Você sabia que fios de cabelo humano podem ajudar a limpar os oceanos?
Uma ONG vai utilizar mantas de fios de cabelo humano para limpar os oceanos. A primeira vez que se ouviu falar de algo nesse sentido foi em 1989, quando um cabeleireiro estadunidense, chamado Philip McCrory, colocou cerca de cinco quilos de cabelo dentro de uma meia calça para tentar puxar o óleo que foi derramado no mar do Alasca após um vazamento do navio Exxon Valdez.
A ideia deu certo e McCrory patenteou a descoberta pouco depois na Universidade do Texas. Desde então, os cabelos têm sido estudados para ajudar a minimizar os efeitos de diversos outros desastres ambientais em todo o mundo.
No Brasil, uma ONG está investindo em testes e estudos para a criação de um filtro para a remover metais pesados de efluentes no litoral brasileiro. A primeira ação foi realizada em outubro na cidade de Santos, no litoral sul paulista. O objetivo era explicar a ideia e receber doações de cabelos. O próximo passo agora é testar as mantas na costa brasileira.
Intitulado "Fiotrar - Espaço de Beleza Conexão Oceano - o seu cabelo transforma realidades", o projeto é uma iniciativa da ONG Cabelegria, com patrocínio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e parceria da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da ONG Matter of Trust.
Perucas e mantas
Na primeira ação, a ONG ofereceu cortes de cabelos sem custo à população e explicou que as mechas seriam destinadas para a confecção de perucas a pacientes oncológicos, e o que sobrasse para as mantas de cabelos. "O que diferencia um uso do outro é que para as mantas usamos o cabelo que não serve para a peruca, ou por sua qualidade, ou pelo seu tamanho", explica Mariana Robrahn, idealizadora e CEO do da ONG Cabelegria, que criou o Fiotrar - Projeto Águas Limpas.
Para fazer as mantas, os cabelos são trançados em uma máquina. "O processo é bem parecido com o que é utilizado para fazer dreads, só que o formato da manta não é arredondado e, sim, semelhante a um tapete", explicou Mariana.
De acordo com a pesquisadora Janaína Bumbeer, especialista em Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, o fio de cabelo é uma alternativa sustentável e biodegradável para a limpeza de derramamento de óleo no mar porque tem a capacidade de absorver óleos e substâncias tóxicas cerca de cinco vezes o seu peso. "Por isso ele é usado para testes toxicológicos em seres humanos, por exemplo", explicou.
Em Santos, o projeto realizou 164 cortes, dos quais 13 foram direcionados para a criação de perucas para ONG Cabelegria, e outros 151 para o Fiotrar. Considerando que 1 grama de cabelo absorve 5 gramas de petróleo, e que cada manta pode ser utilizada até quatro vezes, o potencial da ação com essas doações servirá para retirar 62,6 kg de petróleo da água.
"Conseguimos impactar o público geral e geramos curiosidade nas outras pessoas que passaram para saber um pouquinho mais de como nossos cabelos podem e vão ajudar a diminuir a poluição em nossos mares", afirmou a Mariana.
Iniciativa da ONU
A ação visa as metas da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, iniciativa da ONU cujo objetivo é incentivar o desenvolvimento de iniciativas públicas e privadas para a recuperação da saúde dos oceanos em todo o mundo até 2030.
"Precisamos entender que o oceano é um só, e se um país não cuidar do seu litoral e do entorno, isso pode impactar todo o ecossistema", avalia a pesquisadora Janaína Bumbeer.
Ainda conforme a pesquisadora, hoje a saúde do nosso oceano está em situação muito crítica, e a Década do Oceano é a última oportunidade de reverter esse cenário. "Somos a geração que vai viver para decidir como será a continuidade da vida na Terra", afirmou.
Ideia veio dos EUA
A ideia do Fiotrar nasceu em 2019, quando a fundadora Mariana conheceu uma organização chamada Matter of Trust, que utilizava cabelos para a produção de mantas na Califórnia (EUA). "Fiquei encantada e, quando cheguei no Brasil houve um grande derramamento de petróleo que atingiu as praias do Nordeste. Ver pessoas e crianças entrando no mar para retirar o óleo com a mão cortou meu coração, pois eu sabia como poderia ajudar", contou.
Ela então começou a se conectar com pessoas que pudessem auxiliar e, juntos, eles começaram a estudar formas para realizar esse projeto com os cabelos. Em 2021, o Fiotrar foi selecionado para receber apoio financeiro da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
No momento, o projeto está na fase de pesquisa de laboratório para entender o potencial do cabelo para retirar metais pesados e corantes da água. A previsão é de que as mantas comecem a ser aplicadas no mar ainda esse ano, para que sejam iniciados os estudos que vão medir os impactos a curto, médio e longo prazo.
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