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Baleias foram caçadas até beirar a extinção, mas o jogo virou nos anos 1980

Baleia-franca com filhote registrado no Brasil em 2022 - Bárbara Piovani
Baleia-franca com filhote registrado no Brasil em 2022 Imagem: Bárbara Piovani

João Pedro, do @biodiversidadebrasileira

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

30/08/2022 06h00

O Planeta Terra possui cerca de 4,5 bilhões de anos. A vida surgiu há cerca de 2,5 bilhões de anos. Nossa espécie surgiu apenas há 300 mil anos. Pensar nessa escala de tempo confunde a nossa cabeça, que não está acostumada a pensar o tempo dessa forma. Agora pense no privilégio que é, em 4,5 bilhões de anos de história no Planeta Terra, nós termos a sorte de viver justamente ao mesmo tempo em que o maior animal que já existiu: a baleia-azul. Com mais de 30 metros de comprimento e mais de 150 toneladas, ela ostenta este título. Privilégio que esteve perto de se encerrar, pois as baleias foram caçadas até a beira da extinção; para fins de alimentação humana e até mesmo para a utilização do seu óleo para a construção civil e combustíveis, essa história começou a mudar apenas há cerca de 40 anos.

Os cetáceos (baleias e golfinhos) são divididos em dois grupos: odontoceti e mysticeti. Odontoceti são os golfinhos e as baleias com dentes, como por exemplo os cachalotes. Já os mysticeti são o que chamamos de baleias verdadeiras, estas não possuem dentes, e, sim, barbatanas na boca, que auxiliam no tipo de alimentação desses animais, como por exemplo as famosas baleia-jubarte e a baleia-azul. Animais dos dois grupos eram visados pelos caçadores, tendo forte poder sobre o imaginário dos povos que conduziam este terrível processo de quase extinção. O livro "Moby Dick" é um clássico que mostra um pouco como esses animais eram visados.

Caça às baleias

Esses grandes mamíferos que vivem nos oceanos fizeram parte da economia de muitos países e sua caça, de forma 'comercial', tem origem por volta do século X, em partes da Europa. Os produtos que eram originados através deles eram de suma importância para manutenção da sociedade na época. Sua carne servia de alimentação, os ossos serviam para a produção de objetos e produtos, como pentes, móveis e até mesmo postes, mas o item principal e mais cobiçado pelos caçadores era o óleo que esses animais possuem. Esse óleo era utilizado na iluminação pública e nas residências, na construção civil, e, até mesmo, como lubrificante. Para que se possa entender a importância desse material, ele seria o equivalente do que hoje é o petróleo naquela sociedade. No Brasil, a procura por baleias para fins comerciais teve início no século XVI, ainda no período colonial. O Rio de Janeiro foi o protagonista, contudo, outros estados também aderiram a essa prática comercial.

Os caçadores saíam nas chamadas 'baleeiras', que eram pequenos barcos de até 12 metros, com remadores e outros consortes que eram responsáveis por lançar o arpão nas baleias até mata-lá. Depois de morta, a baleia era amarrada ao barco e arrastada ao continente pelos remadores. Séculos depois, as 'baleeiras' tomaram tal volume, que os animais mortos eram tratados dentro do próprio barco. Os caçadores seguiam as baleias através dos borrifos de ar que esses animais soltam ao subir na superfície para respirar.

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Baleia-franca subindo até a superfície para respirar
Imagem: Bárbara Piovani

O método de caça foi sofrendo um aperfeiçoamento ao longo do tempo. Até mesmo arpões com explosivos acoplados começaram a ser utilizados com o objetivo de matar esses animais. Um método cruel, pois o arpão, após penetrar na pele do animal, explode, causando uma hemorragia que pode demorar horas para matar o animal, que sofre profundamente no processo.

Com o número de habitantes nas cidades crescendo, a demanda pelos produtos oriundos desses animais era cada vez maior. Em conjunto com o aperfeiçoamento da técnica de caça, às baleias sofreram um declínio populacional severo. A baleia-franca, a baleia-jubarte, a baleia-azul e a cachalote, foram por muitos anos os principais alvos por não serem animais tão velozes, o que facilitava a aproximação dos baleeiros, consequentemente, o número de acertos com o arpão.

Genocídio das baleias

Um estudo publicado em 2022, comparou a população da baleia-franca (Eubalena australis) no período entre 1670 e 1937, em grande parte Oceano Atlântico, incluindo a costa brasileira. Os números mostram que antes da exploração em grande escala, o número de indivíduos nessa parte no Oceano Atlântico era de cerca de 58 mil indivíduos, já por volta de 1830, restavam menos de 2 mil indivíduos. Uma queda vertiginosa no número de indivíduos e um risco de extinção iminente. Os números atuais mostram cerca de 5 mil indivíduos da espécie, uma melhora no quadro, mas ainda pequeno quando comparado com o período pré-exploratório. Já um estudo com as baleias jubartes na região sudoeste do Oceano Atlântico, na costa brasileira, também comparando com os períodos pré-exploratório e o atual, mostra uma diferença de mais de 20 mil indivíduos. O maior animal que já existiu na terra, a baleia-azul, chegou a ter uma população global de cerca de 150 mil indivíduos no início do século XX, hoje, a população desse animal é estimada em cerca de apenas 15 mil indivíduos.

