O que é 'discurso de ódio', termo usado na Argentina para ataque a Kirchner
Na noite de ontem (1), a vice-presidente da Argentina Cristina Kirchner sofreu uma tentativa de assassinato ao chegar em casa, em Buenos Aires. Até agora, o que se sabe é que o suspeito é brasileiro, tem 35 anos e vive no país desde 1990.
Alberto Fernández, presidente da Argentina, convocou atos em solidariedade e decretou feriado nacional. Durante pronunciamento ontem, o político afirmou que, para ele, o ataque foi uma consequência do "discurso de ódio que está dividindo os argentinos", e que isso fere diretamente a democracia.
Mas, afinal, o que é discurso de ódio?
Discurso de ódio é toda fala ou postagem que ataca negativamente a reputação de grupos, geralmente os mais vulnerabilizados, como explica o pesquisador João Pedro Favaretto Salvador.
"É um discurso que diz que certos grupos fizeram alguma coisa ou que são problemáticos por alguma razão, com o objetivo de fazer com que eles sejam tratados de forma diferente, sejam privados de recursos ou de oportunidades, sejam discriminados e até alvos de atos violentos", completa.
Ele conta que é possível dizer que existem três aspectos principais que denotam o discurso de ódio. O primeiro é justamente expressar essa avaliação negativa sobre um grupo ou uma pessoa que faça parte desse grupo. O segundo ponto é para quem esse discurso é direcionado. "É sempre um grupo vulnerável, com uma reputação social vulnerável e que são facilmente desacreditados."
Já o terceiro diz respeito à intenção desse tipo de fala, que tem o intuito claro de criar situações de discriminação e violência em relação a essas pessoas.
"O ponto aqui é que o discurso de ódio tenta promover o ódio contra o grupo, mudar a opinião pública contra ele, sempre para pior. E, às vezes, não é necessário um insulto ou incitação direta, pode ser também a negação de um fato histórico - é você falar que o Holocausto não aconteceu, por exemplo", diz.
Liberdade de expressão justifica o discurso de ódio?
Boa parte dos discursos de ódio nos dias atuais tem sido justificada pela liberdade de expressão, que é um direito constitucional de qualquer cidadão ou cidadã brasileira. Na Constituição está lá: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".
O mesmo diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras."
Só que existem outros artigos nos dois documentos que também garantem a liberdade de cada um exercer sua religião, ou que nenhum ser humano deve ser discriminado pela cor da pele, por exemplo. Na prática, isso significa que certos discursos e ações não podem ferir esses outros direitos.
"Tem até um um slogan importante que diz: liberdade de expressão não significa liberdade de ódio. A pessoa pode até odiar, mas não pode expressar esse ódio. No momento em que ela expressa o ódio, ela está assumindo uma responsabilidade inclusive legal de responder por isso, porque nós temos uma Constituição que diz que todos somos iguais perante a Lei", diz Jaqueline.
Como combater o discurso de ódio?
Apesar de não existir algum tipo de lei específica que fale sobre o discurso de ódio, como explica João Pedro, a nossa legislação já proíbe algumas dessas expressões e ações contra certos grupos. É o caso do crime de racismo, que em 2019 passou a enquadrar a homofobia e a transfobia.
"Também temos a injúria discriminatória, que é fundada em motivação de raça, etnia, cor, deficiência, idade, e proibições específicas ao discurso nazista e ao uso da suástica. E há o crime de incitação ao genocídio, só que esse é menos usado", explica.
"Só a educação pode mudar essa, vamos dizer, confusão de quem não consegue ver a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio, mas ela leva tempo. A curto prazo tem que se aplicar a Lei. Tem que haver justiça. E não pode haver mais impunidade para os discursos que levam a mortes e ao não acesso aos direitos de boa parte da população."
Jaqueline Gomes de Jesus, psicóloga e cientista social
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