Com poesia, rapper Bell Puã levou a história de negros brasileiros à Europa
Com a ginástica olímpica e aulas de teatro, a rapper Bell Puã, 29 anos, aprendeu desde cedo sobre disciplina, equilíbrio e estética. Não demorou muito e, inspirada pelos versos de Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus e da norte-americana bell hooks, ela começou a rimar. Hoje, com apresentações no Brasil e na Europa, a artista é um dos principais nomes do slam —gênero de poesia falada semelhante ao rap improvisado.
O primeiro contato com a cena ocorreu a convite das poetisas Patrícia Naia e Amanda Timóteo, criadoras do coletivo Slam das Minas. De Pernambuco para o restante do Brasil, Bell Puã venceu o Slam BR em 2018 e se tornou a representante brasileira no campeonato mundial, realizado na França. Na terça-feira (18), a partir das 14h, Bell Puã apresenta criações inéditas no evento "Origens - As histórias que nos trouxeram aqui", realizado por Ecoa.
Em 2019, ela ganhou o Prêmio Malê de Literatura e escreveu dois livros, "É que dei o perdido na razão" e "Lutar é crime". Esse último foi finalista do Prêmio Jabuti no ano seguinte.
A rapper diz ver na ancestralidade um compasso para a composição de poemas e canções. Como um grito de independência ou morte, cada frase de suas rimas soa como um brinde à vida de seus antepassados negros.
Mestre em história pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), ela também vê no passado um meio para recontar o caminho que pessoas negras percorreram da África até o Brasil, país que mais importou escravizados no século 16 —experiência que impacta a realidade de pretos e pardos no Brasil até hoje.
Inspirações de Britney Spears a Don L
Fã de autores como Vinícius de Moraes e leitora ávida de Clarice Lispector e Cecília Meireles, Bell Puã diz que só começou a escrever poesias quando conheceu autores e autoras negras entre o fim do ensino médio e a faculdade.
"Eu já era fã de slammers de São Paulo e do Rio de Janeiro. Descobri-me capaz de rimar quando fui introduzida a escritoras negras. Sou admiradora de autores brancos, mas não me vejo neles. É o povo preto que veio antes de mim que me motiva a continuar", conta.
Eu posso refletir sobre meus ancestrais quando rimo. Sei que todos lutaram muito e os que conheci conseguiram me ensinar valores importantes através das gerações. Tudo que sei sobre mim foi por meio deles, embora muitos dos meus antepassados não tenham tido o privilégio de conhecer a própria história. Meu avô mal sabe a idade certa dele. Não há registros precisos de quando ele nasceu"
Bell Puã, poeta, compositora e escritora
Quando o assunto é a interação entre escrita e performances poéticas, Bell diz se inspirar em slammers como Luz Ribeiro, Cristal Rocha e Sabrina Azevedo.
Na cultura hip hop, em que também dá passos como compositora, ela se identifica com rappers como Don L, Jessica Caitano e Flora Matos. Na cultura pop, ela também tem como referências artistas internacionais como Britney Spears e Red Hot Chili Peppers.
Durante a pandemia de covid-19, o resultado dessa overdose de referências antigas e novas foram as canções "Dale" e "Bloco de Notas", produzidas por Magno Brito e lançadas em 2021, com videoclipes roteirizados por ela mesma e que têm o empoderamento como mote principal.
"Demorei muito tempo para saber se eu também poderia me identificar como rapper. Hoje, vejo que o elo que une a cultura do povo preto como um todo é maior que rótulos", afirma.
Com o slam, falo sobre desigualdade e genocídio de corpos negros. Na música, busco abordar temas como autoestima e beleza dos filhos da África... Nossas histórias e potência são maiores que as limitações que o racismo tenta impor
Bell Puã
Apoiada por uma equipe majoritariamente composta por negros e negras, Bell Puã quer imergir ainda mais no universos das melodias instrumentalizadas. Nos planos, estão o lançamento de um EP e de um disco com faixas inéditas.
Do Brasil para o mundo
De olho no futuro, a rapper também não descarta tentar uma carreira fora do país. "Acredito que tendo uma voz consciente e bem direcionada, com palavras de poder, potência, verdade e esperança, devemos ter todo o espaço possível. São coisas importantes de serem ouvidas", diz.
"Minha conexão com as palavras é uma força que me puxa para poetizar a forma de transmitir ideias. Eu sempre consumi poesias clássicas, mas nada mexeu tanto comigo como o slam e sua capacidade de comunicar tão amplamente", conta.
Jovem, sem correr contra o tempo, a poeta de fala mansa deixa claro a que veio: "Busco ainda muito mais na arte e autoexpressão. O céu é o limite".
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