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Vítima de violência muda de vida com ajuda de ONG: 'É hora de me libertar'

Projeto social acolhe mulheres vítimas de violência doméstica em SP - Divulgação
Projeto social acolhe mulheres vítimas de violência doméstica em SP Imagem: Divulgação

Rayane Moura

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

25/09/2022 06h00

Marluce Martins da Silva, 35, estava grávida de seis meses quando pegou um voo que mudaria sua vida. No trajeto, conheceu uma mulher, com quem bateu papo durante quatro horas de viagem. Compartilhou com ela os problemas que estava tendo com o marido violento.

"Ela disse que minha história era parecida com a dela, e, por isso, eu iria precisar de ajuda. Aí pediu o número do meu telefone e trocamos contato", relembra.

Não demorou muito para a violência continuar quando retornou para casa. Marluce não gosta de dar muitos detalhes sobre o assunto, mas conta que, quando atingiu seu limite, decidiu ligar para a nova amiga que fez durante o voo. Pediu ajuda.

Logo foi aconselhada a fazer um Boletim de Ocorrência. No entanto, ela não tinha um local seguro para ser acolhida no Maranhão, onde morava, ou em estados vizinhos. A amiga a conectou com um projeto que comprou passagens para São Paulo (SP) para ela e o filho, que àquela época já tinha 6 meses. Então, foi para São Paulo (SP) sob proteção.

"Eu não tive medo, as meninas do projeto pediram para eu assinar a declaração dando total liberdade para elas resolverem tudo. E eu assinei essa declaração. Em momento algum eu me senti sozinha, e só pensava: 'se essa pessoa está disposta a ajudar, é a hora de me libertar dessa situação violenta', então fui sem medo", conta.

Só em 2021, o projeto estima que 3610 mulheres foram atendidas - iStock - iStock
Só em 2021, o projeto estima que 3610 mulheres foram atendidas
Imagem: iStock

Projeto ajuda vítimas desde antes da Lei Maria da Penha

O projeto ao que ela se refere é o Bem Querer Mulher. Criado em 2004, antes mesmo da Lei Maria da Penha, que seria promulgada dois anos depois. O programa oferece atendimento permanente de cuidado para mulheres que sofrem violência.

O Bem Querer Mulher disponibiliza apoio jurídico, social, psicológico e até profissional, oferecendo cursos, treinamentos e formações por meio de parcerias para que as vítimas se recoloquem no mercado de trabalho. Só no ano passado, em 2021, o projeto estima que 3.610 mulheres foram atendidas.

Além de acolher, o projeto ajuda mulheres a conquistarem emprego e autonomia financeira, cobrindo custos de formação humana e profissional, além de promover conexões com empresas em busca de candidatas.

Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o Brasil teve mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022.

Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o Brasil teve mais de 31 mil denúncias de violência doméstica contra as mulheres até julho de 2022. - Paulo H. Carvalho/Agência Pública - Paulo H. Carvalho/Agência Pública
Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o Brasil teve mais de 31 mil denúncias de violência doméstica contra as mulheres até julho de 2022.
Imagem: Paulo H. Carvalho/Agência Pública

Além disso, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileira de Segurança, apenas em 2021, 1.341 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil e quase 66% delas morreram dentro da própria casa.

Olhando para esses números alarmantes, ações e projetos sociais direcionados para essas vítimas se fazem necessários, e é nesse cenário que nasce o Bem Querer Mulher.

Heloisa Melillo, 60, é voluntária do programa desde a fundação, e está à frente da coordenadoria geral do Bem Querer Mulher desde 2020. Ela explica que o projeto nasceu graças a um grupo de empresários preocupados com o tema.

O objetivo principal era trazer a pauta sobre as vítimas para a sociedade, levar o assunto para mídia, para, assim, todos tomarem conhecimento em uma época que feminicídio ainda não era considerado crime e a violência contra mulher era pouco falada.

Então, o projeto, junto a diversos órgãos públicos, construiu uma rede de apoio, elaborando um protocolo de atendimento humanizado e integral para as mulheres que sofrem violência.

"Também era necessário que tivéssemos nas comunidades lideranças formadas e capacitadas para serem divulgadoras da causa dentro dos bairros, como também pudessem receber e acolher mulheres que sofriam violência. Pela credibilidade dessas lideranças, elas são até hoje nomeadas de agentes Bem Querer Mulher", conta a coordenadora.

'Elas me deram tudo'

Em 2006, quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor, o Bem Querer Mulher, em parceria com o Instituto Avon, lançou a primeira cartilha sobre a Lei Maria da Penha do Brasil.

A ideia naquele momento era compartilhar informação e a promover a causa para que as pessoas e projetos que atuavam no enfrentamento à violência, pudessem se estruturar e adquirir conhecimento, a fim de prestar um atendimento melhor às vítimas.

Com o passar do tempo, foi necessária a criação de um espaço físico para que as mulheres pudessem ser atendidas por psicólogas, advogadas e assistentes sociais. E assim, nasce a Casa Bem Querer Mulher, atualmente localizada na Zona Sul de São Paulo, contando com abrigo temporário para casos mais graves.

"Além do atendimento humanizado e integral para as mulheres vítimas de violência, a casa oferece outras ações que contribuem e fortalecem na reconstrução da vida dessas mulheres. E também conseguimos olhar mais de perto para o que chamamos de 'filhos da violência', que são crianças e jovens filhos das mulheres que sofrem violência, e, por conta dessa violência sofrida pela mãe no seio familiar, eles também acabam precisando de ajuda", explica Heloisa.

Segundo dados do projeto, foram 457 filhos de mulheres vítimas de violência atendidos em 2021, um aumento de 260% em relação ao ano de 2020.

 'Filhos da violência' também conseguem ajuda e apoio no projeto Bem Querer Mulher - Divulgação - Divulgação
'Filhos da violência' também conseguem ajuda e apoio no projeto Bem Querer Mulher
Imagem: Divulgação

No local também são promovidos cursos de qualificação profissional. A formação tem como objetivo preparar as vítimas para ingressar ou retornar ao mercado de trabalho.

Foi o que aconteceu com Marluce. Com a ajuda do projeto, ela conseguiu um emprego na área de modelagem e costura, e paga uma escolinha particular.

Hoje, ela já conseguiu resolver todas as questões jurídicas envolvendo o ex-companheiro com a ajuda do Bem Querer. Além disso, se restabeleceu financeiramente, profissionalmente, e psicologicamente com o auxílio do programa.

"Elas disponibilizaram um VR para eu conseguir manter as despesas do neném até quando consegui um emprego. O projeto disponibilizou roupas, fizeram uma vaquinha e providenciaram algumas coisas para o meu filho também. Eu saí da minha casa da noite para o dia, só com uma mochila e algumas roupas? Elas me deram tudo", conta.

Tamanha gratidão fez ela ajudar outra jovem que também passou por violência, e até a acolheu dentro da própria casa.

Casa Bem Querer Mulher

  • Endereço: Rua Cristiano Ribeiro da Luz Junior, 48 - Vila Progredior, São Paulo, CEP: 08142-210 (ao lado Metrô São Paulo-Morumbi)

  • Telefones: (11) 3726-4220 / das 9h às 18h - (11) 94137-9156

  • Para mais informações, acesse o site: https://bemquerermulher.org.br/

Para quem se interessou pela causa e quer ajudar de alguma forma, o Bem Querer Mulher aceita doações de roupas e mantimentos, ou em dinheiro via pix e transferência bancária. Vale lembrar que o local também recebe voluntários.

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