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Estudantes de direita e esquerda se unem para sabatinar candidatos em SE

Escola estadual em Aracaju tem sabatinado candidatos ao governo do estado - Carol Jardim/UOL
Escola estadual em Aracaju tem sabatinado candidatos ao governo do estado Imagem: Carol Jardim/UOL

Thiago Leão

Colaboração para Ecoa, de Aracaju (SE)

22/09/2022 06h00

Era pouco mais de uma da tarde quando começou o movimento de estudantes na quadra de esportes do Colégio Atheneu, uma escola de Ensino Médio Integral (EMI), referência de ensino público em Aracaju (SE). As cadeiras distribuídas pela área interna rapidamente foram ocupadas por alunos e alunas que se acomodavam no aperto das arquibancadas.

A casa estava cheia, mas as cerca de 900 pessoas presentes não estavam lá para alguma competição esportiva: era dia de sabatina com um candidato ao governo do estado.

Desde junho, a atividade faz parte da rotina escolar graças ao projeto Atheneu Políticas Públicas, ou apenas Atheneu POP, coordenado pelo professor de sociologia Yuri Noberto para incentivar a formação política de estudantes do ensino médio da escola.

O primeiro sabatinado foi Fábio Mitidieri (PSD), em 23 de junho, seguido por Alessandro Vieira (PSDB), em 15 de julho. Com a volta às aulas após as férias escolares, os alunos retomam o planejamento das atividades e Rogério Carvalho (PT) será sabatinado em breve, fechando a tríade dos candidatos mais cotados nas pesquisas eleitorais — critério usados para escolha dos entrevistados.

E, assim como em debates e sabatinas em veículos de imprensa, o evento na escola contou com entrevistadores especiais responsáveis por tirar de cada candidato as propostas que tinham para cada área, fosse ela Educação, Meio Ambiente, entre outras: os próprios estudantes.

Em tempos de intenso acirramento entre as vertentes partidárias no Brasil, um dos objetivos do projeto é fazer com que essa deixe de ser uma arena de paixões desmedidas e passe a ser um campo de debate racional.

Dessa forma, argumentos, ideias e propostas para o bem comum da população sergipana e brasileira passaram a fazer parte da ordem do dia nos corredores da escola.

Cerca de 600 estudantes fizeram parte das sabatinas do Colégio Atheneu, em Aracaju (SE) - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
Cerca de 600 estudantes fizeram parte das sabatinas do Colégio Atheneu, em Aracaju (SE)
Imagem: Carol Jardim/UOL

O dia da sabatina

Poucas vezes se percebe, num ambiente escolar, um clima tão focado e atento quanto o que dominava o ar na quadra do colégio durante a sabatina. O clima na quadra era de extrema atenção. Nos olhos e ouvidos atentos da estudantada, era nítido o interesse por cada pergunta.

No dia em que a reportagem de Ecoa esteve na atividade, Alessandro Vieira (PSDB), sentado ao centro da área da sabatina, respondia aos questionamentos previamente feitos pelos alunos designados para cada área.

As perguntas foram bastante qualificadas, trazendo dados e mostrando que havia ali uma pesquisa prévia, conforme estimulado pela coordenação do projeto Atheneu POP.

O aluno do 2º ano André Felipe, por exemplo, trouxe dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para contextualizar sua pergunta sobre as propostas do candidato para melhorar o desempenho escolar e quis saber quais investimentos eram mais urgentes nessa área.

Para fazerem as perguntas, os alunos se dividiram em 'ministérios', cada grupo ficou responsável por um tema como Educação, Meio Ambiente, Saúde, entre outros - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
Para fazerem as perguntas, os alunos se dividiram em 'ministérios', cada grupo ficou responsável por um tema como Educação, Meio Ambiente, Saúde, entre outros
Imagem: Carol Jardim/UOL

O evento seguiu com perguntas e respostas em cada área da administração pública e, em seguida, foi a vez de perguntas diretas feitas pelo público presente, aberta a alunos, professores e convidados.

Nesse momento, inicialmente era levantada uma pauta específica de relevância pública ou de assunto de interesse da coletividade em que o candidato deveria responder se concordava ou discordava, levantando uma placa com os dizeres "Sim" e "Não".

