'Se a pessoa não se sente pertencente, vai embora': mitos sobre a inclusão
Até 2025, a inteligência artificial e a automação serão responsáveis pela criação de aproximadamente 100 milhões de empregos e alterações em funções que já existem, segundo dados do Fórum Econômico Mundial. Com tantas transformações no mercado, como garantir que vagas que exigem habilidades mais sofisticadas possam ser preenchidas por candidatos de grupos diversos?
A resposta passa pela adoção de estratégias de diversidade e inclusão dentro da agenda ESG (do inglês Environmental, Social and Governance), aponta Beatriz Santa Rita, especialista em Diversidade e Inclusão e CEO da Diverse Soluções. Ela explica que esses conceitos podem ser adotados a partir de eixos transversais nas empresas, envolvendo aspectos ambientais, sociais e de governança.
Na prática, a preocupação com essa temática também se relaciona com direitos humanos, leis trabalhistas, engajamento com colaboradores e relação com comunidades locais.
Diversidade e Inclusão envolve equidade de gênero, diversidade geracional, direitos e inclusão da pessoa negra, pessoa com deficiência e LGBTQIA+, de forma interseccional e considerando os desafios dos grupos mais vulneráveis e potência e possibilidades das empresas, Beatriz Santa Rita, CEO da Diverse Soluções
A especialista assinala que, embora forças como o próprio mercado financeiro e consumidores contribuam para alavancar essa agenda, a busca pela diversidade dentro das empresas não se encerra após as contratações. É preciso estruturar ações para que não ocorra discriminação e os colaboradores possam visualizar oportunidades de crescimento. "Falamos de contratações, mas também de criar um ambiente mais inclusivo, com canais de comunicação, mais mulheres na liderança, diversidade nos conselhos e diretorias", diz.
Para o consultor e CEO da Condurú Consultoria, Deives Rezende Júnior, é importante que as companhias desenvolvam mecanismos para acolher os novos colaboradores. Ele argumenta que, primeiro, deve-se trazer os talentos para dentro do negócio e, depois, prepará-los. "Tem muita gente pronta, mas que não teve oportunidade ainda. Também é preciso uma mentoria para que eles possam entender a empresa. Se a pessoa não se sente pertencente, ela vai embora", alerta.
Foco na questão racial
Para aumentar a diversidade em seus quadros, algumas empresas têm investido em programas de trainees exclusivos para grupos que costumam ser minorias nesses espaços. É o caso da rede varejista Magazine Luiza, que já lançou dois programas voltados a candidatos negros no país.
Segundo a gerente de Reputação e Sustentabilidade da empresa, Ana Luiza Herzog, uma pesquisa sobre diversidade e inclusão com colaboradores em 2019 desencadeou a criação do programa. A partir desse levantamento o grupo conseguiu estimar que 53% do quadro de funcionários eram pessoas negras, mas somente 16% estavam em cargos de liderança. O tema foi então discutido junto a juristas, representantes do Ministério Público do Trabalho, organizações não-governamentais, funcionários e ex-trainees negros.
"Chegamos à conclusão de que nosso programa de trainee de 2020 deveria envolver apenas candidatos negros. Nunca tivemos a pretensão de achar que íamos corrigir uma mazela histórica com essa iniciativa ou mesmo de sermos vistos como um modelo. Tratou-se de uma decisão que, em sintonia com nossos valores e propósito, visava reparar uma distorção que afeta a competitividade da companhia", ressalta.
Foram mais de 22 mil inscritos e 19 profissionais aprovados na primeira edição. Ao final do treinamento, eles foram promovidos ao cargo de analista sênior e puderam optar por exercer suas funções na área da companhia com a qual tinham mais afinidade. Na edição iniciada neste ano, 11 candidatos foram selecionados. Atualmente, 44,2% dos colaboradores do Magazine Luiza são negros.
Trabalho na educação
A Yduqs, que atua no ramo da educação, lançou em 2021 seu primeiro programa de trainee voltado a pessoas negras. Foram mais de 2,6 mil inscritos de todas as regiões do Brasil, sendo 11 selecionados. Os trainees já começaram a trabalhar em projetos especiais em torno de objetivos estratégicos, como, por exemplo, a criação de uma comunidade ideal de aprendizagem e o engajamento e fidelização de alunos.
