Cultivada por presidiários, floresta em Lisboa é refúgio de 'saca-rabos'
Um roteiro turístico de Lisboa inclui uma passagem pelo Castelo de São Jorge, um passeio pelas ruas de Alfama, um pulo na Torre de Belém (com direito a pastel de nata) e uma foto da ponte 25 de Abril. A capital de Portugal é uma das cidades mais visitadas na Europa, mas pouca gente sabe que ela tem um coração verde: o parque florestal de Monsanto.
E não é um coração pequeno: para dar uma ideia da grandeza, o Central Park, em Nova York, tem 340 hectares. Monsanto, por sua vez, tem 1045 hectares. Mais de três vezes maior do que o conhecido parque norte-americano.
A malha verde ocupa quase 10% do território de Lisboa, cidade mais populosa de Portugal, e abrange pelo menos sete freguesias: Benfica, São Domingos de Benfica, Campolide, Campo de Ourique, Alcântara, Ajuda e Belém. Dentro da mata lusa, é possível encontrar mais de 400 espécies de plantas, mais de 90 tipos de aves, 10 espécies de mamíferos e de 15 a 20 tipos de répteis.
Porém, apesar de parecer uma floresta secular, o parque florestal Monsanto existe há menos de 90 anos. Ele foi plantado no início do século passado, como uma forma de recuperar o solo de uma "serra careca", que já tinha sido explorada como uma pedreira e fora muito usada para a produção agrícola e para pastoreio.
"Ainda em meados do século 19, o governo recomendou um estudo que apontou que Portugal tinha, em várias regiões diferentes, solos pobres, que deveriam ser reflorestados para a sua recuperação e, também, para a exploração econômica florestal, como a extração de lenha, seiva, cortiça e outros itens", explica Fernando Louro Alves, engenheiro florestal, assessor principal do departamento de ambiente, energia e alterações climáticas da Câmara Municipal de Lisboa.
"O estudo foi retomado em 1934 pelo engenheiro Duarte Pacheco, que tomou a iniciativa de construir um parque florestal para recreio. Desde o início, o Monsanto foi idealizado como um espaço para a prática de atividades ao ar livre. Uma ideia vanguardista para a época, mas que se espalhou logo pela Europa".
Liderado por Keil de Amaral, o plano original, da década de 1930, já incluía, por exemplo, o Clube de Tênis do Monsanto e o Parque Recreativo do Alvito, para o público infantil. "Havia, ainda, a ideia de criar um auditório para mais de 6 mil pessoas, que nunca foi construído", afirma Fernando Louro Alves.
Em 1938, quando Duarte Pacheco acumulou as funções de ministro das obras públicas do ditador Salazar e também o de presidente da Câmara de Lisboa, o Monsanto começou, finalmente, a ser plantado. O processo começou no fim da década de 1930, mas seu auge foi de 1942 até 1950.
Um parque plantado por presidiários
Funcionários da câmara de Lisboa, voluntários e presidiários em regime aberto do Estabelecimento Prisional de Monsanto, que fica dentro do parque florestal, atuaram no plantio da floresta.
"Até hoje temos parceria com a administração do presídio e pessoas em regime aberto trabalham na manutenção de um pomar instalado no centro do parque", complementa Rui Simão, engenheiro biofísico, chefe da divisão de manutenção e requalificação da estrutura verde da Câmara Municipal de Lisboa.
Para cumprir tanto a função de recuperação do solo como a de uma área de divertimento para os lisboetas, foi preciso escolher sabiamente os tipos de árvores que seriam cultivadas naquele espaço.
"As pioneiras, melhoradoras do solo e aumentadores de fertilidade, foram o pinheiro-manso e o pinheiro-de-alepo. Este último, por ser de Alepo, na Síria, está muito adaptado ao solo de calcário, que é o que existe no parque", diz Fernando Louro Alves.
"Ciprestes, principalmente o cedro-do-Buçado, têm uma copa bastante densa, que abriga as pessoas do sol, e também é melhoradora do solo". Foram priorizadas espécies da flora portuguesa e, até hoje, o plantio é feito. "Para aumentar a diversidade genética da floresta", afirma o engenheiro florestal.
A luz de Lisboa
Além de ser uma área de lazer, o Monsanto tem um importante impacto ambiental na cidade. De acordo com Fernando Louro Alves, Lisboa já era considerada, nos anos 1960, um município com muito verde. Porém, o parque florestal também contribuiria para que a capital portuguesa ganhasse fama no meio artístico: Lisboa é conhecida por sua luz e seu céu azul profundo, que teria inspirado muitos artistas.
"Hoje sabemos a importância do parque para a melhora do calor, e para o ciclo de água", conta o engenheiro florestal. "O ar atmosférico de Lisboa tem uma qualidade muito boa, por conta do Monsanto e do rio Tejo. A luz de Lisboa tem a ver com isso."
O parque florestal permite, ainda, que animais silvestres sejam encontrados no coração da maior cidade de Portugal. "Há espaço o suficiente para que eles possam se reproduzir e viver dentro do Monsanto", afirma Fernando.
Entre os bichos, há os esquilos-vermelhos, um dos favoritos da população; raposas, coelhos-bravos e saca-rabos. Saca-rabos, no caso, são uma espécie de mangusto, família de mamíferos da qual fazem parte os suricatos.
Há aves como as de rapina diurnas, gaios e algumas mais raras, como os cruza-bicos.
"Aconselho a vir com os amigos, mas com os olhos e ouvidos atentos para descobrir os bichos do Monsanto", fala o engenheiro florestal.
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