Porte de armas, aborto, ampliação de direitos à comunidade LGBTQIAP+ estiveram entre os assuntos mais pautados.

Uma pauta específica de relevância pública era feita e o candidato deveria responder se concordava ou discordava, levantando placas com os dizeres "Sim" ou "Não". - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
Uma pauta específica de relevância pública era feita e o candidato deveria responder se concordava ou discordava, levantando placas com os dizeres "Sim" ou "Não".
Imagem: Carol Jardim/UOL

Mas essa foi só a quarta etapa do projeto. Uma caminhada foi traçada até chegar aqui. Começaram com o que chamaram de "POP Descomplica", uma etapa para aprender e tirar dúvidas sobre a Constituição Federal e direitos e deveres da população, bem como obrigações e funcionamento da estrutura do Estado brasileiro.

Em seguida, veio o "POP Debate", em que especialistas das mais diversas áreas deram palestras aos alunos sobre como cada política pública poderia e deveria ser implementada.

Foram discutidos temas como saúde, educação, segurança, moradia, transportes, infraestrutura e uma série de outras instâncias relevantes para a coletividade.

Os estudantes, por sua vez, se dividiram entre 'ministérios' para aprofundar as pesquisas sobre cada tema de forma mais focada. Ao todo, formaram os "Ministérios" da Saúde, Educação, Infraestrutura, Casa Civil, Justiça e Direitos Humanos.

A sabatina foi só mais uma das etapas do projeto, que começou com um evento para tirar dúvidas dos estudantes sobre a Constituição Federal e direitos e deveres da população, - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
A sabatina foi só mais uma das etapas do projeto, que começou com um evento para tirar dúvidas dos estudantes sobre a Constituição Federal e direitos e deveres da população,
Imagem: Carol Jardim/UOL

Ideia veio de ex-aluno

Toda essa dinâmica extraclasse foi possível graças ao regime de dedicação exclusiva em que os professores estão inseridos e em que os alunos ficam imersos no cotidiano.

Mas a ideia de criar o Atheneu POP veio do ex-aluno Alex Melo. Ele conta que após participar de experiências extracurriculares proporcionadas pela escola, ficou evidente que o interesse que ele tinha por saber mais sobre política se estendia a outros alunos.

Entre conversas e planejamentos adiados por conta da pandemia da covid-19, o retorno às atividades presenciais foi o momento perfeito para colocar em prática a ideia.

"Quando participei de uma atividade da escola, conversei com o professor Yuri Noberto que era preciso trazer a pauta de política para mais próximo da realidade dos estudantes. Todos tinham reclamações a fazer sobre transporte público, segurança, educação, etc", reflete ele, que atualmente é estudante de Engenharia da Computação na Universidade Federal de Sergipe.

A ideia do projeto veio de um ex-aluno e ganhou vida com a ajuda do professor de sociologia Yuri Noberto - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
A ideia do projeto veio de um ex-aluno e ganhou vida com a ajuda do professor de sociologia Yuri Noberto (ao centro)
Imagem: Carol Jardim/UOL

Com o ano eleitoral, o momento foi perfeito. E, de fato, o Atheneu POP também atraiu bastante a atenção dos alunos para conhecer mais sobre as políticas públicas.

"Nossa intenção não era explicar o que fazia um governador, senador ou deputado, mas convidar aqueles que são responsáveis pelas políticas públicas a ouvir e entender as demandas que surgiram dos alunos. Chamamos o Atheneu POP de um movimento pra popularizar a política", define Yuri Noberto, professor de sociologia e coordenador do projeto

"Escola é lugar de aprender, mas talvez a política seja a única coisa que não aprendemos formalmente nesse ambiente. A ideia é fazer com que o espaço escolar também seja um lugar para esse aprendizado, mas de outra maneira. Já que aqui é o lugar em que se pode conversar, pesquisar e tirar dúvidas, buscamos trazer um pouco dessa base de formação no melhor espaço para aprender política."

Yuri Noberto, professor de sociologia e coordenador do projeto

É de direita ou de esquerda?

O aprendizado no projeto fez com que fosse possível ampliar as possibilidades de diálogo na divergência. Uma das maiores lições deixadas pelo projeto até o momento é a convivência saudável com as diferenças.