Grandes mamíferos tendem a ter ciclos de amadurecimento e reprodução mais demorado e a sua gestação gera poucos filhotes. As baleias, em sua maioria, geram apenas um filhote por ciclo reprodutivo. Agora vamos aos cálculos: uma baleia-azul que tem um filhote por geração, sendo que esse filhote pode demorar até 10 anos para começar a se reproduzir, matar qualquer indivíduo desta espécie vai gerar um déficit que demora a ser reposto, imagine este quadro diante de um processo de pesca em escala industrial, com morte de milhares de animais por dia. Essa escala de mortandade ocorreu em todo mundo, e por se caracterizarem como animais migradores, a exploração que acontecia em outro país também afetava o Brasil, e vice-versa. Os oceanos não são caixas compartimentadas, mas, sim, enormes complexos interligados formando na verdade um só grande oceano.

O petróleo salvou as baleias?

Com a chegada do século XX, algumas questões começaram a mudar. Com esse extermínio, as populações de baleias diminuíram drasticamente, o que forçou o surgimento de novas tecnologias e os pescadores se especializaram para o atendimento de mercados específicos. Chegaram, inclusive, a realizar rodízio de espécies caçadas, para evitar a extinção do seu próprio produto. Com tudo isso começando a afetar a produção, alguns países começaram adotar estratégias para preservação desses animais.

Em 1946, foi criada a Comissão Internacional das Baleias, da qual o Brasil faz parte. Essa comissão buscava a regulamentação da caça às baleias, para evitar extinções e para fomentar o estoque baleeiro. Entre as regras, estava o estabelecimento de um limite no número de abates, proibição de caça a baleias fêmeas e filhotes, entre outras questões. Mesmo com a criação da Comissão, a pesca ilegal continuou em muitas partes do planeta. Porém, para a ''sorte'' das baleias, o século XX ficou marcado pelo início da grande exploração global do petróleo. Os produtos originados do petróleo substituíram os produtos originados das baleias, como o próprio óleo, que era o material mais visado. Mesmo com essa diminuição da caça, o estrago nas populações dos cetáceos já estava feito.

A década de 1980 foi a mais importante na preservação desses animais. A pressão popular em cima desse tema aumentou, músicas como ''As Baleias'' interpretada por Roberto Carlos difundiu ainda mais o tema entre a população. Até que em 1987, a Lei dos Cetáceos (Lei Nº 7.643, De 18 Dezembro de 1987) entrou em vigor. Esta lei ''Proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências.'' A exploração do petróleo e as novas regras que começaram a se difundir entre diversos países fizeram com que a caça desses animais caísse drasticamente. A supressão que aconteceu durante todo esse tempo ainda reflete nas populações de cetáceos atualmente, e mesmo com a melhora nas populações desses animais neste momento, eles ainda sofrem com outros problemas ambientais, como o aquecimento global, lixo nos oceanos e colisões com embarcações, além de que a caça ainda não foi completamente erradicada: ela ainda acontece de forma legal em países como Japão e Noruega, e clandestina em águas fora da jurisdição de países que fiscalizam a caça.

A situação atual dos cetáceos no Brasil mostra uma acentuada melhora nas populações que ocorrem no nosso litoral, mas a grande maioria das espécies estão na lista de espécies ameaçadas de extinção. Existem diferentes graus de ameaça, e isso varia de espécie para espécie.

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Classificações de espécies ameaçadas segundo o ICMBIO.
Imagem: Reprodução

Das espécies citadas no texto, a baleia-azul apresenta o pior grau de ameaça, classificada pelo ICMBIO como "Criticamente Em Perigo (CR)", o último estágio antes de ser classificada como "Extinta na Natureza".

Já a baleia-franca aparece classificada como "Em Perigo (EN)" e a baleia-jubarte aparece como "Quase Ameaçada (NT)", porém essas classificações podem mudar quando analisamos em escala reduzida, como por exemplo, no estado do Rio Grande do Sul, a baleia-jubarte está classificada como "Em Perigo (EN)". Apesar de todo o esforço nos últimos 40 anos e com resultados positivos de melhora nas populações, os reflexos da caça desenfreada desses animais ainda reflete e ameaça a existência desses animais maravilhosos.

Haverá futuro?

O ano de 2022 tem batido recordes de avistamentos de cetáceos na costa brasileira, e isso é fruto de um trabalho que começou lá na década de 1980. O futuro é desafiador: a caça industrial acabou em grande parte do mundo, mas agora os desafios para a preservação são outros. O petróleo, 'salvador' das baleias no século passado, hoje se transforma em 'vilão', pois sua queima é um dos principais motivos do aquecimento global. A poluição sonora nos oceanos, que aumenta a cada ano, dificulta a comunicação entre os animais. As redes de pesca matam esses animais afogados. Barcos atropelam e os matam.

Que mudanças significativas sejam feitas para que nossos filhos e netos possam falar o que nós podemos falar, ''eu vivo na mesma época em que o maior animal que já existiu na terra! ''

Referências:

Romero, M.A., Coscarella, M.A., Adams, G.D. et al. Historical reconstruction of the population dynamics of southern right whales in the southwestern Atlantic Ocean. Sci Rep 12, 3324 (2022).

Effective population size and the genetic consequences of commercial whaling on the humpback whales (Megaptera novaeangliae) from Southwestern Atlantic Ocean - Ana Lúcia Cypriano Souza, Tiago Ferraz da Silva; Márcia H. Engel and Sandro L. Bonatto