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Após 3 meses de amnésia, ela decidiu lutar por emprego para pessoas trans

Thomas Nader sofria com medo e insegurança e conseguiu emprego após consultoria do Trasnpor - Arquivo pessoal
Thomas Nader sofria com medo e insegurança e conseguiu emprego após consultoria do Trasnpor Imagem: Arquivo pessoal

Glória Maria

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

26/10/2022 05h00

Pela primeira vez na história, o Congresso Nacional terá, a partir do ano que vem, duas deputadas federais trans em sua composição. Erika Hilton (Psol-SP) foi eleita com 256 mil votos, e Duda Salabert (PDT-MG), com 208 mil. Vitórias que vão muito além dos números quando olhamos para a história das duas deputadas.

Da dificuldade de serem aceitas na sociedade, passando pelos obstáculos que encontraram para conseguirem entrar no mercado de trabalho até a violência que sofreram em seus primeiros mandatos estaduais, o caminho da população trans é desafiador.

Pensando em facilitar o início dessa caminhada, Bárbara Cristina Alves, mulher cis de 32 anos, moradora de Santa Catarina e formada em administração pública, fundou, em junho de 2020 o Transpor. O projeto oferece consultorias online para a revisão de currículos, confecção de perfil em redes sociais como o LinkedIn, intermediação de contato com recrutadores, análise de descrição de vagas e treinamento para entrevista de emprego para a população trans.

3 meses sem memória

A ideia surgiu depois que Bárbara sofreu um acidente que lhe causou traumatismo craniano. Ela perdeu a memória durante três meses e quando se recuperou passou a refletir sobre os valores de sua vida. Na época, convivia com pessoas trans e as experiências de violências que ela ouvia, principalmente quando falavam das barreiras no mercado de trabalho, a motivou a ajudá-las.

Em uma troca de conversas com Maite Schneider, uma das fundadoras da TransEmpregos, um projeto de empregabilidade para pessoas transgêneras, decidiu se oferecer para revisar os currículos enviados. Bárbara conta que ficou chocada quando, em menos de 3 horas, recebeu mais de 100 pedidos de ajuda. "Minha bolha de privilégios explodiu e eu percebi que eu precisava fazer algo mais."

Transpor - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Em menos de 3 horas, Bárbara Alves recebeu mais de 100 pedidos de ajuda de pessoas trans
Imagem: Arquivo pessoal

Ela começou, então, a buscar voluntários para estruturar o que é hoje o Transpor, do qual é diretora executiva. A ação hoje conta com 34 voluntários que oferecem também consultoria de carreira e firmou parcerias com grandes empresas, como Magazine Luiza e TikTok, para encaminhar e recomendar currículos ao departamento de Recursos Humanos.

A Transpor também tem um serviço de assistência à saúde mental. O projeto tem o apoio de quatro psicólogos para dar suporte emocional aos usuários. O número de pessoas que passaram pelo Transpor nesses dois anos de vida já chegou a mil, sendo que 51% dos atendidos já conseguiram uma vaga de emprego.

Violência, medo e insegurança

Uma das pessoas que recebeu a consultoria foi Thomas Nader, 30, morador da cidade de Jundiaí, interior de São Paulo. Ele conheceu a ação em uma ONG, se inscreveu e recebeu mentoria de Bárbara durante quase três meses.

Thomas se formou em educação física e nunca tinha conseguido trabalho na sua área. Ele diz que o medo e a insegurança de não ter um trabalho o perseguiam e que não sabia como elaborar currículos que fossem aceitos nem manejar outras ferramentas que o mercado de trabalho exige.

Ao fim da consultoria, ele foi encaminhado para uma entrevista de emprego na qual conseguiu passar e hoje trabalha no Mercado Livre como supervisor de business. A convite de Bárbara, Thomas também foi fazer parte do Transpor e hoje tem a função de vice-diretor executivo. Para ele, o projeto fortaleceu seu desenvolvimento até mesmo para migrar de área, já que não se encontrava na profissão de formação.

Transpor - Divulgação - Divulgação
Em dois anos, mais de 1000 pessoas já foram atendidas pelo projeto e 51% conseguiram trabalho
Imagem: Divulgação

Thomas afirma que a dificuldade para as pessoas trans chegarem ao mercado de trabalho são muitas porque as exigências são grandes e eles, geralmente, sofrem com violências desde muito cedo. Com isso, muitas pessoas acabam abandonando a escola e todo o processo de aprendizado que lhes permitiria uma boa colocação no mercado.

Como vice-diretor executivo do Transpor, ele se vê na responsabilidade de ajudar outras pessoas e um dos seus sonhos é conseguir mais investimento para que esse público tenha emprego e dignidade.

Mesmo com vitórias ainda há muitos desafios a serem enfrentados, o projeto acontece 100% online e não existe barreira geográfica para quem quiser participar, mas há o problema da exclusão digital, por isso o Transpor tem aceitado doação de computadores para enviar às pessoas que se inscrevem e não conseguem seguir as consultorias.

Para doar ou ser voluntário basta entrar em contato por email: contato@projetotranspor.com.br ou pelo perfil do projeto no Instagram.