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Pessoas com deficiência fazem esportes radicais com ajuda de projeto de SP

ONG leva deficientes físicos e cognitivos para praticar esportes radicais - Yone Araujo/Divulgação
ONG leva deficientes físicos e cognitivos para praticar esportes radicais Imagem: Yone Araujo/Divulgação

Jr. Bellé

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

21/09/2022 06h00

A auxiliar de escritório Alessandra Paulo, 46, ainda lembra da adrenalina que sentiu quando desceu de rapel pela primeira vez. Encarou logo o maior do estado de São Paulo: são 1.140 metros de paredão da chamada Pedreira do Dib, ou rapel da Serra da Cantareira.

"Fazer a trilha foi um sonho realizado e bater de frente com o medo de altura foi muito bom. Sem contar a emoção de poder fazer o que sempre achei que era impossível", conta Alessandra.

"Impossível" não só por causa dos metros e mais metros do paredão, como também pela falta de pessoas como ela praticando a atividade. Alessandra é cadeirante, e até aquele momento, acreditava que a "deficiência e as limitações" seriam um empecilho. Ledo engano.

No ano passado, ela tomou coragem para enfrentar os medo. Em uma cadeira adaptada e com ajuda de outras pessoas, desceu os 1140 metros de rocha. E desde então não parou mais: foram quatro descidas em rapéis diferentes, duas trilhas e uma visita à Caverna do Diabo, que fica em Eldorado (SP). "Essa teve direito a trilha até a cachoeira, senti muita gratidão a Deus e à equipe por me proporcionar momentos assim", conta.

"O que ficou pra mim foi o sentimento de liberdade por conseguir realizar sonhos e superar meus limites. Depois dos eventos me sinto mais segura e confiante, e com a certeza de que tudo é possível."

Alessandra Paulo, auxiliar de escritório

A auxiliar de escritório Alessandra Paulo na cadeira adaptada durante a trilha do Núcleo do Cabuçu, na Serra da Cantareira, em São Paulo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A auxiliar de escritório Alessandra Paulo na cadeira adaptada durante a trilha do Núcleo do Cabuçu, na Serra da Cantareira, em São Paulo
Imagem: Arquivo Pessoal

A equipe a que Alessandra se refere é a de voluntários da organização Inclusão Radical (IR), que nasceu com o intuito de dar oportunidades a pessoas com deficiência de estar mais próximo da natureza por meio de esportes radicais.

A ideia veio de William de Andrade Bezerra, mais conhecido como Baruc, que não possuia deficiência física. Em 2018, o experiente montanhista detectou uma falha nas políticas de inclusão de pessoas com restrições de mobilidade quando planejou levar o amigo Edison da Silva, que não tinha movimento nas pernas, para subir um pico em Extrema (MG).

25 amigos foram chamados para a aventura, mas, inexperientes, carregaram uma cadeira de rodas tradicional num percurso de terra repleto de subidas. A tentativa fracassou, o grupo se dissolveu, mas não a determinação de Baruc, como contou a Ecoa Jorge Afonso dos Santos, 39, analista de sistemas e atual presidente da IR.

"Com os próprios recursos, Baruc adquiriu uma cadeira adaptada para trilhas, chamada Julietti, que era uma versão de uma cadeira francesa", conta. Mas a cadeira não aguentou, o eixo central entortou logo no início do caminho.

O grupo não se abateu e resolveu fazer a trilha mesmo assim. "Levamos o Edson na mão, sem o auxílio da roda central. Um trajeto de uma hora demorou quatro horas e meia. Lá em cima, o sentimento de superação foi tão grande que decidimos dar continuidade à ação e programar outras saídas", lembra Jorge.

Encomendaram, então, uma nova cadeira, mais resistente, e aos poucos foram ampliando a lista de atividades: trilhas em montanhas e cavernas, rapel, salto de paraquedas e outras.

Criaram também dois formulários, disponíveis no site e nas redes da IR: um para o cadastro de voluntários que possam ajudar nas saídas; e outro para PCDs que desejem ser contemplados.

O IR costuma fazer em torno de 60 atividades anuais, beneficiando não apenas os PCDs, como também familiares e amigos, que são convocados para ajudarem no dia da atividade.

"Além dessas pessoas, também impactamos diretamente os próprios voluntários, que nos ajudam como podem, carregando a cadeira, conversando ou de outras formas. Somos uma ONG que conta 100% com ajuda dos voluntários. Mesmo com condições financeiras bem limitadas, a gente consegue impactar muita gente", explica Jorge.

Equipe do IR conduz o primeiro cadeirante a atingir o topo do Pico da Gávea, Rio de Janeiro - Divulgação - Divulgação
Equipe da Inclusão Radical conduz o primeiro cadeirante a atingir o topo do Pico da Gávea, Rio de Janeiro
Imagem: Divulgação

Seguindo o legado do fundador

Na virada de 2021 para 2022, Baruc começou a sentir-se mal e foi diagnosticado com leucemia. "Foi uma batalha gigantesca, todos nós nos organizamos para doação de sangue, porém ao iniciar a quimioterapia ele adquiriu uma bactéria hospitalar e faleceu no dia 11 de abril deste ano, aos 35 anos. Com a morte do nosso fundador, sentimos a necessidade de honrar e continuar esse legado", conta Jorge.

Dar a oportunidade a pessoas com limitações físicas e cognitivas, proporcionando seu acesso ao esporte e à biodiversidade, é o legado ao qual Jorge se refere. Ele acredita que muitas famílias se tornam superprotetoras, o que é bastante compreensível. No entanto, o contato com a natureza amplia sua capacidade de superação e oferece novos horizontes aos familiares.

"Ao praticar esporte outdoor, a pessoa entende que é capaz de muita coisa, seja auxiliando outras como um voluntário, seja adquirindo uma nova perspectiva de vida como uma pessoa com deficiência. Mas não só eles, também os familiares, que acabam desenvolvendo uma válvula de escape, um fôlego de vida. Todos têm a oportunidade de conhecer novos mundos", opina.

E os planos da IR são ousados: eles querem escalar as mais importantes montanhas do Brasil e percorrer as trilhas mais conhecidas da América Latina.

"Desde o início fomos muito sonhadores. Muitas pessoas falaram que era uma loucura fazer uma trilha levando um cadeirante, mas não falavam como tornar isso possível. A gente não espera o poder público ou privado, a gente vai e executa. Não podemos esperar que as trilhas se tornem acessíveis,então nossos planos se resumem a tornar possível o que a sociedade dita como impossível".

Jorge Afonso dos Santos, atual presidente da IR.

Para ajudar a Inclusão Radical, acesse: https://inclusaoradical.com.br/queroapoiar/