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Cultivada por presidiários, floresta em Lisboa é refúgio de 'saca-rabos'

Parque Monsanto em Lisboa, Portugal Imagem: Natália Eiras/Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Colaboração a Ecoa, de Lisboa (Portugal)

18/10/2022 06h00

Um roteiro turístico de Lisboa inclui uma passagem pelo Castelo de São Jorge, um passeio pelas ruas de Alfama, um pulo na Torre de Belém (com direito a pastel de nata) e uma foto da ponte 25 de Abril. A capital de Portugal é uma das cidades mais visitadas na Europa, mas pouca gente sabe que ela tem um coração verde: o parque florestal de Monsanto.

Mapa aponta localização do Parque Florestal Monsanto, em Lisboa, Portugal Imagem: Google Maps

E não é um coração pequeno: para dar uma ideia da grandeza, o Central Park, em Nova York, tem 340 hectares. Monsanto, por sua vez, tem 1045 hectares. Mais de três vezes maior do que o conhecido parque norte-americano.

A malha verde ocupa quase 10% do território de Lisboa, cidade mais populosa de Portugal, e abrange pelo menos sete freguesias: Benfica, São Domingos de Benfica, Campolide, Campo de Ourique, Alcântara, Ajuda e Belém. Dentro da mata lusa, é possível encontrar mais de 400 espécies de plantas, mais de 90 tipos de aves, 10 espécies de mamíferos e de 15 a 20 tipos de répteis.

Porém, apesar de parecer uma floresta secular, o parque florestal Monsanto existe há menos de 90 anos. Ele foi plantado no início do século passado, como uma forma de recuperar o solo de uma "serra careca", que já tinha sido explorada como uma pedreira e fora muito usada para a produção agrícola e para pastoreio.

Região do Parque Monsanto em Lisboa, na década de 1940 Imagem: Arquivo Monsanto

"Ainda em meados do século 19, o governo recomendou um estudo que apontou que Portugal tinha, em várias regiões diferentes, solos pobres, que deveriam ser reflorestados para a sua recuperação e, também, para a exploração econômica florestal, como a extração de lenha, seiva, cortiça e outros itens", explica Fernando Louro Alves, engenheiro florestal, assessor principal do departamento de ambiente, energia e alterações climáticas da Câmara Municipal de Lisboa.

"O estudo foi retomado em 1934 pelo engenheiro Duarte Pacheco, que tomou a iniciativa de construir um parque florestal para recreio. Desde o início, o Monsanto foi idealizado como um espaço para a prática de atividades ao ar livre. Uma ideia vanguardista para a época, mas que se espalhou logo pela Europa".

Liderado por Keil de Amaral, o plano original, da década de 1930, já incluía, por exemplo, o Clube de Tênis do Monsanto e o Parque Recreativo do Alvito, para o público infantil. "Havia, ainda, a ideia de criar um auditório para mais de 6 mil pessoas, que nunca foi construído", afirma Fernando Louro Alves.

Em 1938, quando Duarte Pacheco acumulou as funções de ministro das obras públicas do ditador Salazar e também o de presidente da Câmara de Lisboa, o Monsanto começou, finalmente, a ser plantado. O processo começou no fim da década de 1930, mas seu auge foi de 1942 até 1950.

Um parque plantado por presidiários

Obras no Parque Monsanto, em Lisboa, década de 1940 Imagem: Arquivo Monsanto

Funcionários da câmara de Lisboa, voluntários e presidiários em regime aberto do Estabelecimento Prisional de Monsanto, que fica dentro do parque florestal, atuaram no plantio da floresta.

"Até hoje temos parceria com a administração do presídio e pessoas em regime aberto trabalham na manutenção de um pomar instalado no centro do parque", complementa Rui Simão, engenheiro biofísico, chefe da divisão de manutenção e requalificação da estrutura verde da Câmara Municipal de Lisboa.

Para cumprir tanto a função de recuperação do solo como a de uma área de divertimento para os lisboetas, foi preciso escolher sabiamente os tipos de árvores que seriam cultivadas naquele espaço.

"As pioneiras, melhoradoras do solo e aumentadores de fertilidade, foram o pinheiro-manso e o pinheiro-de-alepo. Este último, por ser de Alepo, na Síria, está muito adaptado ao solo de calcário, que é o que existe no parque", diz Fernando Louro Alves.

"Ciprestes, principalmente o cedro-do-Buçado, têm uma copa bastante densa, que abriga as pessoas do sol, e também é melhoradora do solo". Foram priorizadas espécies da flora portuguesa e, até hoje, o plantio é feito. "Para aumentar a diversidade genética da floresta", afirma o engenheiro florestal.

A luz de Lisboa

Parque Florestal Monsanto fica no coração de Lisboa Imagem: Natália Eiras/Arquivo Pessoal

Além de ser uma área de lazer, o Monsanto tem um importante impacto ambiental na cidade. De acordo com Fernando Louro Alves, Lisboa já era considerada, nos anos 1960, um município com muito verde. Porém, o parque florestal também contribuiria para que a capital portuguesa ganhasse fama no meio artístico: Lisboa é conhecida por sua luz e seu céu azul profundo, que teria inspirado muitos artistas.

"Hoje sabemos a importância do parque para a melhora do calor, e para o ciclo de água", conta o engenheiro florestal. "O ar atmosférico de Lisboa tem uma qualidade muito boa, por conta do Monsanto e do rio Tejo. A luz de Lisboa tem a ver com isso."

O parque florestal permite, ainda, que animais silvestres sejam encontrados no coração da maior cidade de Portugal. "Há espaço o suficiente para que eles possam se reproduzir e viver dentro do Monsanto", afirma Fernando.

Entre os bichos, há os esquilos-vermelhos, um dos favoritos da população; raposas, coelhos-bravos e saca-rabos. Saca-rabos, no caso, são uma espécie de mangusto, família de mamíferos da qual fazem parte os suricatos.

O sacarrabos, saca-rabos ou rato-de-faraó (Herpestes ichneumon) é um mangusto encontrado na Europa, Ásia e África. Imagem: Kateryna Mashkevych/Getty Images/iStockphoto

Há aves como as de rapina diurnas, gaios e algumas mais raras, como os cruza-bicos.

"Aconselho a vir com os amigos, mas com os olhos e ouvidos atentos para descobrir os bichos do Monsanto", fala o engenheiro florestal.

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