Animal silvestre como pet: Quais os riscos de ter um desses bichos em casa?
Há cerca de 20 mil anos, o homem percebeu que ter um lobo ao seu lado o ajudaria na sua própria sobrevivência. Há cerca de 10 mil anos, o homem percebeu que ter felinos na sua casa ajudaria no controle de pragas domésticas.
Se antes os processos de domesticação de animais tinham um sentido e uma utilidade, hoje, animais como macacos, cobras e diversos outros animais silvestres são criados como pets apenas para ostentação, ainda mais com as redes sociais em alta.
A ideia de possuir animais selvagens como pets não é nova. O famoso pintor Salvador Dalí passeava com "seu" tamanduá-bandeira, animal nativo das Américas, pelas ruas de Paris. O artista também posava para fotos com "sua" jaguatirica, felino também nativo do continente americano.
Ter animais fora do seu local natural pode acarretar em problemas ambientais sérios, e foi o que aconteceu com a píton birmanesa, uma das maiores serpentes do mundo e nativa de partes da Ásia.
Assim como a maioria dos animais selvagens, cuidar de uma serpente que passa dos três metros de comprimento não é fácil. Muitas vezes, assim que esses animais crescem, as pessoas os abandonam de forma deliberada na natureza.
A píton hoje destrói a fauna dos Everglades, nos Estados Unidos, tudo isso causado por pessoas que as tinham como pets. Mamíferos, aves e até os famosos alligators estão nos cardápios das cobras que tomaram conta desta parte do país norte-americano.
No início de 2022, uma serpente dessa espécie foi encontrada por bombeiros em Brasília, possivelmente de alguém que criava esse animal de forma ilegal e resolveu soltar quando não conseguiu mais cuidar.
Os bombeiros capturaram a cobra, porém a identificaram erroneamente como sendo uma espécie nativa e a soltaram em uma área de mata na cidade. Depois da divulgação dos vídeos da soltura, biólogos informaram aos bombeiros que se tratava de uma píton birmanesa. No outro dia, os bombeiros voltaram para tentar encontrar a serpente, e felizmente conseguiram. Mas esse caso nos mostra que esses animais estão por aqui, e acidentes podem acontecer uma hora ou outra.
É possível adquirir algumas espécies de animais silvestres de forma legal no Brasil. Existe um mercado de venda de serpentes, por exemplo. Porém, esse embate entra em outra questão: muitas das vezes é caro tanto para ter o animal quanto para manter. Com altos preços e o tráfico de animais, muitas pessoas acabam adquirindo esses animais de forma ilegal.
O Brasil é o país detentor da maior biodiversidade do planeta, logo, se torna um dos locais mais visados pelos traficantes. O mercado ilegal de animais no Brasil movimenta mais de R$ 3 bilhões e retira mais de 38 milhões de animais da natureza todo ano!
Esse é um mercado tão lucrativo, que fica atrás apenas dos números do tráfico de armas e drogas. Entre os animais mais traficados no país, as aves são as que mais sofrem com o mercado ilegal. A ararinha-azul, animal que acabou de ser reintroduzido na Caatinga, depois de ficar mais de 20 anos existindo apenas em cativeiro, teve sua extinção na natureza decretada principalmente por conta tráfico e o desejo das pessoas de ter essa espécie encarcerada dentro de uma gaiola em casa.
Outro grupo de animais que são muito traficados são os primatas. A região sudeste do Brasil hoje sofre com a invasão do sagui-do-tufo-preto (Calitrix penicilata), nativo do Cerrado, além do sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), animal nativo da região nordeste. Esses animais chegaram na região justamente por meio deste mercado, por volta da década de 1980, com pessoas que queriam ter essas espécies como pet.
E qual o problema? Bom, além do crime de adquirir esse animal de forma ilegal, cuidar de um primata não é nada fácil. E foi isso que as pessoas que compraram perceberam e, desta forma, acabaram soltando esse animal na natureza.
Hoje, essas duas espécies invasoras na região ameaçam a existência de espécies nativas, como o sagui-caveirinha (Callithrix aurita), e até mesmo o mico-leão-dourado, no estado do Rio de Janeiro.
Além da competição por território e alimentos, esses animais podem inclusive hibridizar com outras espécies, inclusive com o sagui-caveirinha, o que pode acarretar problemas nas futuras populações dessa espécie que se encontra ameaçada de extinção.
O mico-leão-dourado chegou a ter uma população de cerca de 200 indivíduos na natureza na década de 1980, e um dos principais motivos disso foi o tráfico. O mico segue sendo traficado, mas graças aos projetos de conservação da espécie, hoje o número de indivíduos na natureza está próximo de 3 mil indivíduos.
Além de toda a questão ambiental que é manter um macaco em casa e todo o risco de desastre ambiental, ter um primata em casa entra também no discurso moral. Macacos são em sua grande maioria animais sociais, vivem em grupos, percorrem grandes distâncias todos os dias.
Aprisionar um animal desses em casa limita sua socialização com outros animais, modifica sua dieta, além de que, mesmo quando são resgatados do tráfico, sua reintrodução na natureza é uma das mais complicadas que existem.
O mercado ilegal de primatas causa desastres ambientais, extingue espécies e pior: transforma o bicho traficado em um eterno prisioneiro, seja na sua casa como resgatado.
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As redes sociais hoje são enormes propagandas para a tentativa de ''domesticação' de animais silvestres. Conteúdos são postados praticamente sem fiscalização, denúncias raramente funcionam. Este conteúdo engana a pessoa que acha que cuidar de uma cobra ou um macaco é a mesma coisa que cuidar de um cachorro ou gato.
Como alertam os especialistas que estudam sobre esses animais: lugar de animal silvestre é na natureza, não em casa, em uma gaiola ou acorrentado.
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