Nátaly Neri: 'Ter comida e terra é tão urgente quanto falar de democracia'
Nátaly Neri não gosta de ser uma inspiração. Não gosta desse rótulo. Na verdade, essa relação de amor (e muitas vezes ódio) que as pessoas criam com certos temas a incomoda. "Por que as pessoas acham lindo ser vegano, por exemplo? Não faz sentido achar beleza nisso, não se trata de uma virtude, é um posicionamento político", diz.
A cientista social e influenciadora usa as redes sociais para esse e outros desabafos, conselhos e para trazer informações sobre pautas sociais e ambientais. Em seu canal no YouTube, ela coleciona vídeos falando sobre estes assuntos. Usa sua influência para levar o que acha importante para cada vez mais gente.
"Eu acho que mais do que nunca a gente vive em um momento em que ação individual está sendo exposta nas redes sociais e está tomando proporções gigantescas e se as pessoas viralizam muitas vezes por bobeiras, por que não viralizar de forma positiva?", reflete.
Em entrevista exclusiva a Ecoa, Nátaly ainda falou sobre as dificuldades que encontrou para se identificar com as pautas ambientais, saúde mental na internet e política. Bora conferir?!
Discursos racistas no movimento ambiental
Ecoa: Quando e como você começou a se relacionar com pautas ambientais?
Nátaly Neri: Primeiro vieram a sexualidade e a minha negritude porque para entender quem eu sou no mundo, tive que voltar meus olhos para como o mundo me percebe. Isso foi o que fez com que eu me interessasse por um discurso mais político.
E foi dentro desse processo que comecei a olhar para outras pautas. Só que eu achava que o discurso ambiental, a sustentabilidade, o veganismo, eram pautas externas, fora de mim, distantes. O que hoje entendo que não. Falar sobre ambientalismo é também falar sobre coisas que estão dentro da gente e fora ao mesmo tempo.
Mas olhava para essa pauta com distanciamento porque achava que o movimento ambientalista alimentava discursos racistas. Eu conheci um ambientalismo muito branco, que utilizava fotos de pessoas escravizadas para comparar dores e para sensibilizar as pessoas para aquela causa, não entendendo a violência que é utilizar essas imagens. Então, meu primeiro movimento foi odiar muito as pautas ambientais porque, para mim, elas eram opostas às lutas que existiam dentro de mim.
Foi um processo que exigiu muito estudo e só quando eu encontrei pessoas negras e pessoas LGBTs dentro desses movimentos que eu consegui entender que existia uma abordagem que não tentava destruir as individualidades em prol da luta ambiental ou animal. Entendi que dava para equilibrar, somar e equalizar todas essas dores e lutas nos mesmos lugares.
"A destruição de terras indígenas e quilombolas, a falta de demarcação de terras de indígenas ou a falta de titulação de terras quilombolas é luta ambiental também e é Direitos Humanos ao mesmo tempo."
Nátaly Neri
'Nem todo mundo precisa ser vegano'
Ecoa: Então você acha que a gente pode estabelecer uma relação entre as pautas sociais e ambientais?
Nátaly Neri: Com certeza, as pautas ambientais são sociais. Acho que a gente poderia falar mais sobre a relação entre pautas ambientais e identitárias. Se eu, enquanto uma mulher negra, desejo acesso a melhores condições de vida e saúde preciso de acesso a alimento, aí preciso de uma agricultura familiar fortalecida para que mais alimentos possam ser produzidos com mais qualidade e para que eu possa pagar menos e ter acesso a menos pesticidas, por exemplo.
Quando penso nas demandas da população negra, vejo que elas estão diretamente ligadas às demandas do campo, da proteção ambiental, das populações quilombolas e indígenas. Os maiores prejudicados nos momentos de crises ambientais são as minorias sociais.
Ecoa: Nas suas redes você mostra sua alimentação vegana, o uso de cosméticos veganos, o consumo consciente... Para você, qual o papel dessas mudanças individuais?
Nátaly Neri: A ação individual elegeu um presidente absolutamente absurdo e violento, o que impactou a vida de milhões de brasileiros. E se isso é válido para criar impactos negativos, também é válido para criar impactos positivos.
Acredito que a ação do indivíduo nas discussões ambientais está na construção educativa de uma nova visão. Então, para mim, apenas a escolha de uma forma de vida mais consciente não muda nada, mas contribui na construção de uma nova narrativa que é fundamental para uma transformação real.
Isso não significa que todo mundo tenha que ser vegano, não acredito nisso, mas acredito que esse é um mecanismo fundamental para que as pessoas consigam existir de forma mais respeitosa consigo mesmas e com o meio ambiente.
Todas as vezes que eu falo sobre veganismo, por exemplo, é um convite a novas reflexões, o discurso nunca pode ser culpabilizador. E existem, sim, muitas pessoas que colaboram para o movimento vegano e ambientalista sem serem veganas. Mas se para você, como para mim, vale transformar sua realidade individual para que você olhe para o seu prato todos os dias e saiba que o pessoal é político, então, por favor, venha para o veganismo.
"Ao fazer todos os dias escolhas conscientes e ativas sobre o que eu coloco no meu prato, no meu corpo e no meu guarda-roupa, sabendo que eu também reitero e atualizo práticas que eu acredite (ou não) ao fazer isso, me reeduco, me lembro dos movimentos necessários e educo aqueles que também me veem."
Nátaly Neri
Ecoa: Como é falar de pautas ambientais quando, no cenário em que estamos, as pessoas acham que é mais importante falar sobre outros assuntos?
Nátaly Neri: É uma confusão comum acreditar que pautas ambientais sejam menos urgentes. Falar sobre ambientalismo, acesso à comida, à terra é tão urgente quanto a própria discussão de democracia, de qualidade de vida, de saúde, educação e proteção de minorias sociais.
A ideia de que existimos para além das questões animais e ambientais é errada, porque na base da opressão do branco contra o preto, do homem contra a mulher, do garimpeiro e do latifundiário contra o indígena e o quilombola, do ser humano contra os animais está o mesmo desejo de destruição, de provar a superioridade de um em detrimento da vida e morte do outro.
Ecoa: Como você acredita que os ativistas ambientais podem comunicar para as pessoas suas pautas?
Nátaly Neri: Acredito na aproximação, acredito na troca de experiências genuínas e na compreensão de quem é você na "era da identidade". Quem se identifica com você? Quais eram os seus próprios medos e preconceitos quando começou a pensar criticamente sobre os assuntos que hoje defende? Você consegue entender quem discorda? Consegue enxergar os incômodos, as expectativas? Acho que saber responder essas perguntas é um ótimo começo para comunicação ser mais efetiva.
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