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Reciclar xixi? Com guerra na Ucrânia, urina vira alternativa a fertilizante

Fertilizante sendo aplicado na terra por trator - Getty Images/iStockphoto
Fertilizante sendo aplicado na terra por trator Imagem: Getty Images/iStockphoto

Maiara Marinho

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

11/09/2022 06h00

Você já ouviu em falar em peecycling? Bastante difundida em pesquisas científicas, a prática consiste na reciclagem da urina por meio da coleta, transporte e aplicação em plantas, podendo também ser utilizada na agricultura.

Mas, afinal, reciclar o xixi é válido para ajudar o meio ambiente? Muitas pesquisas têm apontado benefícios que vão desde o uso da urina como fertilizante natural até o seu papel na despoluição de rios. Mas é preciso ter cuidados, por exemplo, ao separar o xixi, já que o seu contato com as fezes pode contribuir para disseminar doenças. Além disso, o uso para regar as plantas deve ser adequado ao tamanho dos vegetais.

Como mostra reportagem do UOL, a dificuldade de acesso a fertilizantes e o aumento das taxas de exportação, provocados pela guerra na Ucrânia, têm levado a uma maior demanda por pesquisa e inserção do uso da urina humana como fertilizante natural em plantações, prática que tem despertado a atenção de países como China, França e Uganda.

Usar a urina como fertilizante?

A urina humana possui cerca de 80 a 85% de nitrogênio e 66% de fósforo, principais nutrientes para fertilização do solo. Por isso, ela pode ser utilizada para rega e adubação de plantas, em grandes hortas ou nos vasos de plantas caseiras, e em quantidades que variam de acordo com o tamanho da planta. Os níveis de diluição recomendados estão entre 1 litro de água para 1 litro de urina, 10 para 1 e 3 para 1.

A prática pode ser utilizada em plantas domésticas de pequeno e médio porte, por isso é importante ter cuidado com a quantidade de urina aplicada, já que, no caso de plantas menores, deve ser utilizado menos urina. Grandes quantidades concentradas podem, por sua vez, queimar a raiz da planta — por isso, ela deve ser diluída na água.

"Os adultos produzem entre 100 e 150 galões de urina por ano. Usado para fertilizar grãos, isso é suficiente para cultivar trigo para fazer um pão todos os dias do ano", informa o Rich Earth Institute, organização estadunidense especializada em fertilizantes de urina. Além de desenvolver e divulgar pesquisas, o instituto conta com a participação da população do pequeno município de Brattleboro, que, com o uso de um galão e um funil acoplado, recolhe a urina doada por moradores para desenvolver pesquisas e aprimorar práticas.

Economia de água e despoluição de rios

Segundo pesquisas do Rich Earth Institute, vasos sanitários capacitados para separar a urina podem economizar até 80% de água em comparação aos convencionais, que contribuem para poluir os rios. Nos vasos do tipo convencional, após a descarga, a urina é descartada nos poços de esgoto, onde a água passa para retornar à nossa casa pelas torneiras. Isso acarreta, primeiro, no desperdício dos nutrientes fertilizantes da urina, que acabam não sendo utilizados para nenhum fim, assim como num meio de poluição por nutrientes, já que as substâncias da urina estimulam o crescimento de algas marinhas.

Fertilizantes químicos são responsáveis por aproximadamente 10% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor agropecuário, segundo o Observatório do Clima. Em 2020, foram 5,3 milhões de toneladas de emissão de óxido nitroso (N2O), um gás cerca de 300 vezes mais nocivo do que o CO2, com um aumento de 20% em relação a 2019. A fertilização natural, portanto, gera impactos ambientais positivos, com redução de gases de efeito estufa.

Pesquisas ainda estão sendo desenvolvidas

A utilização da urina como fertilizante natural ainda não está consolidada, por esse motivo não existem regulações para o uso desse sistema, embora os estudos nesse campo já estejam bastante avançados. Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisadores da Universidade de Michigan têm buscado entender as condições de solo e possibilidades de proliferação de bactérias a partir da técnica.

Um artigo publicado em uma revista da American Chemical Society (Sociedade Americana de Química), em 2020, defende que o armazenamento da urina contribui para que o seu DNA perca a capacidade de transformar as bactérias quando em contato com o solo, o que causaria problemas ambientais e à saúde humana. No entanto, a pesquisa foi realizada apenas com um tipo de bactéria.

"Estamos apenas tentando descobrir, com esse sistema de infraestrutura que temos, como podemos recuar e pensar de maneira diferente sobre o que entra nesse sistema de esgoto e capturar alguns desses produtos valiosos antes que (eles) sejam misturados e diluídos com todo o resto", relatou Krista Wigginton, coautora da pesquisa, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

Cuidados para não disseminar doenças

Entre as principais preocupações de pesquisadores e institutos especializados no tema, o cuidado com a separação da urina é um dos mais importantes, pois, ao entrar em contato com fezes, o que seria uma forma de adubação orgânica, ela pode se tornar um vetor de doenças contagiosas.

Vaso separador pode economizar até 80% de água - Reprodução - Reprodução
Vaso separador pode economizar até 80% de água
Imagem: Reprodução

Para solucionar o problema, tanto o Rich Earth Institute quanto a empresa alemã Kildwick desenvolveram vasos separadores. Com um mecanismo simples, a urina e as fezes são armazenadas separadamente, o que facilita a coleta e o armazenamento para utilizar a urina como fertilizante natural. Esses equipamentos, no entanto, ainda são pouco conhecidos do nosso cotidiano.

Recomendações da OMS

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, para usos da urina como fertilizante natural, que ela seja armazenada, inclusive para usos nas plantas e hortas domésticas. A recomendação é de um mês para pequenas plantações e seis meses para as de grande extensão. É importante estar atento às temperaturas, pois elas variam ao decorrer das estações climáticas. Todas essas técnicas são bastante específicas e exigem conhecimento e equipamentos adequados para manejo correto.