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'O mundo pode acabar em 2050': Natalie Unterstell e a ciência que salva

Nana Grunevald/UOL
Imagem: Nana Grunevald/UOL

Natalia Timerman

Nasceu em São Paulo (SP) é autora de "Copo Vazio" (Todavia)

01/11/2022 06h00

Natalie Unterstell tinha 23 anos quando sentiu o impacto das questões climáticas pela primeira vez. Era 2007 e, em pleno Alto Rio Negro, na fronteira do Brasil com Colômbia e Venezuela, junto de 22 povos indígenas e impressionante biodiversidade, escutou de seu chefe as más notícias que a negociação do IPCC traziam: o mundo acabaria em 2050, segundo a ciência, caso a atuação humana sobre o planeta Terra não mudasse de rumo. "Minha cabeça explodiu", ela diz, uma boa metáfora para a sensação de desamparo que desembocou imediatamente na pergunta: "O que eu vou fazer?"

Desde então, a mesma indagação direciona seus passos — e não é exagero dizer que a trajetória de Natalie se confunde com a do Brasil nas questões climáticas, pelo menos a do Brasil que se importa com elas.

Do Alto Rio Negro, onde trabalhou por sete anos, a cientista foi para a Noruega, onde se pôs a aprender com ativistas, negociadores e diversos movimentos o que precisava ser feito em termos de política do clima. Trabalhou com a Rainforest Foundation Norway para a construção do Fundo Amazônia e se estabeleceu desde então como referência, articulando a vivência na floresta à administração pública — Natalie possui graduação pela Fundação Getúlio Vargas e mestrado pela Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard. Mas o que mais impressiona não são os títulos: ela foi de veleiro até Boston, e morou na embarcação durante todo o período por lá.

Quando voltou ao Brasil, passou a atuar em governos federais e estaduais, implementando políticas públicas e o que costuma ser denominado o mais ambicioso programa de adaptação à mudança do clima já realizado no país, o Brasil 2040, elaborado no governo Dilma.

Natalie é hoje membro do Painel de Acreditação do Green Climate Fund e está por trás da concepção do Instituto Talanoa, do qual é presidente. A ideia para o nome veio do discurso de Frank Bainimarama, primeiro ministro das Ilhas Fiji, para a COP 23. Ainda que as ilhas estejam nas primeiras fileiras da vulnerabilidade climática, pensar em termos de apocalipse é, para Frank, pouco pragmático: necessário é imaginar e construir outros desfechos. Ele então propôs "talanoas" como método de tomada de decisões coletivas na ONU: o termo significa algo como "sentar em roda para conversas difíceis e só levantar com uma resolução".

O "espírito de Talanoa" atravessou as negociações e colocou no colo de cada país a responsabilidade por fazer o Acordo de Paris, de 2015, acontecer na prática — acordo que, para Natalie, soou como a retomada da esperança que ela vira se esvair em 2009, na COP 15. Na época, escreveu um texto que comparava a expectativa por um acordo global com uma cena de "Esperando Godot", peça de Samuel Beckett.

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*Natalie Unterstell é administradora formada na FGV e mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard
Imagem: Arquivo Pessoal

Hoje, sua visão é bem diferente, principalmente porque percebeu que não é apenas mudando grandes estruturas que se resolverá a crise climática. "Nós temos um poder enorme", Natalie diz; "só pessoas podem mover sistemas, e nossas escolhas têm esse potencial". Como exemplo, cita evidências do IPCC segundo as quais modificar o meio de transporte e a dieta, com menos carros e menor consumo de proteínas animais, tem potencial de impacto mais que significativo: só essas atitudes podem reduzir em 40% as emissões de carbono, o grande vilão do clima, até 2050. A vocalização de ações também ajuda: "quando a gente reclama nas redes sociais do restaurante que serve guardanapo no plástico, ou da empresa de petróleo que pede que calculemos pegada de carbono sendo ela mesma uma super emissora, estamos sinalizando que não vamos mais aceitar."

Natalie, ela mesma, também vocaliza: além de escrever artigos, dialogar com especialistas e colaborar com o podcast da revista Piauí "A Terra é redonda (mesmo)", fala com a população através das redes, clamando-a para "resolver a crise climática em uma geração: a nossa".

Natalie Unterstell é não só admirável como imprescindível. Afinal de contas, nunca foi tão literal dizer que não temos tempo a perder.

Este texto faz parte da série Brasil que Dá Certo, confira todos textos do especial aqui!

Escritora - Nana Grunevald/UOL - Nana Grunevald/UOL
Imagem: Nana Grunevald/UOL


NATALIA TIMERMAN é escritora e psiquiatra. Doutoranda em letras pela USP, é colunista em Universa e autora dos livros "Copo Vazio" (Todavia), "Rachaduras" (Quelônio) e "Desterros: história de um hospital-prisão" (Elefante). Nasceu em São Paulo (SP).

Sugestões de leitura

'Copo Vazio', Natalia Timerman

Livro 'Rachaduras', Natalia Timerman

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