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Com alta tecnologia, bisneto de caçador vira salvação de onças no Pantanal

Veterinário do Instituto Homem Pantaneiro, Diego faz incursões na mata em busca de vestígios e estratégias de defesa das onças - Reprodução/Facebook
Veterinário do Instituto Homem Pantaneiro, Diego faz incursões na mata em busca de vestígios e estratégias de defesa das onças Imagem: Reprodução/Facebook

De Ecoa, em Corumbá (MS) e em São Paulo (SP)*

27/07/2022 06h00Atualizada em 28/07/2022 12h14

Diego Viana, 33, é líder de um projeto de conservação de onças-pintadas em Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Para protegê-las, ele une invenções de última geração e a boa e velha prosa com fazendeiros e ribeirinhos.

A atitude dele é uma virada nos rumos da família. O bisavô era caçador e atendia por Mané Bravo. As histórias do antepassado eram narradas como aventuras nos encontros familiares, mas o futuro veterinário sentia incômodo ao escutá-las. Os anos passaram, Diego cresceu, viajou, estudou grandes animais pelo mundo e voltou para a cidade onde nasceu com a missão de proteger a lendária e imponente onça-pintada no Pantanal.

O veterinário trabalha para o Instituto Homem Pantaneiro (IHP), criado há 20 anos para proteção da fauna, flora e preservação da cultura pantaneira. São 300 mil hectares sob responsabilidade do instituto, entre fazendas parceiras e reservas particulares na fronteira com a Bolívia. O deslocamento até às onças é feito em pequenos barcos a motor ou em aviões de pequeno porte. Desde 2016, 111 onças-pintadas foram mapeadas pela ONG na Serra do Amolar, ou mais de 8 animais a cada 100 km². O número de espécies é alto, mas o encontro com um jaguar, como também são conhecidas as onças-pintadas, não é tão fácil de ocorrer.

"A gente sempre conta com um pouco de sorte", diz Diego. Primeiro, veterinários e biólogos fazem jornadas de até duas semanas para instalar câmeras onde as onças costumam transitar. A localização é escolhida por vestígios imperceptíveis para um leigo, como pegadas dos felinos, e com o saber técnico do território para calcular onde elas podem buscar alimentos de acordo com a época do ano, a partir de relatos de moradores e com a profundidade dos rios e áreas alagadas.

Diego Viana inspeciona pata de felino em região da Serra do Amolar, no Pantanal; local é fronteira com a Bolívia e lar da onça-pintada - Vagno Valencio/Divulgação - Vagno Valencio/Divulgação
Diego Viana inspeciona pata de felino em região da Serra do Amolar, no Pantanal; local é fronteira com a Bolívia e lar da onça-pintada
Imagem: Vagno Valencio/Divulgação

Com as câmeras instaladas, as armadilhas com laços são posicionadas para prender a pata dos felinos, de forma indolor. É aí que entra a sorte. Segundo Diego, a onça pode desviar da armadilha, e uma anta ou um tamanduá podem se enroscar sem querer, o que demandará mais dias ou semanas de trabalho.

Caso seja uma onça-pintada é preciso encontrá-la em até 40 minutos para diminuir o estresse com a situação. O método de sedação ainda é tradicional. Uma zarabatana soprada por um veterinário injeta o dardo tranquilizante. Em cerca de cinco minutos, a onça está apagada para a análise veterinária.

Onça-pintada Joujou é monitorada por Diego; nome é homenagem feita a indígena guató que trabalha na instituição - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Onça-pintada Joujou é monitorada por Diego; nome é homenagem feita a indígena guató que trabalha na instituição
Imagem: Reprodução/Facebook

Há semelhanças e diferenças fundamentais entre os caçadores do passado - como o bisavô de Diego - e a captura para a proteção, que vão além de manter os grandes animais vivos. Os dois sabem reconhecer o "esturro" do felino, uma espécie de vocalização que soa como uma motosserra e revela se é uma onça fêmea ou um macho.

Diego não usa presas como isca para atraí-las, não deposita comida em determinados pontos da floresta e nem usa cachorros para farejar e amedrontar as onças (prática comum entre os onceiros). O objetivo é evitar uma interferência excessiva capaz de causar muito estresse ao animal.

A alta tecnologia do Pantanal

Quando são capturadas, as onças recebem um colar que emite sinal GPS para ser monitorada por Diego e pela equipe do instituto. O aparelho é importado dos Estados Unidos e custa mais de R$ 20 mil. Por ora, são apenas dois colares em funcionamento. A meta é chegar a 20 colares, que custariam R$ 400 mil, dinheiro que o IHP ainda não possui.

O rastreador é leve em relação ao peso do jaguar e não incomoda — é como um gato doméstico com um colarzinho. A bateria dura um ano e envia um último sinal de localização antes de cair, sozinha, do pescoço do animal. (Uma coleira foi doada pelo cantor Luan Santana, que não anunciou publicamente a doação). As informações sobre o deslocamento são essenciais para detectar por onde as onças-pintadas se deslocam e por quê.

A matança da espécie ainda é comum no Pantanal. Entre junho e julho, duas onças foram encontradas mortas às margens do rio Paraguai, na área da instituição. Na região, o bicho costuma ser culpado pela morte de bois e vacas, mesmo sem ter tido relação com o caso. "Há casos de vacas atoladas, picadas por cobras e a conta pode ir para a pintada. Sumiu? Dizem que foi a onça", afirma Diego.

Onça no quartel

Com o avanço da cidade, a degradação ambiental e as mudanças climáticas, as onças podem parar em lugares onde nem elas gostariam de estar. Em julho, Diego resgatou uma onça-pintada no banheiro de um quartel do Exército. A rodovia que conecta Corumbá a Campo Grande causa atropelamento de milhares de espécies todos os anos.

Para evitar o contato acidental e predação do gado, a equipe desenvolveu uma cerca elétrica de baixa voltagem e intensidade para repelir a entrada da onça em fazendas. Em uma delas, no município de Miranda (MS), o número de cabeças de gado mortas caiu de 930 por ano em 2016 para 220 em 2017.

Diego em busca de sinal de GPS de colar de onça-pintada monitorada no Pantanal - Reprodução - Reprodução
Diego em busca de sinal de GPS de colar de onça-pintada monitorada no Pantanal
Imagem: Reprodução

Os incêndios em 2020, que mataram 17 milhões de animais (a cidade de São Paulo tem cerca de 11 milhões de habitantes), estimularam a criação de um sistema de monitoramento por câmeras com inteligência artificial capaz de detectar focos de fumaça a quilômetros de distância. Os aparelhos são carregados com energia solar e instalados em regiões serranas do Pantanal. É uma proteção adicional às onças, que também foram feridas e mortas pelos incêndios.

Outra estratégia é um repelente luminoso instalado nas comunidades — uma espécie de lâmpada piscante que afugenta o animal. Os dois métodos são fruto de estudos feitos com grandes felinos na Ásia e na América do Sul.

"Mas a melhor estratégia que a gente fez na fazenda foi capacitar [as pessoas]", diz o veterinário. O projeto é pago com dinheiro de grandes empresas e doações de pessoas físicas.

Além do estudo científico, Diego calcula ter dado aulas de educação ambiental a mais de seis mil pessoas. De tempos em tempos, ele viaja por comunidades e fazendas do Pantanal para contar a própria história: uma narrativa diferente daquela que ouvia quando criança. Na nova versão, as onças vivem.

*A reportagem viajou ao Pantanal a convite da General Motors (GM)