Banana com juçara: combinação não vingou em região de Bolsonaro; entenda

Talvez você saiba que o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi criado em Eldorado, cidade localizada no Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do estado de São Paulo. Mas você provavelmente nunca ouviu falar que, na mesma região, a cerca de 30 km de Eldorado, na cidade de Sete Barras, uma cooperativa investe em agroflorestas, onde cultivam a juçara, o "açaí do Sudeste". Sua esperança é que tanto a polpa de juçara, quanto as bananas produzidas pela agricultura familiar da região, voltem a ser incluídas na merenda das escolas de Sete Barras.

Agrofloresta na merenda é solução

Jabuticaba, umbu, graviola, pequi, juçara e babaçu são alimentos da biodiversidade brasileira cultivados nas agroflorestas, sistemas que combinam espécies florestais com culturas agrícolas.

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Produzidos de forma sustentável, com benefícios para pequenos produtores e para os ecossistemas, eles poderiam estar enriquecendo a alimentação escolar dos municípios mais pobres do país, que atualmente chegam a oferecer aos alunos apenas bolacha e suco no lugar da refeição devido à falta de reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Com a obrigatoriedade, determinada por lei, de que 30% do valor repassado ao PNAE seja utilizado diretamente na aquisição de alimentos da agricultura familiar, as compras governamentais desse tipo de produção aumentaram nacionalmente, mas ainda há um grande potencial inexplorado.

"Há uma grande demanda por alimentos frescos onde se pode encaixar produtos da sociobiodiversidade. A gente tem um avanço nesse sentido, mas não necessariamente são produtos da agrofloresta [que estão sendo comprados]", disse a Ecoa Luciane Chiodi, pesquisadora sênior da Agroicone que coordena o programa Sistemas Agroflorestais na Mata Atlântica (SiAMA).

Segundo Chiodi, falta adaptar os programas de compras e cardápios da alimentação escolar à sazonalidade e à região para que haja inclusão efetiva desses produtos.

Esse potencial foi destacado em um novo estudo publicado pelo SiAMA, que analisou os números das aquisições da agricultura familiar pelo PNAE em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, localizados em regiões de Mata Atlântica. Nesses estados, houve aumento na aquisição de banana, goiaba e polpas variadas, produtos da sociobiodiversidade da Mata Atlântica, entre 2015 e 2019, o que demonstraria um potencial crescente de compra de produtos das agroflorestas.

Suco de juçara e banana

Há cinco anos, produtores rurais de Guapiruvu, comunidade de 170 famílias no município de Sete Barras (SP), conseguiram levar a agrofloresta para a merenda local.

Sete Barras tem a agricultura como principal atividade econômica, com destaque para a produção de banana por agricultores familiares. Guapiruvu também é pioneira na produção e comercialização de sementes e polpa de juçara, palmeira nativa da Mata Atlântica, que se assemelha ao açaí. No passado, a extração do palmito colocou a espécie em risco por ser feita com a derrubada da árvore.

"A juçara é uma riqueza muito grande. Além de olhar para a viabilidade econômica, temos obrigação de protegê-la", disse a Ecoa Gilberto Ohta, ambientalista, produtor e associado da Cooperativa da Agricultura Familiar de Sete Barras (Coopafasb). "Temos muitos pés plantados aqui na região e alimentação escolar é uma saída para gerar uma certa escala de produção da polpa".

Segundo Ohta, a comunidade tem mais de 20 mil pés de juçara, o que representa um potencial de produção de 20 a 30 toneladas de frutos. Ele vê a venda para os governos como uma saída para esse potencial.

"A economia convencional é cruel demais. Estamos na mão de grandes empresas que infelizmente não deixam a agroecologia ter espaço", disse Ohta.

Em 2017, a Coopafasb e a Cooperativa Agropecuária de Produtos Sustentáveis do Guapiruvu conseguiram articular junto à prefeitura de Sete Barras a venda da polpa da juçara para a alimentação escolar.

Com isso, um suco da polpa do fruto da palmeira com banana passou a ser oferecido no cardápio das 13 escolas do município. Cerca de 400 kg de polpa de juçara foram adquiridos pelo município naquele ano, mas a iniciativa não teve continuidade.

Por que não deu certo?

Nos testes de aceitabilidade, o suco de polpa de juçara e banana foi aprovado inicialmente por 90% dos alunos. Depois, a aceitação diminuiu: se a banana não estivesse muito madura para adoçar o suco, as crianças deixavam de tomar.

A implementação da polpa no cardápio também foi comprometida pela insuficiência de equipamentos de refrigeração nas escolas, o que impedia o armazenamento adequado e pela falta de preparo das cozinheiras para manusear a polpa. Houve, ainda, dificuldades que são comuns na regularização sanitária e na logística de entrega.

Segundo o produtor da Coopafasb Gilberto Ohta, faltam políticas públicas que incentivem e apoiem a capacitação dos produtores. "A qualidade da nossa polpa é muito boa, mas ainda são poucos agricultores [que trabalham com ela]. Eu diria que nem 2% sabe do valor da juçara como oportunidade de renda também não sabem coletar", disse.

O aumento da produção da polpa poderia baratear seu custo, alto em relação ao orçamento do município para a alimentação escolar, em média R$ 2,00 per capita em 2022.

Outro desafio é o desconhecimento sobre esses alimentos e o diálogo entre diferentes esferas do poder público.

"As nutricionistas do PNAE não conhecem os produtos da agrofloresta, muito menos os estudantes e as merendeiras. Precisa de uma conscientização e capacitação geral para incluí-los realmente na alimentação escolar", disse a pesquisadora da Agroicone Luciane Chiodi. "Além disso, a produção agrícola e as compras alimentares definidas pelo órgão acabam sendo descasadas, não tem um mapeamento [do que é produzido na região]".

Tendo em vista esses entraves, o estudo fornece orientações para a gestão municipal estadual e recomendações para produtores. Para Chiodi, a valorização desses produtos é o primeiro passo para transformá-los em negócios sustentáveis: "Os alimentos produzidos em sistemas agroflorestais carregam um conjunto de atributos ambientais, sociais e econômicos que precisam ser valorizados".