com as câmeras instaladas, as armadilhas com laços são posicionadas para prender a pata dos felinos, de forma indolor. É aí que entra a sorte. Segundo Diego, a onça pode desviar da armadilha, e uma anta ou um tamanduá podem se enroscar sem querer, o que demandará mais dias ou semanas de trabalho.
Caso seja uma onça-pintada é preciso encontrá-la em até 40 minutos para diminuir o estresse com a situação. O método de sedação ainda é tradicional. Uma zarabatana soprada por um veterinário injeta o dardo tranquilizante. Em cerca de cinco minutos, a onça está apagada para a análise veterinária.
Há semelhanças e diferenças fundamentais entre os caçadores do passado - como o bisavô de Diego - e a captura para a proteção, que vão além de manter os grandes animais vivos. Os dois sabem reconhecer o "esturro" do felino, uma espécie de vocalização que soa como uma motosserra e revela se é uma onça fêmea ou um macho.
Diego não usa presas como isca para atraí-las, não deposita comida em determinados pontos da floresta e nem usa cachorros para farejar e amedrontar as onças (prática comum entre os onceiros). O objetivo é evitar uma interferência excessiva capaz de causar muito estresse ao animal.
A alta tecnologia do Pantanal
Quando são capturadas, as onças recebem um colar que emite sinal GPS para ser monitorada por Diego e pela equipe do instituto. O aparelho é importado dos Estados Unidos e custa mais de R$ 20 mil. Por ora, são apenas dois colares em funcionamento. A meta é chegar a 20 colares, que custariam R$ 400 mil, dinheiro que o IHP ainda não possui.
O rastreador é leve em relação ao peso do jaguar e não incomoda — é como um gato doméstico com um colarzinho. A bateria dura um ano e envia um último sinal de localização antes de cair, sozinha, do pescoço do animal. (Uma coleira foi doada pelo cantor Luan Santana, que não anunciou publicamente a doação). As informações sobre o deslocamento são essenciais para detectar por onde as onças-pintadas se deslocam e por quê.
A matança da espécie ainda é comum no Pantanal. Entre junho e julho, duas onças foram encontradas mortas às margens do rio Paraguai, na área da instituição. Na região, o bicho costuma ser culpado pela morte de bois e vacas, mesmo sem ter tido relação com o caso. "Há casos de vacas atoladas, picadas por cobras e a conta pode ir para a pintada. Sumiu? Dizem que foi a onça", afirma Diego.
Onça no quartel
Com o avanço da cidade, a degradação ambiental e as mudanças climáticas, as onças podem parar em lugares onde nem elas gostariam de estar. Em julho, Diego resgatou uma onça-pintada no banheiro de um quartel do Exército. A rodovia que conecta Corumbá a Campo Grande causa atropelamento de milhares de espécies todos os anos.
Para evitar o contato acidental e predação do gado, a equipe desenvolveu uma cerca elétrica de baixa voltagem e intensidade para repelir a entrada da onça em fazendas. Em uma delas, no município de Miranda (MS), o número de cabeças de gado mortas caiu de 930 por ano em 2016 para 220 em 2017.
Os incêndios em 2020, que mataram 17 milhões de animais (a cidade de São Paulo tem cerca de 11 milhões de habitantes), estimularam a criação de um sistema de monitoramento por câmeras com inteligência artificial capaz de detectar focos de fumaça a quilômetros de distância. Os aparelhos são carregados com energia solar e instalados em regiões serranas do Pantanal. É uma proteção adicional às onças, que também foram feridas e mortas pelos incêndios.
Outra estratégia é um repelente luminoso instalado nas comunidades — uma espécie de lâmpada piscante que afugenta o animal. Os dois métodos são fruto de estudos feitos com grandes felinos na Ásia e na América do Sul.
"Mas a melhor estratégia que a gente fez na fazenda foi capacitar [as pessoas]", diz o veterinário. O projeto é pago com dinheiro de grandes empresas e doações de pessoas físicas.
Além do estudo científico, Diego calcula ter dado aulas de educação ambiental a mais de seis mil pessoas. De tempos em tempos, ele viaja por comunidades e fazendas do Pantanal para contar a própria história: uma narrativa diferente daquela que ouvia quando criança. Na nova versão, as onças vivem.
*A reportagem viajou ao Pantanal a convite da General Motors (GM)
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