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"Sou uma lésbica indígena": Val Munduruku quebra padrões em seu povo

Val Mundurku no Creators Academy - @helenaalbaa/Divulgação
Val Mundurku no Creators Academy Imagem: @helenaalbaa/Divulgação

Carlos Minuano

Colaboração para Ecoa de de Iranduba (AM)

23/08/2022 06h00

"Fui a primeira do meu povo a assumir a homossexualidade", diz Valdineia Saure, 26, conhecida como Val Munduruku, uma gestora pública, youtuber e ativista indígena da região do Alto Tapajós. Ela relembra que sentia muito medo da reação da família e de seu povo, os munduruku.

"São pessoas que ainda têm a mente muito fechada, mas foi como na sociedade não-indígena: alguns deram apoio, outros não", conta Val. No caso da família, todos acolheram. Ela comemora que logo depois outros meninos e meninas mundurukus também tiveram coragem de assumir a homossexualidade.

Isso graças a sua atuação e afirmação nas redes, que traz muito do que ela é: "Sou uma mulher lésbica indígena". Ao postar nas redes fotos com a esposa, a também ativista indígena Jaciara Borari, de Alter do Chão, em Santarém, onde o casal vive hoje, Val segue quebrando padrões e abrindo portas para outros e outras.

Inspirando as novas gerações

1 - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Os ativistas indígenas Paulo Galvão e Val Munduruku
Imagem: Acervo Pessoal

"Conheci a Val Munduruku em 2018, foi um encontro muito marcante que nos uniu na luta e na amizade", diz o jovem ativista Paulo Galvão, 19, articulador do Engajamundo, uma organização liderada por jovens com foco na formação da juventude para o enfrentamento de questões ambientais e sociais. "Hoje somos mais do que amigos, somos uma família."

Galvão também é indígena, mas não sabe de qual etnia. "Estou em processo de retomada do meu povo, só sei que sou do baixo Tapajós", diz. Além de cursar relações internacionais, ele atua com Val na articulação local da organização em Santarém.

"A Val contribuiu muito no meu processo de formação como ativista e como pessoa, eu era bem jovem quando nos conhecemos, tinha 15 anos, admiro muito o trabalho dela, me inspira muito". Ele conta que já viajou várias vezes com a amiga em articulações do movimento indígena.

"Em 2021, fizemos uma vaquinha para irmos ao acampamento Levante Pela Terra", relembra o jovem. A mobilização reuniu mais de 850 indígenas de 45 povos em Brasília em protesto contra os ataques aos direitos dos povos indígenas de todas as regiões do país. Ele garante que só conseguiram por causa da força da Val na arrecadação. "Tenho muito orgulho de ser parceiro dessa mulher guerreira."

Primeira da família na faculdade

Val Munduruku cresceu no município de Jacareacanga, no Pará, mas nunca perdeu o contato com sua aldeia, para onde sempre voltava durante as férias. Para Val, as redes sociais se tornaram o principal meio para mandar seu recado ao mundo. "Precisamos nos apropriar desse espaço, é onde as pessoas estão", diz a ativista.

"Outro ponto de virada na minha vida veio um pouco depois disso, quando saí do meu município para entrar na universidade em Santarém, cursar gestão pública e desenvolvimento regional. Sou a primeira da minha família a ter acesso e a concluir o ensino superior."

A trajetória como ativista decolou em paralelo à universidade, no movimento estudantil indígena e em dois projetos focados nos temas social e ambiental: Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós e Engajamundo, uma organização de jovens que trabalha com questões de gênero e relacionadas à sustentabilidade.

Pouco depois, Val integrou duas conferências das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP 25, em Madrid, na Espanha, e a 26 em Glasgow, na Escócia. "Estive nas duas delegações representando a juventude indígena."

Na mira do garimpo ilegal

"Hoje o povo munduruku vive sob ameaças", afirma Val Munduruku. Além de invasão do território, indígenas temem pela própria vida. Em 2021, a líder Maria Leusa Munduruku teve sua casa queimada em Jacareacanga (PA) por denunciar o garimpo ilegal em suas terras e a contaminação das aguas do rio Tapajós.

Outra liderança munduruku, Alessandra Korap, ganhadora do prêmio de Direitos Humanos Robert F. Kennedy, em 2020, pela defesa do seu território no Pará, também vem sofrendo ameaças de morte e teve a casa invadida duas vezes.

"Em uma conversa com garimpeiros, eles chegaram a dizer que Maria Leusa não está morta porque eles ainda não quiseram", diz Val

A ativista chama a atenção para os estragos que invasões de terras e ameaças de morte causam para a saúde mental dessas lideranças. "Como essas pessoas que estão vivendo isso estão se sentindo?", indaga a jovem. "Elas precisam de uma rede de apoio forte."

"O momento é desafiador sobretudo para a juventude, porque muitos não querem estudar, preferem ir para o garimpo ilegal, que é um caminho mais fácil."

Com Maria Gadú, em defesa do Rio Tapajós

2 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A cantora Maria Gadú e a ativista Val Mundurku
Imagem: Arquivo Pessoal

Val Munduruku e a cantora Maria Gadú, que idealizou o projeto, estão juntas na série documental "O Som do Rio", de Carol Quintanilha, que faz uma imersão na Amazônia.

O filme, disponível no canal do YouTube da cantora, traz um alerta sobre a floresta amazônica. Misturando arte e bandeiras de luta, a série em quatro episódios, fala da Amazônia enquanto navega pelo rio Tapajós.

"É uma emergência, o rio está sofrendo com os impactos do desmatamento e do garimpo ilegal que está contaminando não apenas as águas, mas as pessoas", alerta Val.