Seu cocô pode salvar o planeta? Entenda se fezes humanas podem virar adubo
Se a regra para um mundo sustentável é reutilizar tudo o que for possível, por que damos a descarga em matéria-prima todos os dias? Para elucidar esse mistério, Ecoa conversou com especialistas buscando entender se é uma boa ideia usarmos nosso próprio cocô como adubo.
Em alguns pontos, há um consenso: já existe tecnologia para isso, embora ela precise ser aprimorada para termos garantia de que podemos usar em grande escala.
As divergências, no entanto, ainda são muitas. Há quem tenha visões diferentes sobre a eficiência do processo ou se vale investir tanto tempo e dinheiro nessa ideia.
SIM
O método pode prevenir a crise do fósforo
Usamos fósforo na produção de fertilizantes, na composição de ligas metálicas e nos palitos que você usa para acender o fogão. O problema é que o elemento é finito na natureza e alguns estudos indicam que, se continuarmos no ritmo em que estamos, ele pode acabar em 100 anos. Para a nossa sorte, fezes humanas são riquíssimas em fósforo. Se reaproveitarmos esse recurso em fertilizantes, colocando de volta no solo, podemos prevenir a extinção do material na natureza - ou, pelo menos, nos comprar mais alguns anos de respiro.
Fertilizante orgânico tem vantagens sobre sua contraparte mineral
"O fertilizante mineral, o mais usado no momento, possui apenas os nutrientes, enquanto a sua versão orgânica possui características que favorecem as propriedades físicas do solo", disse Valter Casarin, coordenador científico da Nutrientes para a Vida, iniciativa voltada a divulgar informações sobre o uso de fertilizantes. Na prática isso significa que fertilizantes orgânicos ajudam a raiz das plantas e os organismos do solo a se desenvolverem melhor.
Além disso, se encontrarmos uma maneira viável e segura de usar as fezes humanas, poderemos nos proteger das variações do mercado externo. Em 2022, por exemplo, a guerra na Ucrânia causou a chamada "crise dos fertilizantes", quando o material ficou escasso no mercado e, consequentemente, mais caro, afetando parte da produção de alimentos.
É o melhor para o futuro do planeta
Tendo em vista os problemas ambientais que enfrentamos, devemos buscar formas de reutilizar tudo que for possível. E o cocô humano é valioso demais para virar apenas sujeira. "Imagine quase oito bilhões de humanos indo ao banheiro todos os dias? O passivo ambiental que esses resíduos estão criando é gigante e o conteúdo nutricional [como nitrogênio e potássio] deve ser devolvido para a natureza", disse Casarin.
NÃO
É inviável em grande escala
"Uma iniciativa assim afetaria todo um conjunto de hábitos e instalações que já estão bem estabelecidos na civilização. Colocar banheiros a seco em um prédio inteiro, por exemplo, seria caro, trabalhoso e ainda teríamos problemas com o odor", disse Fernando Carvalho Oliveira, engenheiro agrônomo da Tera Ambiental, empresa especializada em tratamento de efluentes e compostagem de resíduos orgânicos. Além disso, o fertilizante de cocô ainda seria maior e mais pesado do que sua versão mineral, exigindo mais trabalho, tempo e recursos no transporte e armazenamento.
É arriscado
"Quando você submete um esgoto com material fecal a um sistema de tratamento, isso já reduz cerca de 95% essa carga de organismos patogênicos. Mas esse 1% a 5% que sobra ainda é muita coisa", explicou Fernando. Mesmo se reduzirmos ainda mais a carga de patogênicos, ainda não vale a pena arriscar por conta da retroalimentação. Ou seja, se as fezes de uma pessoa doente for pro solo com qualquer vestígio dos causadores da doença, ela vai contaminar os alimentos e adoecer quem comê-los, fazendo com que ainda mais fezes contaminadas surjam.
Temos outras soluções
Na agricultura, já é usado o lodo de esgoto, um subproduto gerado dentro das estações de tratamento durante o processo de purificação de material fecal e urina - mais especificamente, a sobra dos microorganismos que se reproduziram tratando o material fecal. Não é a mesma coisa que enterrar fezes humanas na horta, mas já é uma opção sustentável e a melhor parte é que diversas cidades do Brasil, como Jundiaí (SP) e Franca (SP) já possuem estrutura para isso. Além disso, a tecnologia para a purificação e reutilização da urina já está bem mais avançada, viável e barata. Investir nessas opções realistas parece mais eficiente do ponto de vista prático.
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