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Quem foi Vianinha, autor de 'A Grande Família', série que faz hoje 50 anos

Vianinha foi militante do Partido Comunista Brasileiro e criador do Teatro de Arena  - Wikimedia Commons
Vianinha foi militante do Partido Comunista Brasileiro e criador do Teatro de Arena Imagem: Wikimedia Commons

Rafael Monteiro

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

26/10/2022 06h00

No dia 26 de outubro de 1972 ia ao ar, na TV Globo, o primeiro episódio da história de uma família muito unida que até hoje é amada e lembrada pelos brasileiros. A primeira versão da série 'A Grande Família' completa hoje 50 anos e Ecoa aproveita a data para contar um pouco da história do seu criador, o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha.

A história de Vianinha vai muito além das paredes da casa do Lineu e da Nenê. Entre as décadas de 1950 e 1960 ele foi um dos artistas que construíram um movimento que desafiou o elitismo das artes no Brasil. O chamado Teatro de Arena promoveu uma nacionalização do setor e tentou levar a arte para o grande público das cidades.

Militante do Partido Comunista Brasileiro, Vianinha foi um dos dramaturgos mais celebrados da sua geração. Com pouco mais de 15 anos de carreira, o artista carioca faleceu em 16 de julho 1974, vítima de um câncer no pulmão, deixando um legado riquíssimo para o teatro e para a televisão. Saiba um pouco mais sobre ele.

Teatro para as periferias

VIaninha - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Vianinha fundou o Teatro Paulista do Estudante com o ator Gianfrancesco Guarnieri
Imagem: Wikimedia Commons

A obra do Vianinha tem como pano de fundo os dramas do homem trabalhador. Ainda no auge do Teatro de Arena, ele contracenou com o amigo Guarnieri no clássico 'Eles não Usam Black-Tie' (1958) e estreou como autor com 'Chapetuba Futebol Clube"'(1959). Também escreveu uma peça inspirada num dos conceitos mais famosos de Karl Marx para ser exibida em sindicatos, favelas e bairros: 'A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar' (1961).

Por sua postura política, seus textos e peças foram alvo da ditadura militar, vários deles tiveram partes censuradas e outros foram proibidos.

"É preciso um teatro de criação e não de imitação do real; um teatro otimista, direto, violento, satírico e revoltado como deve ser o povo brasileiro"

Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, dramaturgo

Obcecado em levar o teatro para o povo, ele ainda fez peças que chegaram a ser improvisadas no meio da rua em periferias, como Brasil Versão Brasileira (1962) e Quatro Quadras de Terra (1963).

Viana pai, Viana filho

VIaninha - Arquivo Funarte - Arquivo Funarte
Vianinha foi um dos dramaturgos mais celebrados da sua geração
Imagem: Arquivo Funarte

Vianinha foi registrado num cartório do centro do Rio de Janeiro no dia 4 de junho de 1936. Emocionado com o nascimento do filho, o pai dele - o jornalista, dramaturgo, cineasta e radionovelista Oduvaldo Vianna - pediu para que a criança fosse registrada com o seu nome.

Mas o escrivão se esqueceu de acrescentar o "filho" no final do nome e ele acabou homônimo do pai. Isso causou uma confusão com os militares da ditadura de 1964, anos depois. No Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, constava apenas uma ficha com informações misturadas de pai e filho sobre ligações com o comunismo. Para a ditadura, Vianinha e o pai sempre foram uma só pessoa.

Conquistou Nelson Rodrigues

VIaninha - Arquivo Nacional (Wikimedia Commons) - Arquivo Nacional (Wikimedia Commons)
O dramaturgo Nelson Rodrigues
Imagem: Arquivo Nacional (Wikimedia Commons)

O também dramaturgo Nelson Rodrigues era um homem sabidamente de direita. Mas mesmo se dizendo um "anticomunista", ele não escondia que admirava sem ressalvas o trabalho de Vianinha.

"Sua estrutura doce exige o diminutivo. Dos nossos artistas, é o menos sombrio, o menos neurótico, o menos ressentido. O nosso teatro está cheio de víboras. Pois o Vianinha é a antivíbora", dizia o dramaturgo sobre o colega de profissão.

A Grande Família

Tentando fugir da repressão da ditadura militar, Vianinha aceitou o convite para trabalhar na TV Globo. Fez as telepeças 'Casos Especiais', 'Noites Brancas', 'A Dama das Camélias' (com Gilberto Braga), 'Mirandolina', 'Ano Novo, Vida Nova', 'As Aventuras de uma Garrafa de Champanhe' (com Domingos Oliveira), entre outras.

VIaninha - Reprodução TV Globo / Commons - Reprodução TV Globo / Commons
Elenco da 1ª versão de 'A Grande Família', na qual Vianinha quis mostrar a 'auto gozação das nossas dificuldades'
Imagem: Reprodução TV Globo / Commons

Mas o sucesso viria mesmo com o programa de TV 'A Grande Família', lançado em 1973. A série adaptada de um sucesso norte-americano ("All in the Family") foi ao ar entre 26 de outubro de 1972 e 27 de março de 1975, mostrando a rotina de uma família de classe média brasileira.

A atração ganhou um remake de igual sucesso, estrelado por Marco Nanini, Marieta Severo e Pedro Cardoso, na mesma TV Globo em 2001, gerando mais 485 episódios.

"É a autogozação das nossas dificuldades. Mas, acima de tudo, é a crônica da família saudável. O que eu quis fazer foi uma democratização do fracasso. São os fracassados, não no sentido da derrota, mas de uma solidariedade com os não vitoriosos. Aquelas pessoas que, sem estar no topo do mundo, sem frequentar as colunas sociais, continuam maravilhosas porque enfrentam e vencem todas as situações apresentadas", dizia Vianinha sobre a série.

VIaninha - Reprodução TV Globo / Commons - Reprodução TV Globo / Commons
Elenco da segunda versão de 'A Grande Família', baseada no texto de Vianinha, que teve 485 episódios
Imagem: Reprodução TV Globo / Commons

Peça escrita no leito de morte

A última obra de Vianinha foi a peça 'Rasga Coração'. Como enfrentava um câncer de pulmão, a obra, que reflete a luta política no Brasil em diferentes épocas, foi ditada pelo dramaturgo no leito de morte para a mãe

"Rasga Coração é uma homenagem ao lutador anônimo político, aos campeões das lutas populares; preito de gratidão à velha guarda, à geração que me antecedeu, que foi a que politizou em profundidade a consciência do país. (..,) Em segundo lugar, quis fazer uma peça que estudasse as diferenças entre o novo e o revolucionário. O revolucionário nem sempre é novo e o novo nem sempre é revolucionário", afirmou Vianinha na época.