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Não é só na Europa: Quais foram as maiores 'ondas de calor' do Brasil?

Pessoas observam o por-do-sol na arquibancada do autodromo em Brasília - Ueslei Marcelino/Folha Imagem
Pessoas observam o por-do-sol na arquibancada do autodromo em Brasília Imagem: Ueslei Marcelino/Folha Imagem

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

03/08/2022 06h00

Céu claro, sol a pino e termômetros chegando perto ou até ultrapassando os 30º C. Esse tem sido o inverno de muitos brasileiros que vivem em regiões onde o calor não tem dado trégua, mesmo durante a estação considerada a mais fria do ano.

Enquanto no hemisfério norte, moradores e turistas se viram para lidar com as chamadas ondas de calor, responsáveis por elevar as temperaturas a mais de 40º C na Inglaterra, por exemplo, em terras brasileiras muitos se perguntam se o mesmo fenômeno também está ocorrendo por aqui.

Professor do curso de Meteorologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o pesquisador Luiz Felippe Gozzo explica que altas temperaturas e ondas de calor são situações diferentes. Uma indica algo pontual, outra é uma tendência de aumento contínua. Ou seja, nem sempre um dia com altas temperaturas indica a ocorrência de uma onda de calor.

"A Organização Meteorológica Mundial (OMM) diz que a temperatura no caso da onda de calor está 5º C mais alta do que a média durante pelo menos três dias. No caso da Inglaterra, não era um dia de calor. Estava bem acima da média e isso durou um certo tempo também", destaca o professor.

Já a ocorrência de altas temperaturas costuma se aproximar da média prevista para aquela estação, com menor duração de tempo. "No caso de São Paulo, antes de entrar uma frente fria, esquenta, mas não é uma onda de calor, algo muito acima da média. É um dia de calor", exemplifica Gozzo.

Para ser considerada uma onda de calor, a temperatura deve ficar 5ºC mais alta do que a média durante pelo menos três dias, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM) - Daniel Marenco/FolhaPress - Daniel Marenco/FolhaPress
Para ser considerada uma onda de calor, a temperatura deve ficar 5ºC mais alta do que a média durante pelo menos três dias, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM)
Imagem: Daniel Marenco/FolhaPress

Estações mais quentes

Apesar dessa diferença conceitual, é possível dizer que as temperaturas também têm ficado mais altas no Brasil nos últimos anos. Para se ter uma ideia, a capital paulista teve neste ano o julho mais quente dos últimos 38 anos, conforme levantamento do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e Climatempo. A média de temperatura máxima para o mês é de 22,9º C, mas houve registro superior a 27º C em pelo menos dez dias deste julho.

No Rio de Janeiro, algo parecido: a média do mês foi de 31,3° C, sendo este também o julho mais quente desde 2014 na cidade, segundo o Sistema Alerta da Prefeitura e o Centro de Operações da Prefeitura do Rio.

"As altas temperaturas estão acontecendo com maior frequência no país, principalmente na primavera e verão. Percebemos que o intervalo entre os picos está menor", analisa Francisco de Assis Diniz, chefe do Centro de Previsão do Tempo do INMET.

De acordo com o meteorologista, uma temperatura alta (ocasional e rara) que se via na década de 1960 já se repete com maior frequência nos anos 2000. Por exemplo, os 44,6º C verificados em Orleans (SC) em janeiro de 1963 já foram ultrapassados em novembro de 2005, janeiro de 2006 e em outubro de 2020. Veja na relação a seguir, segundo dados do INMET:

5 maiores temperaturas já registradas no Brasil

  1. 44,7º C: O primeiro registro nesse patamar ocorreu em 21 de novembro de 2005, em Bom Jesus (PI).
  2. 44,6º C: A temperatura foi registrada em diferentes anos. Primeiro, em Orleans (SC), em 06 de janeiro de 1963. Depois, houve novo registro em Bom Jesus (PI), em 30 de janeiro de 2006, e em Água Clara (MS), em 05 de outubro de 2020.
  3. 44,4º C: Água Clara (MS), em 1º de outubro de 2020.
  4. 44,1º C: Coxim (MS), em 30 de setembro de 2020.
  5. 44,0º C: Cuiabá (MT), em 30 de setembro de 2020, e Coxim (MS), em 6 de outubro de 2020.
Em Porto Alegre os termômetros de rua chegaram a marcar 41 graus, em 13 de janeiro de 2022. - Evandro Leal/Agência Enquadrar/Folhapress - Evandro Leal/Agência Enquadrar/Folhapress
Em Porto Alegre, os termômetros de rua chegaram a marcar 41 graus, no dia 13 de janeiro de 2022.
Imagem: Evandro Leal/Agência Enquadrar/Folhapress

Ondas de calor estão mais comuns no Brasil também?

É possível associar essas altas temperaturas observadas no Brasil a ondas de calor nas regiões e períodos relacionados, avalia o chefe de Previsão do Tempo do INMET. Por isso, por aqui, as ondas de calor também estão mais frequentes. "Para chegar nessas máximas, houve uma crescente de temperaturas em vários dias", argumenta Diniz.

Em 2020, os estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais registraram ondas de calor entre setembro e outubro. Em Coxim (MS), por exemplo, a máxima foi de 44,1º C. No ano seguinte, isso foi observado novamente no Centro Oeste, com a temperatura em Corumbá alcançado os 43,9º C em setembro. Neste ano, foi a vez do Rio Grande do Sul. Em Uruguaiana, os termômetros chegaram a 42,9º C em fevereiro.

Em 2012, animais do zoológico de Gramado, no Rio Grande do Sul, precisaram de uma ajudinha para lidar com a temperatura alta - Cleiton Thiele/Ag. RBS/Folhapress - Cleiton Thiele/Ag. RBS/Folhapress
Em 2012, animais do zoológico de Gramado, no Rio Grande do Sul, precisaram de uma ajudinha para lidar com a temperatura alta
Imagem: Cleiton Thiele/Ag. RBS/Folhapress

Menos queima de combustíveis fósseis

Já é consenso entre cientistas do clima que a elevação nas temperaturas está relacionada ao aquecimento global causado pela atividade humana. É a emissão de gases do efeito estufa, em grande parte provocada pela queima de combustíveis fósseis para gerar energia, atividades industriais e transporte, que tem levado a esse quadro de aquecimento em todo o planeta, salienta o professor do curso Meteorologia da Unesp Luiz Felippe Gozzo.

Ele alerta que esse desequilíbrio tende a causar eventos extremos, não apenas os relacionados às ondas de calor. É o caso de secas, temporais e frio extremo.

Para o pesquisador, a redução desse problema depende de ações urgentes que sejam capazes de controlar a emissão de gases do efeito estufa. E mais: ainda que essas ações sejam colocadas em prática amanhã, o aquecimento global não seria controlado de uma hora para a outra.

"O que podemos fazer enquanto humanidade para mitigar isso passa por políticas públicas. Mas não é fazer um tratado e tudo volta ao normal no ano que vem. Estamos em uma condição em que ainda vamos conviver com os efeitos desse aquecimento por muitos anos", lamenta.