Poluição pode virar crédito: Mercado movimenta US$ 25 milhões só no Brasil
Na corrida contra o aquecimento global, não basta apenas reduzir a emissão de CO2, o dióxido de carbono, poluente considerado o vilão do efeito estufa. É preciso, também, compensar a emissão desse gás na atmosfera. Hoje, colocar em prática esse esforço tem contribuído com o clima e, ao mesmo tempo, alimentado um mercado global bilionário, o de créditos de carbono. Somente no ano passado, esse mercado gerou US$ 1 bilhão em transações pelo mundo, valor quatro vezes superior ao registrado em 2020. No Brasil, o montante alcançou os US$ 25 milhões, segundo estudo da consultoria McKinsey.
Esses valores são obtidos por meio da negociação de créditos de carbono, uma representação, em toneladas, de poluentes capturados na atmosfera ou que deixaram de ser emitidos. Ocorre, então, um intercâmbio entre empresas que calculam sua emissão e precisam compensá-la, a fim de cumprir compromissos de neutralização de carbono, e empresas que geram créditos por meio de projetos ambientais ou fazem o intermédio dessa compra, observa o professor Rubens Ifraim, dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Uma tonelada de CO2 passa a ser o equivalente a um crédito de carbono. "Se a empresa y produz cinco toneladas de carbono em suas atividades, para compensar essas emissões, precisaria comprar cinco créditos de carbono. Assim, ela busca uma relação de empresas confiáveis com projetos na área para criar uma parceria", exemplifica Ifraim. Cada crédito custa em torno de US$ 10. Há 10 anos, esse valor era cerca de US$ 3, acrescenta o professor.
O conceito começou a ser discutido mundialmente em 1997, com a assinatura do protocolo de Kyoto, durante convenção da Organização Nações Unidas, no Japão. Hoje, na prática, esse mercado tem se dividido em dois —o regulado e o voluntário. No mercado regulado, há regras estabelecidas pelo governo de cada país onde as transações são operadas, incluindo a possibilidade de empresas que poluem mais terem de destinar quantias maiores para compensar suas emissões.
Já no mercado voluntário a negociação ocorre independentemente de regulações internas nos países, podendo envolver empresas de diferentes partes do mundo. Todos os créditos ofertados são certificados e auditados, conforme o modelo do mercado vigente.
Projetos ajudam a manter floresta em pé
Embora o Brasil ainda não conte com um mercado regulado, a transação de créditos de carbono tem pautado investimentos em iniciativas atreladas, na maioria dos casos, à redução de desmatamento e degradação ambiental (REDD) e ao reflorestamento. As empresas que comercializam esses créditos são responsáveis desde o desenho do projeto ambiental à certificação e auditoria junto a propriedades rurais.
A Carbonext, por exemplo, atua em cerca de 2 milhões de hectares na região da Amazônia. Somente no primeiro semestre deste ano, já foram vendidos mais de 2 milhões de créditos de carbono. Para o segundo semestre, a previsão é de geração de mais 8 milhões de créditos.
Segundo o diretor de operações da empresa, Felipe Lima, o investimento das companhias interessadas ocorre de acordo com a demanda de cada uma. Há aquelas que preferem adquirir um volume de créditos mensalmente, por exemplo. Já outras adotam a estratégia de embarcar a compensação das emissões em produtos oferecidos ao consumidor final. É o caso de uma rede de joias que lançou recentemente uma coleção de relógios com neutralização das emissões de carbono. "Há quatro anos, esse mercado era pequeno. Hoje somos quase que reativos. As companhias querem entender cada vez mais como atuar nesse cenário", observa Lima.
Na WayCarbon, os projetos florestais também representam frentes com alta demanda junto à carteira de clientes. E as perspectivas são boas: um estudo divulgado recentemente pela empresa mostrou que o país pode alcançar até US$ 100 bilhões em receitas oriundas de créditos de carbono.
"É pelo grande potencial do Brasil de gerar créditos em escala e baixo custo, por meio de soluções baseadas na natureza, que nosso país é atualmente o foco das empresas desse mercado", analisa Daniel Nogueira, gerente de negócios de carbono da WayCarbon. Desde o ano passado, a empresa já comercializou 7,5 milhões de toneladas de CO2.
Compensação com energia renovável
Mas nem só de créditos florestais vive o mercado de carbono. Há as empresas que mesclam esses projetos com iniciativas de geração de energia renovável, caso da Future Carbon, nascida neste ano. Além de 22 projetos REDD, a empresa apresenta 18 projetos voltados à energia eólica e solar, com potencial para compensação de aproximadamente 70 milhões de toneladas de carbono.
