'Gorda, negra e firme': Ela largou governo para salvar famílias do despejo
A educadora popular Sarah Marques, 41, é filha da comunidade Caranguejo Tabaiares, localizada na área central de Recife, onde famílias vivem prioritariamente da pesca. Mãe solo dos gêmeos Rafael e Juliana, 16, viu o local onde cresceu precisar de ajuda - e resolveu atender ao chamado.
Quando 76 famílias da região sofreram ameaças de desapropriação para dar espaço a construção de uma avenida, ela sentiu a responsabilidade de resolver a situação.
"Nós que tivemos que sair em defesa daquelas famílias. E aí a gente precisou acionar o Ministério Público para evitar a derrubada das casas", relembra.
Ali, Sarah começou a liderar uma luta em prol da comunidade. De julho a outubro de 2019, o que se viu foram diversas ações para jogar luz no caso.
Oficinas de comunicação e cartografia, cine debates, parcerias firmadas e campanhas importantes realizadas, como a "Revoga Prefeito", que pedia a anulação da ordem de despejo, foram essenciais nesse processo.
"Passamos a discutir o direito à cidade, que é uma coisa muito ampla", conta Sarah.
A iniciativa trouxe a vitória: as famílias foram liberadas para seguir na área. Além disso, durante esse processo todo, foi se formando o coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, que impulsionou Sarah pensar em como poderiam juntos transformar a realidade da comunidade.
Um trabalho que tem como objetivo o empoderamento feminino e a independência financeira.
Até hoje, o Caranguejo Tabaiares Resiste já impactou diretamente mais duas mil famílias, promovendo acesso à informação e cursos que visam dar independência financeira a mulheres chefes de família.
A educadora considera ser uma grande responsabilidade levantar a voz da comunidade e tomar para si a resolução de problemas que deveriam ser de responsabilidade do governo.
"A gente dá a cara para esse mundo que nos oprime, que quer nos matar enquanto mulheres pretas... Enquanto pessoas pretas. Sou uma educadora popular e posso dizer, sim: sou gorda, sou negra, sou mulher e sou firme. E sei dos meus direitos. Quero libertar muita gente, abrir essas mentes para seus direitos."
Sarah Marques, educadora popular
Embora não quisesse se envolver com causas sociais na adolescência, Sarah não conseguiu fechar os olhos para as dificuldades de sua área.
O pai sempre foi uma liderança forte na região, e o trabalho foi herdado por ela. Antes do coletivo, chegou a trabalhar como assessora parlamentar, mas deixou o cargo ao perceber que o político para o qual trabalhava não tinha interesse em ajudar os moradores.
"Já fiz de tudo nessa vida. Fui faxineira, assessora parlamentar, mas posso dizer com todas as letras que meu lugar é junto dessas mulheres, ajudando no que for preciso. Quando o coletivo começou, estava como assessora. Entreguei o cargo para defender minha comunidade. O parlamentar para quem eu trabalhava viu o problema com a minha comunidade, mas queria que eu ficasse calada", explica.
Como educadora popular, realiza oficinas, dá palestras, ouve os anseios dos moradores da Caranguejo Tabaiares e se dedica 100% a essas ações de transformação social.
A vida dela, como ela mesma destaca, é o coletivo e toda a luta que a comunidade enfrenta no seu dia a dia.
"A gente nasceu para defender o direito à cidade. E esse o direto é muito amplo. Então, a gente também faz uma luta antirracista. temos um grupo de mulheres que leva informação à comunidade. Eu me dedico a tudo que possa modificar as realidades com as quais convivo. Nas palestras que dou, falo sobre nossa luta. Mas acompanho outras iniciativas, como a Rede de Mulheres Negras. Também faço parte da articulação Recife de Luta e integro redes nacionais como o projeto Gerando Falcões", ressalta.
Sarah lembra que a habitação é um direito básico pouco respeitado no país. Enquanto o poder público patina no atendimento às famílias que ainda vivem sem um teto para morar, ela corre com ações e parcerias que amenizam essa lacuna na comunidade.
Uma parceria com a ONG Habitat para a Humanidade possibilitará melhoria habitacional para dez famílias que perderam tudo com as chuvas que castigaram Pernambuco neste ano. O número pode parecer pequeno, mas só é possível pelo esforço da educadora, que não conta com recursos de órgãos governamentais.
"A gente tem um grupo de resistência. Um grupo de mulheres que se juntam para fazer essa luta, juntando forças para que a comunidade siga sobrevivendo", destaca.
Além do cuidado com a habitação, ela considera que a saúde mental dessas mães de família deve estar equilibrada para enfrentar os percalços do dia a dia.
Para tratar dessa questão, criou uma horta comunitária na comunidade. A intenção é cuidar das cabeças das donas de casa que estão com certo tempo ocioso, dando a ocupação terapêutica de mexer com a terra e com a possibilidade de produzir seu próprio alimento. A horta é cuidada pela comunidade, que pode usufruir da colheita.
"Eu penso que essas mulheres precisam estar com corpo e mente afinados para ter força para as lutas do cotidiano. A gente está plantando e colhendo cuidados. Iniciamos oficinas e cursos para que essas pessoas tenham seu próprio dinheiro. Isso faz parte do enfrentamento da violência contra a mulher também. Quando a mulher tem a condição de trabalhar e ter seu próprio dinheiro, ela não vai ficar na mão de ninguém."
Sarah Marques, educadora popular
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