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Empresários criam 'ouvido biônico' que detecta vazamento de água nas casas

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Natália Eiras

Colaboração ao Ecoa, de Lisboa (Portugal)

17/11/2022 06h00

Um levantamento divulgado neste ano pelo Instituto Trata Brasil (ITB) mostrou que 40% da água coletada dos mananciais no Brasil é perdida antes mesmo de chegar às torneiras dos brasileiros. Em regiões como o Norte e o Nordeste, o índice chega, respectivamente, a 51% e 46%. Visto que a água é um recurso essencial e já escasso, este é um dado alarmante.

A administradora Marília Lara, 37 anos, de Sorocaba, no interior de São Paulo, levou isso em consideração quando decidiu abrir um negócio próprio. A empresária, junto com Antônio Oliveira, é cofundadora da Stattus4, que criou dois dispositivos que ajudam a detectar e combater o vazamento de água na rede de distribuição de municípios.

A startup divulgou seu trabalho na edição deste ano do WebSummit, um dos maiores eventos de inovação do mundo, que ocorreu na primeira semana de novembro, em Lisboa, Portugal. A Stattus4 apresentou o 4Fluid Móvel, que é uma espécie de ouvido biônico capaz de detectar vazamentos; e o Sistema Turing, que faz monitoramento de consumo e de pressão da água com a mesma finalidade.

"Quando eu e meu sócio começamos a pensar em criar uma startup, decidi que queria algo que, quanto maior nós fôssemos, melhor seríamos para o mundo. Por isso o nosso foco é salvar água", diz Marília.

Por quatro anos, ela e Antônio fizeram pesquisas e formaram uma base de dados para criar uma inteligência artificial que fosse capaz de fazer o trabalho do geofonista, que é um profissional com ouvido treinado para perceber se uma tubulação está com vazamento.

"Toda tecnologia tem seus limitantes e o formato tradicional chegou ao seu limite, agora precisamos pensar diferente", explica Marília.

Ouvido biônico inteligente

Stattus4 - Divulgação - Divulgação
Marília Lara diz que o foco da startup que criou é salvar a água e ajudar a preservar o planeta
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Em 2018, desenvolveram o 4Fluid Móvel, um dispositivo que, ao ser encostado em um hidrômetro, coleta 10 segundos do ruído da tubulação. Esta informação vai para a base de dados e a inteligência artificial detecta, pela vibração, se há ou não vazamento naquela região. "Costumo brincar que é o Shazam [aplicativo que detecta e mostra que música está tocando em um ambiente] do vazamento", afirma a empresária.

O dispositivo permitiria que os vazamentos fossem combatidos muito mais efetivamente. "O geofonista precisa visitar apenas de 3% a 4% dos lugares, então damos vazão ao trabalho dele, o tornamos mais rápido e, assim, identificamos o vazamento também com mais agilidade", explica Marília.

A empresa também tem o Sistema Turing, que consiste na instalação de um dispositivo no sistema de distribuição de água que faz a leitura de consumo e pressão, a fim de perceber se está havendo alguma perda. "Os dispositivos mandam dados para o nosso sistema e monitoramos 24 horas por dia. Assim, identificamos se há algum ponto suspeito de vazamento".

Tem uma frase do [ex-presidente dos EUA, Barack] Obama que gosto muito, que diz que 'somos a primeira geração a sentir os efeitos das mudanças climáticas e a última que pode fazer alguma coisa sobre isso'. Eu decidi fazer alguma coisa sobre isso

Marília Lara, CEO e co-fundadora da Stattus4

Investimento no futuro

O Novo Marco Legal do Saneamento, criado pelo governo brasileiro em 2020, tem três metas: levar água potável a 99% da população brasileira, aumentar o tratamento da rede de esgoto para beneficiar 90% dos brasileiros e reduzir, gradualmente, a perda de água. O prazo para que esses objetivos sejam atendidos é 2033.

"No mercado, se diz que que perda de água é que nem unha: tem que cortar sempre. Porque, caso você deixe ela existir, ela só vai crescer", fala Marília.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), será necessário o investimento de R$ 43 bilhões para reduzir pela metade as perdas de água na distribuição. Marília Lara diz que tal investimento é muitíssimo necessário.

"A escassez hídrica em cidades que vão crescendo e se expandindo é bastante crítica. E a água consome muita energia elétrica, é preciso bombeá-la para a distribuição, fazer tratamento. Além de salvar água, você economiza energia, que também tem impacto no aquecimento global", afirma a CEO do Stattus4.

Água e saúde

Stattus4 - Divulgação - Divulgação
Dispositivo é encostado em um hidrômetro, coleta o ruído da tubulação e envia os dados para uma central
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A empresária acredita que, ao diminuir a perda, uma empresa de distribuição pode economizar um recurso que pode ser utilizado na melhoria da distribuição e no combate da pobreza hídrica. "A água e o saneamento como todo têm um impacto brutal na vida das pessoas. Para você ter uma ideia, por volta de 360 crianças morrem por dia no mundo por doenças relacionadas à falta de acesso à água potável".

De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), a cada R$ 1 que se investe em saneamento são economizados R$ 4 em saúde pública. "Eu sou bastante privilegiada, tive acesso a boas escolas, pude fazer uma ótima faculdade, e acho injusto que crianças que nasceram na mesma época que eu, às vezes duas ruas abaixo de mim, não tenham a mesma condição por uma questão tão básica como essa."

A Stattus4 tem atualmente entre os seus clientes empresas de distribuição de água como Sabesp, Sanepar, Grupo Águas do Brasil e Copasa. "Atendemos, assim, por volta de 20% das cidades do Brasil", diz a CEO.

Com as soluções, a startup estima que, desde 2018, ajudou a poupar um volume de água que corresponderia a 55 piscinas olímpicas por dia. Em março, a empresa recebeu um grande investimento e deve levar o 4Fluid e o Sistema Turing para fora do Brasil.

"Estamos com um projeto piloto em Medellín, na Colômbia, e vamos fazer outros dois em duas cidades de Portugal", adianta Marília.