Quem foi Grande Otelo, o 1º negro a entrar pela frente do Cassino da Urca
Grande Otelo é lembrado por muitos como um ilustre ator do teatro e do cinema e por sua atuação na música brasileira. Mas por outros, ele é tido como um grande representante da luta contra a discriminação e o racismo.
Hoje, 18 de outubro, data de nascimento do artista, Ecoa conversou com o jornalista e documentarista Dimas de Oliveira Júnior, que está produzindo um documentário sobre o artista, para saber um pouco mais sobre sua vida e legado.
Para quem conviveu com ele, ao talento e representatividade somava-se ainda alegria e humildade, e o resultado é ser reconhecido hoje como dos mais importantes artistas brasileiros do século XX.
Segundo Dimas, Grande Otelo foi o primeiro artista negro a entrar pela porta da frente no Teatro Cassino da Urca, onde trabalhava como ator. "Não se sabe ao certo se ele exigiu o tratamento igual ou se simplesmente aconteceu, mas a partir disso, todos os artistas negros puderam usar a porta da frente como já faziam os brancos", conta.
Quando alcançou protagonismo, segundo o jornalista, Otelo e os artistas da Urca se encontravam com frequência para festas, e não havia preconceito entre eles. "A cor dele nunca importou ali, ele deixa uma obra ímpar tanto musical como cinematográfica", afirma Dimas.
Embora seja conhecido como Grande Otelo, ele nasceu Sebastião e tinha apenas 1,50 m de altura. Para Dimas, este é outro fator que o faz ser um ícone de alguém que venceu na vida, apesar das dificuldades. "Imagine: ele era negro, baixinho e não era um galã. Teve uma infância trágica, estudou em escola de padre, onde as regras eram rígidas, e ainda assim alçou o sucesso com a irreverência e a criatividade", avalia.
A seguir, um pouco mais sobre a vida e a obra de Grande Otelo, que completaria 107 anos neste dia 18 de outubro.
Pai assassinado e mãe alcoólatra
Nascido Sebastião Bernardes de Souza Prata, em 18 de outubro de 1915, na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, aos 7 anos de idade Grande Otelo fez sua primeira participação artística em um número de circo. Ele também declamava poemas nas ruas para ganhar alguns trocados e acredita-se que o filme "O Garoto", de Charles Chaplin, foi uma influência decisiva no seu sonho de se tornar um ator.
Na casa de Otelo o clima era pesado. Ainda na infância, seu pai morreu esfaqueado e a mãe, que era alcoólatra, representava perigo para ele. Nesse contexto, e por já se destacar nas atividades artísticas na cidade, Sebastião foi adotado por Isabel Gonçalves, mãe de Abigail Parecis, da Companhia de Comédia e Variedades Sarah Bernhardt, e acabou se mudando para São Paulo, onde estudou no Liceu Coração de Jesus.
Companhia Negra de Revistas
Em 1926 ele ingressou no teatro pela Companhia Negra de Revistas, que tinha somente artistas negros, entre eles Pixinguinha, que era o maestro, o músico Donga e a atriz e cantora Rosa Negra. Embora tenha durado somente um ano, essa companhia evidenciou artistas negros brasileiros ao fazer parte de um movimento de levante global que colocava o negro em destaque nas suas produções.
Em 1932, entrou para a Companhia Jardel Jércolis, um dos pioneiros do teatro de revista. Com esta companhia chegou ao Rio de Janeiro, realizando seu sonho de infância. Lá conheceu seu grande parceiro, o músico Erivelto, com quem compôs o famoso samba Praça 11.
Sua carreira decolou e foi nesse momento que ele passou a se chamar Grande Otelo. Em 1939, assinou um contrato com o movimentado Cassino da Urca para algumas apresentações com a dançarina americana e naturalizada francesa Josephine Baker.
Orson Welles, Macunaíma e Oscarito
Em 1942 participou do filme inacabado 'It's All True', de Orson Welles. O intérprete e diretor norte-americano adorava o Brasil e o considerava Otelo o maior ator do país. Ele foi um dos grandes destaques da renomada produtora Atlântida, quando protagonizou o filme 'Moleque Tião' (1943), de José Carlos Burle, o primeiro sucesso da produtora.
De 1940 a 1950, estrelou nas chanchadas em parceria com Oscarito, uma das mais brilhantes duplas da dramaturgia brasileira. Seu papel mais importante foi na adaptação para o cinema de Macunaíma, obra escrita por Mário de Andrade e que da vida ao malandro brasileiro, em 1969. "Ele representou muito bem porque ele mesmo tinha muitas daquelas características, como a boemia, a inteligência e o dom de saber conversar bem", lembra Dimas.
"Grande Otelo deixa para a cultura negra a representatividade de uma pessoa que venceu, passou incólume sobre as barreiras raciais que continuam a existir até hoje.
Dimas de Oliveira Júnior, jornalista e documentarista
Humor irritou alemão
Esse humor e irreverência ficariam na história do cinema internacional depois que, durante as gravações do longa alemão 'Fitzcarraldo' (1982), o ator quase enlouqueceu o ator Klaus Kinski. Otelo precisava fazer uma cena em inglês, mas resolveu falar em espanhol, idioma que o alemão desconhecia. Irritado, Kinski se retirou do set.
Segundo conta o diretor Werner Herzog em uma entrevista concedida na época do lançamento de 'Fitzcarraldo', quando o filme estreou na Alemanha aquela foi a única cena aplaudida pelo público.
Tragédia e homenagens
Antes de morrer, em 26 de novembro de 1993, outra tragédia assolou sua vida. Sua mulher se suicidou logo após matar com veneno seu filho de seis anos de idade, que era enteado do ator. Grande Otelo faleceu de ataque do coração em Paris, aos 78 anos, onde iria receber uma homenagem no Festival de Nantes.
Em 1978, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Roberto Cardoso Alves, assinou o decreto legislativo nº 14, que concedeu o Título de Cidadão Paulistano ao artista. Mais tarde, em 1994, a lei 11.531, do Executivo, denominou o Polo Cultural e Esportivo situado no Anhembi com seu nome.
O nome Grande Otelo
Quando começou a cantar, ainda na infância, o professor da escola de música lírica disse que Sebastião tinha voz de tenor, atingia o tom mais agudo dos vocais masculinos. Ele apostava que um dia o menino cresceria e cantaria a ópera Otelo, de Giuseppe Verdi.
Pela estatura pequena, o apelido inicial foi Pequeno Otelo. Mais tarde, a crítica carioca o denominou Grande Otelo pelo seu talento e protagonismo na cena artística, nome que ele adotou para ser usado em sua carreira.
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