Quem foi o ídolo do futebol italiano que morreu combatendo o nazismo?
A história que eternizou o jogador Bruno Neri - ídolo da Fiorentina e da Seleção Italiana de futebol na década de 1930 - como o 'jogador partidário' começa com uma fotografia em preto e branco tirada em 1931.
Ela mostra jogadores enfileirados durante a cerimônia de inauguração do novo estádio de Florença, todos com o braço direito estendido em saudação fascista. Menos um, retratado imóvel, com os braços colados ao corpo.
Esta foi a primeira demonstração pública do jogador contra a ditadura fascista de Benito Mussolini, e o estopim para, em 1943, após a ocupação alemã do norte da Itália já durante a Segunda Guerra Mundial, ele se juntar a guerrilheiros que lutavam nas montanhas italianas contra o nazi-fascismo.
Mesmo na guerrilha, Neri ainda jogou futebol. A última partida foi em 1944, pelo Faença, seu clube de origem. Algumas semanas depois, no dia 10 de julho do mesmo ano, ele foi morto por forças alemãs que emboscaram o seu grupo de resistência em Gamogna, região centro-norte italiana.
Conheça um pouco mais da vida deste lendário jogador que deu a vida pelo seu país dentro e fora das quatro linhas.
Apaixonado por poesias
Bruno Neri nasceu na cidade de Faença, na província de Ravena, nordeste da Itália, em 12 de outubro de 1910. Filho de pais operários, começou a jogar futebol no time da cidade. Depois passou pelo Livorno e, em 1929, foi contratado - por um valor exorbitante para a época - pela equipe da Fiorentina, então na Série B.
Segundo as crônicas esportivas, dentro de campo, Neri era um meio-campista destacado, chamado de 'jogador operário' pelo seu espírito de equipe e pela dedicação ao trabalho. Fora dos gramados, não era um 'jogador comum', tinha interesse pelas artes, pela poesia e uma postura muito crítica ao governo ditatorial de Benito Mussolini.
Participava de reuniões políticas e sua permanência na Fiorentina, que mantinha relações com o fascismo, tornou-se até incômoda, pois o próprio estádio novo que seria inaugurado em Florença era uma homenagem a um militante fascista, que foi elevado a mártir por ter sido assassinado por militantes comunistas anos antes.
A foto icônica
Aos 21 anos, o meio-campista deixou claro esse incômodo e escancarou publicamente a sua aversão ao regime quando protagonizou a cena pela qual seria eternamente lembrado pelos italianos. Na inauguração deste novo estádio, chamado Giovanni Berta (hoje, estádio Artemio Franchi), seus companheiros de time, enfileirados, levantaram o braço direito em saudação fascista. Neri se recusou a fazê-lo diante de um público de 15 mil pessoas. E foi o único.
Mesmo depois disso ele seguiu jogando na Fiorentina e contribuiu para que o clube ascendesse à Série A. O futebol se popularizava rapidamente na Itália, e ele chegou a ser convocado para a Seleção Italiana, mas demonstrou igual incômodo pelo uso político que Mussolini fazia dos êxitos da equipe, que foi bicampeã do mundo naquela década (em 1934, na própria Itália, e 1938, na França).
O auge e o fim da carreira
Depois da Fiorentina, Bruno Neri ainda jogou pelo Lucchese e depois pelo FC Torino, onde viveu o auge de sua carreira nos anos de 1936 e 1937. Lá, foi treinado pela segunda vez pelo húngaro Ernó Erbstein, com quem já havia trabalhado no Lucchese. Em 1938, as leis raciais impostas pelo nazismo forçaram o técnico, de origem judaica, a deixar o país e isso acelerou o fim da carreira de Neri.
Pouco tempo depois, em 1940, com a entrada da Itália na Segunda Guerra Mundial, o jogador deixou os gramados do Torino e voltou para Faença para jogar e também treinar a equipe de sua cidade natal. Jogou futebol pela última vez em 1944, pelo Faença, no campeonato italiano regional.
Entrada na guerrilha
Quando Neri voltou para sua cidade natal se aproximou de um primo chamado Virgílio, e foi por meio dele que se envolveu ativamente com a resistência armada ao nazi-fascismo. Após o armistício de 1943 e a ocupação alemã do norte da Itália, ele se juntou ao Batalhão Ravenna, do qual foi vice-comandante com o nome de 'Berni'.
Em 10 de julho de 1944, apenas alguns meses após jogar sua última partida pelo Faença, durante uma missão de patrulha a Gamogna, Bruno Neri e seu grupo foram surpreendidos por soldados alemães e mortos em um tiroteio. Ele tinha 33 anos.
Memória e homenagem
Em 11 de julho de 1946, o conselho municipal de Faença deu o nome de Bruno Neri ao Estádio Municipal na Piazza delle Armi. Em 2017, a Associação da Casa da Música da cidade, juntamente com a Região Emilia-Romagna, decidiu dedicar-lhe um concurso de música sobre canções sobre o tema da Libertação para jovens artistas.
Também em Faença, uma placa memorial colocada na casa de sua família diz: "Aqui nasceu Bruno Neri, comandante guerrilheiro que caiu em combate em 10 de julho de 1944, em Gamogna. Depois de se destacar como atleta no esporte, ele revelou na ação clandestina antes e durante a guerra suas magníficas virtudes como lutador, e como exemplo brilhante, e também um alerta, para as gerações futuras."
Em Gamogna, região onde morreu, há outra placa para lembrar o 'jogador partidário'.
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