Nascido há 100 anos, Darcy Ribeiro foi exilado após batalha pela educação
Nesta quarta (26), é celebrado o centenário de nascimento de Darcy Ribeiro, um dos maiores antropólogos brasileiros e do mundo. Uma das maiores missões de sua vida foi entender toda a complexidade do povo brasileiro e dos povos originários e, assim, entender a construção complexa do nosso país. Para isso, ocupou vários espaços.
Universidades, oficialização de terras indígenas, identificação de povos originários, projetos nacionais para o ensino e centros culturais são marcas de Darcy presentes até hoje em nossa sociedade. O educador dizia travar uma "batalha" travada em salas de aula, em regiões isoladas do país, em livros e também na política tradicional.
Nascido em 1922 em Montes Claros, Minas Gerais, Darcy foi filho de um farmacêutico e uma professora. Em 1942, abandonou o curso de medicina para estudar ciências sociais na Universidade de São Paulo (USP). Em 1946, se formou em Antropologia pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo.
No ano seguinte, trabalhou no SPI (Serviço de Proteção ao Índio) com indígenas no Pantanal e na Amazônia. Em 1961, inaugurou e tornou-se primeiro reitor da Universidade de Brasília (Unb). Após 1964, se exilou para fugir da Ditadura Militar.
A perseguição era motivada pelo trabalho que também foi desenvolvido na política. Além da criação do Museu do Índio em 1953, foi ministro da educação do governo do presidente João Goulart, derrubado com o golpe das forças armadas.
O antropólogo foi um dos maiores defensores do ensino universal e criticava a ausência de planos a longo prazo para a educação. Era crítico, por exemplo, do histórico recente das grandes universidades brasileiras. Para ele, a falta de um projeto nacional para educar os brasileiros era uma forma de perpetuar nossa extrema desigualdade social.
Como Senador, Darcy foi um dos principais idealizadores do LDB, ou Lei de Diretrizes Básicas para a educação. A lei criou mecanismos de avaliação para o ensino, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), aumentou o tempo letivo, fez novas divisões nos anos de ensino, que passaram do pré-escolar ao ensino fundamental e médio e ampliou a autonomia das universidades.
"A crise da educação no Brasil não é crise. É projeto", diz uma frase atribuída à Darcy em uma palestra na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1977, quando timidamente iniciava-se uma abertura política no Brasil.
Investigação da nossa formação
Darcy tentou decodificar e oferecer soluções para reverter o atraso do nosso país. Para isso, voltou à nossa formação. Considerava, por exemplo, os indígenas como um pilar fundamental para nossa sociedade. Foi um dos idealizadores do Parque do Xingu, mais tarde chamado de Território Indígena do Xingu, que serviu como modelo para a proteção de territórios indígenas consolidada na Constituição de 1988.
O antropólogo, porém, discordava de Gilberto Freyre. Para ele, o Brasil não vive uma "democracia racial". Para Darcy, nossa identidade enquanto país é marcada por uma extensa desigualdade social, um fator que acentua nossa divisão étnica-racial.
Em 1995, lançou o "O povo brasileiro", obra em que encerra a coleção de seus "Estudos de Antropologia da Civilização". Na obra, lançada pouco antes de morrer, Darcy se pergunta "por que o Brasil não deu certo?". Para isso, analisa o choque entre os colonizadores e os saberes dos povos originários e das pessoas escravizadas vindos à força da África.
O antropólogo, então, divide o Brasil entre o Brasil crioulo (que se estende do litoral de São Luís ao Rio de Janeiro e era muito influenciado pela África), o Brasil caboclo (região Norte com a Amazônia e os indígenas), o Brasil sertanejo (como o sertão nordestino e a caatinga), o Brasil caipira (centro-oeste, sudeste, com influência da cidade de São Paulo) e o Brasil sulino (mamelucos vivendo em uma área muito rica e fértil nos pampas gaúchos, e com forte interferência europeia).
Somos ninguém
A mistura de culturas gerou o que Darcy chama de "ninguendade": um povo diverso entre si, com raízes e antepassados pouco claros que precisam criar uma identidade brasileira, ao mesmo tempo estranha e unificada.
"Temos aqui duas instâncias. A do ser formado dentro de uma etnia, sempre irredutível por sua própria natureza, que amarga o destino do exilado, do desterrado, forçado a sobreviver no que sabia ser uma comunidade de estranhos, estrangeiro ele a ela, sozinho ele mesmo. A outra, do ser igualmente desgarrado, como cria da terra, que não cabia, porém, nas entidades étnicas aqui constituídas, repelido por elas como um estranho, vivendo à procura de sua identidade", escreve.
Na década 90, foi criada a Fundação Darcy Ribeiro e seu nome está presente em dezenas de escolas no Brasil. Em 1997, morreu em Brasília vítima de um câncer. "Minha luta como político é contra a desigualdade social em meu país, a enfermidade principal dos ricos brasileiros, que é a sua indiferença diante do sofrimento do povo. Tenho tão nítido o que o Brasil pode ser, e há de ser, que me dói demais o Brasil que é", diz.
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