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De tóxico a verde: bairro de SP tenta salvar incinerador de órgãos humanos

Incinerador Vergueiro, criado na ditadura militar, a menos de um ano de desativação após protestos da população - Juca Varella / Folhapress
Incinerador Vergueiro, criado na ditadura militar, a menos de um ano de desativação após protestos da população Imagem: Juca Varella / Folhapress

De Ecoa, em São Paulo (SP)

22/08/2022 06h01

Desde os anos 1960, os moradores do bairro do Ipiranga, em São Paulo, conviviam com o barulho de caminhões, fumaça, chorume e mau cheiro. A origem era o incinerador Vergueiro, criado pela prefeitura para a queima de toneladas de lixo hospitalar produzido na cidade. Agora, os vizinhos querem que o antigo símbolo da poluição da metrópole se torne um lugar verde.

Desativado em 2001, o incinerador queimava restos humanos, remédios vencidos, seringas e itens usados em quimioterapia. As substâncias emitidas eram cancerígenas e causavam efeitos surpreendentes. Nos anos 2000, a USP (Universidade de São Paulo) identificou que plantas de vizinhos do gênero Tradescantia, como o lambari, sofreram uma mutação fora do comum com a emissão das toxinas.

A mobilização para desativá-lo levou mais de duas décadas, mas o espaço foi inutilizado pela prefeitura. Moradores propõem que o incinerador seja renomeado como Usina Verde, onde funcionaria um museu do lixo, um curso de gestão ambiental e um espaço cultural. "A gente entende a usina como um instrumento de formação de educação ambiental", explica Débora Machado, arquiteta e conselheira de meio ambiente e desenvolvimento sustentável no Ipiranga.

Incinerador pode se tornar espaço de educação ambiental em SP; imagem fotografada em 2022 - Reprodução - Reprodução
Incinerador pode se tornar espaço de educação ambiental em SP; imagem fotografada em 2022
Imagem: Reprodução

Segundo Débora, o movimento criado neste ano conta com cerca de 50 apoiadores diretos e busca cumprir os objetivos sustentáveis da ONU (Organização das Nações Unidas). A proposta também é uma nova maneira de olhar para o excesso de lixo descartado pela metrópole, explica. "É um engano imaginar que podemos reciclar tudo e consumir desenfreadamente", diz. "Nosso planeta não dá mais conta".

Uma breve história dos incineradores

Após o golpe de 1964, a ditadura militar construiu incineradores para lidar com o lixo das grandes cidades. Criado para lixo doméstico, o Incinerador Vergueiro começou a queimar lixo hospitalar no final dos anos 70, por exigência do órgão ambiental do estado. Até então, cada hospital queimava o próprio lixo e gerava uma nuvem tóxica em vários pontos da cidade.

Os militares, porém, não estavam preocupados com a destinação correta do lixo. Os fornos eram usados para ocultar corpos do regime. Em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) concluiu em 2021 que militares usaram o incinerador Cambaíba para sumir com vítimas até hoje desaparecidas. Moradores suspeitam que o Incinerador Vergueiro, no Ipiranga, também tenha sido usado para os mesmos crimes, mas não há registros da ocultação de cadáver.

Com o aumento da população, os equipamentos também tornaram-se cada vez mais ineficazes e poluentes. Em São Paulo, os incineradores foram encerrados a partir dos anos 90 por protesto da população. O lixo, então, foi levado para aterros ou novos incineradores construídos em locais mais afastados, como em bairros distantes de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

Incinerador Vergueiro: um problemão

A prefeitura de São Paulo recebeu multas milionárias por duas décadas com o Incinerador Vergueiro. Até os anos 2000, eram 50 toneladas de lixo queimados diariamente. Apesar disso, os fornos eram incapazes de alcançar as altas temperaturas exigidas para queimar material dos hospitais. Por isso, gerava manutenções frequentes, com toneladas de lixo acumulados à espera. A queima incompleta também lançava substâncias cancerígenas, como o furano e dioxina.

O encerramento era adiado pela prefeitura, que mais de uma vez se negou a fechar o incinerador e a pagar as multas da Cetesb, o órgão ambiental do estado. Nos anos 2000, a prefeita Marta Suplicy, à época do PT, fechou o incinerador devido às reivindicações dos moradores.

Por esse motivo, Débora também defende um museu do lixo para lembrar como a cidade já tratou o meio ambiente e quais os efeitos. "A gente entende que essa história não pode ser apagada. Precisamos do histórico: também faz parte de educar", afirma.

Acúmulo de lixo hospitalar no incinerador Vergueiro em 98, antes de operação ser encerrada - Almeida Rocha/Folhapress - Almeida Rocha/Folhapress
Acúmulo de lixo hospitalar no incinerador Vergueiro em 98, antes de operação ser encerrada
Imagem: Almeida Rocha/Folhapress

O desejo dos moradores é que os cursos sejam feitos pela Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (Umapaz), uma universidade municipal com sede no parque do Ibirapuera. Um abaixo-assinado foi criado para defender a ideia da Usina Verde.

Outro lado

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informa que a Umapaz estaria disposta a ajudar na implementação do espaço de educação ambiental no incinerador e que outros projetos para a área aguardam estudos técnicos da Cetesb para verificar se há contaminação da estrutura. A prefeitura também afirma que existe um projeto de lei na Câmara dos Vereadores para usá-lo como incinerador de animais e uma proposta para torná-lo, como imaginam os moradores, em um polo cultural. A Cetesb afirma que, como o incinerador divide espaço com um transbordo (estrutura de recebimento de lixo), qualquer intervenção só será aprovada com a apresentação de um plano onde deverá constar uma investigação ambiental.

Moradores unidos para discutir criação de usina verde em local de incinerador usado para queimar lixo hospitalar, em São Paulo - Divulgação - Divulgação
Moradores unidos para discutir criação de usina verde em local de incinerador usado para queimar lixo hospitalar, em São Paulo
Imagem: Divulgação