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Como técnica aprendida por Jove em 'Pantanal' pode ajudar no combate à fome

Jove (Jesuíta Barbosa) está encantado com a agroecóloga Miriam (Liza del Dala) - Reprodução/ TV Globo
Jove (Jesuíta Barbosa) está encantado com a agroecóloga Miriam (Liza del Dala) Imagem: Reprodução/ TV Globo

Rafael Monteiro

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

19/08/2022 06h00

Nem só de agronegócio vive a trama de "Pantanal". Com a chegada de Miriam, o público da novela foi apresentado a um outro jeito de produzir alimentos. Vivida por Liza Del Dala, a nova crush de Jove (Jesuita Barbosa) é uma especialista em plantio agroflorestal e tem trazido questões de uma ciência ainda pouco divulgada, mas fundamental para pensar em combate à fome no Brasil: a agroecologia.

Registrada oficialmente na Europa, antes da Primeira Guerra Mundial, a agroecologia é um tipo da agricultura que se preocupa com diferentes aspectos, além do alimento, claro. No caso brasileiro, o conjunto de técnicas e conceitos se beneficia diretamente do conhecimento acumulado de populações tradicionais brasileiras, como indígenas e quilombolas.

Para quem, assim como Jove, se interessou pelo assunto, Ecoa hoje te conta mais sobre:

O que é agroecologia?

A agroecologia é um estudo da agricultura a partir de uma perspectiva ecológica. Ou seja, ao mesmo tempo em que existe a prioridade de produzir alimentos saudáveis e de qualidade, existe também a preocupação e respeito com o agricultor ou agricultora responsável pelo plantio — sem contar que é uma grande aliada da saúde do planeta, já que, respeitando os ciclos naturais, não utiliza veneno, ajuda a preservar a biodiversidade brasileira e a natureza como um todo.

"Agroecologia é um sistema de produção de agricultura voltada para a produção de alimentos saudáveis. Ela visa a manutenção da vida, do ecossistema e da biodiversidade. Ela é um tipo de agricultura alinhada com a natureza e a preservação dos bens naturais, como água e solo, visando um meio ambiente mais equilibrado", explica Fran Paula, engenheira agrônoma, mestre em Saúde Pública e representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) na "Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida".

Apontada pela ONU em 2011 como a "solução para alimentar as pessoas mais pobres e reparar os danos causados pela produção industrial no campo", a ciência busca, no Brasil, resgatar as práticas de povos tradicionais.

"A agroecologia não é jovem. A história da agricultura, inclusive, está muito ligada à história da agroecologia. A agroecologia é um acúmulo de tecnologias de trabalhadores tradicionais, como quilombolas e indígenas, sem o uso de agrotóxicos, transgênicos e outros insumos químicos", complementa Fran Paula.

Um dos erros mais comuns relacionados à agroecologia, segundo a especialista, é a confusão feita entre a ciência e a agricultura orgânica.

"Agroecologia é mais ampla que a agricultura orgânica. A agricultura orgânica se baseia numa substituição de insumos químicos e sintéticos por itens orgânicos. Ela se limita a práticas e técnicas, vamos dizer assim. A agroecologia pensa no desenvolvimento territorial, ambiental e social, levando em conta a condição de vida das pessoas. Você pode ter um produtor orgânico de monocultivo. O que não cabe na agroecologia, por exemplo, por ser uma ciência voltada para a biodiversidade", diz Paula.

A agroecóloga Miriam tem mostrado a Jove que é possível produzir alimentos de forma mais sustentável  - Reprodução/ TV Globo - Reprodução/ TV Globo
A agroecóloga Miriam tem mostrado a Jove que é possível produzir alimentos de forma mais sustentável
Imagem: Reprodução/ TV Globo

A importância da agroecologia no combate à fome no Brasil

Além dos benefícios para o meio ambiente, a ciência busca melhorar as condições de trabalho do produtor rural, cuja saúde é diretamente prejudicada pelos diferentes tipos venenos no campo. Além disso, ela se preocupa em entregar alimento de qualidade para a população, um direito garantido por lei e atualmente desrespeitado no Brasil.

