Após 1º turno, crescem ataques xenofóbicos: O que isso significa?
Na última segunda-feira, 3, foram registradas 14 denúncias de xenofobia por hora. Ao todo, a central da organização não-governamental de proteção dos Direitos Humanos Safernet Brasil recebeu 348 registros no dia após o primeiro turno das eleições. O número quase supera o total de reclamações registrado nos primeiros seis meses do ano passado, 358.
O maior alvo foi o Nordeste, região que teve o ex-presidente e candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como vencedor no primeiro turno em contrapartida a Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, eleitores de Bolsonaro criticavam a vitória de Lula na região associando o Nordeste à pobreza, e algumas postagens no Twitter desejavam a fome aos eleitores de Lula.
Os ex- BBBs Gil do Vigor e Juliette e o humorista Whindersson Nunes (pernambucano, paraibana e piauiense, respectivamente) criticaram os comentários xenofóbicos. "Uma coisa que não se pode tolerar é a xenofobia (...) Estou vendo uma galera sendo xenofóbica com o pessoal do Nordeste, o meu Nordeste, e que defendo sim. O nosso Nordeste precisa de respeito", disse Gil.
Mas, afinal, o que é xenofobia? Ecoa fez esse guia para que você entenda um pouco mais o que está acontecendo.
O nordestino está associado à ocupação de posições inferiores no mercado de trabalho, está associado à pobreza, com todo imaginário em torno da seca, claro, à indigência do ponto de vista intelectual.
Durval Muniz de Albuquerque Júnior, professor do departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
O que é xenofobia?
"Xenofobia é o medo ou rejeição ao estrangeiro, embora esteja sendo comumente usado para falar de toda forma de preconceito em relação a lugar de nascimento", explica Durval Muniz de Albuquerque Júnior, professor do departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autor do livro 'A invenção do Nordeste e outras artes'.
Qual a origem do preconceito contra nordestinos?
O preconceito regional contra o Nordeste tem origem nas migrações internas que aconteceram no Brasil particularmente a partir da segunda metade do século 20 devido a um processo imigratório muito intenso. Muitos migrantes nordestinos, oriundos do trabalho rural, vieram para o Sudeste para trabalhar nas indústrias, no setor de serviços, na construção civil e no trabalho doméstico, no caso das mulheres.
"Essa articulação entre imigrantes nordestinos e o trabalho braçal me parece um dado chave para entender essa questão do preconceito e da xenofobia", explica Paulo Fontes, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autor do livro 'Um Nordeste em São Paulo'.
Há outra dimensão, segundo Muniz e Fontes, que explica esse preconceito: a racialização dos migrantes. "Muitas pessoas do Sul têm identidade europeia e por serem brancas têm um enorme preconceito em relação aos próprios brasileiros", comenta Durval Muniz.
Por que, para algumas pessoas, isso é aceitável?
Esse preconceito regional contra o Nordeste não é novidade. Mas, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, há certos fatores que fazem com que o preconceito regional, principalmente em relação ao Nordeste, seja mais "aceitável" socialmente do que outras formas de discriminação.
Segundo Muniz e Ferreira, o fato de boa parte dos órgãos de mídia estarem localizados nas regiões Sul e Sudeste faz com que o sotaque dessas regiões, por exemplo, seja visto como "normal" enquanto o de outras regiões passa a ser o "diferente". Isso também pode ser visto em outros aspectos culturais. O que é do Sul e Sudeste é "normal" e o que vem de outras regiões é o "exótico".
"As pessoas não conseguem identificar a xenofobia porque o padrão está tão enraizado na sociedade que as pessoas percebem como uma regra", diz Juliana Ferreira.
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