Segundo a CEO, Marina Cançado, a meta da empresa é transformar o modelo artesanal do mercado que vigora em um modelo bem estruturado, escalonável e intensivo em capital. Por enquanto, a Future Carbon já negociou 17 milhões de toneladas de CO2.
A Orizon, por sua vez, gera crédito de carbono por meio de usinas que tratam resíduos sólidos, sobretudo os urbanos. A empresa obteve certificação junto ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), da ONU, em 2004, e desde então emite créditos através do trabalho em 12 ecoparques, distribuídos por sete estados brasileiros.
"Quando dispomos os resíduos, os aterramos e eles passam por um processo de decomposição. Uma série de gases são emitidos, majoritariamente compostos por metano. Capturamos esses gases e os transformamos em energia renovável. É esse processo, de deixar de emitir um gás extremamente poluente, que nos permite emitir crédito de carbono", explica a gerente de sustentabilidade da Orizon, Mariana Rico.
Apesar de o crédito gerado nas usinas ter um preço menor no mercado —entre US$ 5 e US$ 7, ela defende que a compensação proposta é tão valiosa para a sociedade quanto a oriunda de créditos de preservação florestal. "Transformamos algo que seria simplesmente aterrado e agregamos valor a isso", diz. No ano passado, a empresa emitiu 1,6 milhão de toneladas de carbono.
Poupança verde
Na climatech Moss, além do desenvolvimento de projetos, custódia e transação de créditos de carbono junto a empresas e pessoas físicas, a empresa criou tokens para permitir a negociação desses ativos em bolsas de criptomoedas. "A pessoa pode comprar o token e o segurar, como se fosse uma poupança verde, ou usá-lo para a compensação, dando baixa no crédito de carbono", explica o CEO e fundador da Moss, Luís Adaime.
A empresa também investiu na criação de um sistema, o Moss Forest, que reúne dados de diversas bases governamentais para analisar áreas voltadas a projetos florestais. O objetivo é verificar a qualidade fundiária das terras e monitorar, em tempo real, a conservação desses espaços.
Hoje, o faturamento da Moss com créditos de carbono ultrapassa R$ 100 milhões ao ano.
Benefícios adicionais para a sociedade
Envolvida com iniciativas de carbono neutro há 15 anos, a Natura tem empregado a própria cadeia produtiva na geração de créditos. As ações começaram com o projeto Carbono Circular, que remunera famílias de pequenos agricultores não só pela compra de insumos para produtos da companhia, mas também por serviços de preservação de florestas.
O projeto ocorre por meio de uma parceria entre a Natura e a Cooperativa de Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (Reca), na Amazônia. "A taxa média de desmatamento na região do projeto é um quinto menor do que nas propriedades no entorno", comenta a diretora global de sustentabilidade da Natura, Denise Hills. Segundo ela, além da preservação ambiental, o projeto gerou R$ 113,8 milhões em benefícios para as comunidades parceiras.
A Compromisso com o Clima, plataforma lançada em parceria com o Itaú e o Instituto Ekos Social, é outra estratégia que tem contribuído, desde 2017, com a captação de projetos para neutralizar emissões no mercado voluntário. Por meio da abertura de editais, a ferramenta conecta grandes empresas que medem anualmente suas emissões a soluções para compensação de CO2. "Nesses projetos, olhamos o preço por tonelada, mas também a adicionalidades ambientais e sociais, como fixação de renda e empreendedorismo feminino", assinala Denise.
Somente a Natura investe em 43 projetos para geração de crédito de carbono, oriundos dessa plataforma. Trinta e seis deles estão no Brasil e os demais em países da América Latina. Esses projetos já ajudaram a conservar mais de 21 mil hectares de florestas e reflorestamento, beneficiando 15 mil famílias e gerando 1,8 bilhão de valores em serviços ambientais, sociais e comunitários.
Responsabilidade mais ampla
A construtora MRV, uma das empresas apoiadoras da plataforma, atua hoje com 10 parceiras para geração de créditos de carbono. Segundo o gestor executivo de Relações Institucionais e Sustentabilidade da MRV, José Luiz Esteves da Fonseca, esse tipo de investimento, no entanto, não deve ser o único esforço para neutralizar as emissões de carbono empresariais. "Seria muito fácil chegar e comprar créditos para compensar todos os escopos, mas é uma responsabilidade mais ampla", salienta.
Desde 2015, a empresa busca formas de reduzir os gases emitidos em diferentes escopos. Isso inclui, por exemplo, a diminuição de resíduos gerados nos canteiros de obras, a otimização de viagens aéreas e o uso de energia fotovoltaica em empreendimentos entregues.
Nos últimos seis anos, a empresa compensou 84 mil toneladas de CO2 por meio da compra de créditos. Em 2021, o investimento no setor foi de US$ 35,7 mil.
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