"A agroecologia está voltada para a produção de alimento. A gente produz comida de verdade, uma necessidade tanto do campo quanto da cidade. Por ter um princípio de justiça social, a ciência se preocupa tanto com segurança de quem está produzindo o alimento quanto com o destino da comida. Afinal, o alimento é feito para quem?", questiona Fran Paula.

Projeto de algodão agroecológico em MG resgata tradições e garante segurança alimentar - Fellipe Abreu - Fellipe Abreu
Projeto de algodão agroecológico em MG resgata tradições e garante segurança alimentar
Imagem: Fellipe Abreu

A agroecologia no Pantanal

Uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta, o Pantanal enfrenta um momento delicado. De acordo com relatório recente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o agronegócio tem colaborado com a contaminação de peixes e jacarés com o uso extensivo de pesticidas na região.

Os agrotóxicos, junto com as queimadas e as mudanças climáticas, são apontados por especialistas como um dos fatores determinantes para que o Pantanal perdesse cerca de 15,7% da superfície de água que possuía, no período entre 1991 e 2020. Os números são do levantamento feito pelo MapBiomas Água e divulgado em 2021.

O relatório "Agrotóxicos no Pantanal", divulgado em agosto deste ano pela FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), trouxe mais dados sobre o uso de pesticidas na região. Ao analisar a água da região, o relatório identificou 10 tipos diferentes de agrotóxicos - oito deles não estão listados na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de Limites de Quantificação Praticáveis (LQP) de Águas Subterrâneas.

O uso desenfreado de pesticidas afeta a vida dos moradores tanto pela água quanto pelo ar. No ano passado, 15 pessoas da comunidade quilombola Jejum, moradoras do município de Poconé (MT), foram intoxicadas após entrarem em contato com poeira tóxica resultante de uma colheita de soja.

Atuante no Pantanal, Fran Paula usa os exemplos acima para afirmar que o enfrentamento entre agroecólogos e o agronegócio na região é constante. "O bioma do pantanal tem sofrido muito com o avanço do agronegócio em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul. Isso tanto no planalto quanto na planície pantaneira. A gente tem identificado o impacto no equilíbrio do agroecossistema. A escassez da água no pantanal é só um dos exemplos. Há ainda um avanço muito grande na produção de soja no pantanal, mas também produção de cana, onde é usado muito veneno", analisa.

Voluntários da Associação de Moradores do Jardim São Remo, na zona oeste de São Paulo, recebem os produtos orgânicos da roça quilombola para distribuição emergencial - Roberto Almeida/ISA - Roberto Almeida/ISA
Voluntários da Associação de Moradores do Jardim São Remo, na zona oeste de São Paulo, recebem os produtos orgânicos da roça quilombola para distribuição emergencial
Imagem: Roberto Almeida/ISA

Agronegócio x agroecologia: união só na novela

Em Pantanal, a relação entre Míriam e Jove começou com certa desconfiança por parte da agroecóloga. "No nosso ramo, a gente sempre desconfia quando um grandão da agropecuária começa a falar sobre preservar o meio ambiente", diz a personagem de Liza del Dala, referindo-se ainda ao jovem como "príncipe herdeiro" da fazenda de José Leôncio (Marcos Palmeira), em uma das suas primeiras cenas.

Como se trata de uma novela, a tensão entre Míriam e Jove, no entanto, vira rapidamente um flerte durante uma viagem de carro por Santa Catarina. "Eu nunca pensei que teria um papo desses com alguém do 'outro lado'", complementa a personagem. De acordo com Fran Paula, a relação entre a agroecologia e o agronegócio na vida real passa longe de ser tão dócil.

"Quanto mais o agronegócio avança, menos agroecologia. Os dois são antagônicos e não podem conviver no mesmo espaço. As dimensões dos impactos do agronegócio, um modelo que é quimicamente dependente e geralmente latifundiário, vão contra os princípios da agroecologia. No caso da novela, a visão é muito restrita tanto sobre agronegócio quanto sobre a agroecologia", diz.