Neste ano, os profissionais estão recebendo mentoria dos principais executivos do grupo. A segunda edição alcançou quase 6 mil inscritos e o processo seletivo avaliará a capacidade analítica e habilidades comportamentais dos candidatos. Não é necessário conhecimento em Excel nem em inglês.
Além dos trainees, a empresa tem buscado contratar mais professores negros a cada semestre. Para isso, trabalhou com a revisão do processo seletivo e articulou uma sensibilização com gestores acadêmicos e coordenadores de curso. Hoje, 32% dos docentes da companhia são pretos ou pardos.
"Embora já tenhamos um corpo de professores diverso, tanto com relação a raça quanto a gênero e orientação sexual, entendemos que não podemos nos eximir de estar sempre avançando", comenta Cláudia Romano, vice-presidente de Relações Governamentais, ESG e Comunicação da Yduqs.
De olho em cargos de liderança
No Grupo Carrefour, o programa "Talentos do Futuro: Liderança Negra" tem como objetivo acelerar a carreira de pessoas negras que já ingressaram no mercado de trabalho, mas ainda não assumiram posições de liderança. O programa, segundo Esabela Cruz, diretora de Diversidade e Inclusão da companhia, é direcionado para profissionais com ensino superior completo, de todo o país, sem limite de idade, nem exigência específica de área de formação. Também não há como pré-requisito a fluência em outro idioma.
"O grupo acredita que, para além de ter profissionais diversos em seu quadro de colaboradores, é necessário que a diversidade também se reflita em cargos de liderança e, por isso, o programa é essencial para capacitar e apoiar esses profissionais", analisa Esabela.
O grupo também trabalha com projetos de Jovem Aprendiz Tech, estágio afirmativo para negros e o Projeto TRANSforma, que incentiva a entrada de pessoas trans no mercado de trabalho. Segundo a empresa, dentre 150 mil colaboradores, 50,69% são mulheres e 39% ocupam cargos de liderança. Negros são 60% dos funcionários, sendo que metade desse percentual também está em posições de liderança.
Mulheres na tecnologia
Na empresa de telecomunicações Oi, há estratégias de diversidade relacionadas, especialmente, à equidade de gênero. Esse trabalho levou a empresa a receber, em 2021, o selo WOB (Women on Board), iniciativa independente realizada com o apoio da ONU Mulheres Brasil que reconhece a existência de ambientes corporativos mais diversos.
Uma das ações da companhia é o "Programa de Atração e Capacitação de Talentos Oi Devs". A ideia é que, a partir da formação tecnológica oferecida de forma gratuita e exclusivamente para mulheres, seja possível prospectar novas profissionais para ocupar cargos na empresa em 2023.
"Queremos ter mais mulheres em posições de liderança e dentro das carreiras tecnológicas", afirma Manoela Osório, diretora de Cultura e Liderança na Oi, onde atualmente 28% das funções de gerente são exercidas por mulheres.
Próxima geração de líderes
Mulheres, negros, pessoas com deficiência e LGBTQIA+ formam parte do primeiro trainee focado 100% em diversidade lançado neste ano pela Mondelez Brasil, do segmento alimentício. Segundo a líder de Diversidade, Equidade e Inclusão da empresa, Daniela Sagaz, o objetivo foi desenvolver a próxima geração de líderes do grupo.
O programa segue um modelo focado na aceleração do desenvolvimento de carreira e capacitação por meio de cursos e mentorias com a liderança executiva, além de curso de inglês integralmente pago pela empresa. Ao todo, foram 17 mil inscritos e nove selecionados, sendo 33% LGBTQIA+, 66% negros, 66% mulheres e 11% pessoas com deficiência.
"Nossos trainees entraram na companhia em março e em cargos equivalentes de coordenação. Ao longo do programa, poderão ser promovidos de acordo com a sua performance e, ao final dos 20 meses, estarão aptos a assumir uma posição de gerência", explica Daniela.
Ela ressalta que a Mondelez também tem mantido um banco de talentos exclusivo para esses grupos e ações para garantir a retenção desse público, como aplicação de políticas de tolerância zero contra qualquer tipo de discriminação, treinamento de fornecedores e parceiros, equidade de licença parental para casais homoafetivos e inclusão da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em eventos e comunicações internas.
No Brasil, a companhia é composta por 37% de pretos e pardos, sendo que 23% dos cargos de liderança são ocupados por esse público. Além disso, 7,4% dos colaboradores se autodeclaram LGBTQIAP+, e 50,2% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.
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