"Eu só seguia uma linha de pensamento, de direita, agora abri o olhar para outros pontos de vista, projetos, opiniões, posso seguir minha linha de raciocínio", reflete André Felipe, da 2ª série, destacando ainda que aprendeu que política pública não é voltada só para a maioria, mas também para as minorias.

Os estudantes João Henrique e Laylla Rodrigues - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
Os estudantes João Henrique e Laylla Rodrigues
Imagem: Carol Jardim/UOL

Com uma visão divergente, Sofia Gois, do 3º ano, pontua que sempre se sentiu mais contemplada com pensamentos alinhados à esquerda no espectro político. Para ela, a oportunidade de aprofundar nos debates e nas pesquisas do Atheneu POP aguçou ainda mais essa percepção.

"Hoje me sinto mais tranquila para debater, mesmo na divergência com quem pensa diferente, com mais argumentos e sem perder o foco do assunto", avalia.

Diferente deles, no entanto, a aluna Laylla Rodrigues, da 2ª série, nunca quis se envolver com o assunto, mas acabou se especializando em Direitos Humanos para poder participar da sabatina.

"Sempre fui aquele tipo de pessoa que quando falava de política dizia 'não quero, não gosto e tchau'. Aos poucos, estou me desconstruindo, tendo noção de que minha voz pode fazer mudança na política e em todas as áreas em que eu me disponibilizar a querer mudar", reflete.

Em tempos de acirramento político intenso no país, descambando, muitas das vezes, em violência, é a juventude, mais uma vez, que dá o exemplo.

"Hoje consigo me posicionar melhor, mas com respeito. Os alunos agora podem dialogar com pessoas cujas ideologias divergem, conseguem colocar seus argumentos sem ofender, mas de forma a agregar", resume Rafael Gama, estudante da 3ª série.

O estudante André Felipe se considera de direita, mas diz que agora abriu 'o olhar para outros pontos de vista, projetos e opiniões' - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
O estudante André Felipe se considera de direita, mas diz que agora abriu 'o olhar para outros pontos de vista, projetos e opiniões'
Imagem: Carol Jardim/UOL

Potencial transformador

Os participantes do Atheneu POP são os protagonistas do projeto. Na fase das sabatinas, por exemplo, cabe a eles receber a pessoa a ser sabatinada, programar como será a visita de apresentação à escola, a divisão das tarefas e a elaboração das perguntas. A equipe de professores apenas supervisiona e orienta nessas atividades.

"Conseguimos propagar conhecimento no Atheneu. Estamos nos tornando pessoas capacitadas para essa prática e, a partir dos projetos que participamos, hoje eu posso afirmar que eu posso fazer parte da transformação, sei da minha capacidade e sei debater política", explica Rafael Gama, que completa afirmando que o projeto, em pouco tempo, o transformou numa pessoa com iniciativa e personalidade de uma forma que não imaginava.

Essa visão é compartilhada por Renata Aragão, da 3ª série, que reconhece no protagonismo do povo - especialmente da juventude - o potencial para transformar a sociedade.

Foi comum ver celulares dos estudantes gravando todos os momentos da sabatina - Carol Jardim/UOL - Carol Jardim/UOL
Foi comum ver celulares dos estudantes gravando todos os momentos da sabatina
Imagem: Carol Jardim/UOL

"A política deve ser baseada nas relações pessoais e na melhoria da população. Ela deve ser do povo e para o povo", avalia. Para ela, a experiência no projeto é como uma incubadora do comportamento protagonista que deve ser replicado em todas as instâncias da sociedade.

As mudanças pelas quais passam os alunos podem ser percebidas, inclusive, em outros círculos sociais nos quais estão inseridos. O tipo de conteúdo compartilhado nas redes sociais e as conversas familiares, segundo eles, mudaram.

O professor Yuri explica que esse processo de amadurecimento fez com que os alunos voltassem seus olhos, inclusive, para melhorias no próprio Colégio Atheneu.

"Eles agora se organizam mais e querem intervir também na escola. Há um projeto para aumentar a oferta de atendimento psicológico, se interessam pela questão da merenda, querem tornar o Atheneu a primeira escola do nordeste com Lixo Zero. Observa-se uma mudança significativa no modo de agir, entendem esse processo e querem participar de forma ativa sobre as coisas do dia a dia", revela.