Novo tipo de 'açaí' ajuda a salvar árvore ameaçada e continua gostoso
Uma árvore nunca é só uma árvore. Na Mata Atlântica, a palmeira-juçara é um bufê popular e diverso. Dezenas de espécies de aves e mamíferos se alimentam de suas sementes e frutos. Algo em torno de 70 animais, como arapongas, antas, cotias, tucanos, sabiás e esquilos, devoram as sementes, envoltas por uma polpa fibrosa, e os frutos, ricos em gorduras e antioxidantes. De quebra, eles são essenciais para a dispersão das sementes e a disseminação da árvore.
O desmatamento da Mata Atlântica e a consequente queda da população dessas espécies animais (algumas com risco de extinção, como da jacutinga, ave símbolo da floresta) contribuem para a situação precária em que a juçara se encontra. Somada a isso tudo ainda está a extração do palmito: essa sim a maior ameaça à palmeira.
O palmito da juçara é considerado de melhor qualidade, mas seu corte mata a árvore, algo que não ocorre na extração de palmeiras amazônicas, como a pupunha e o açaí. Além disso, a juçara demora até 12 anos para gerar um bom palmito, enquanto o palmito da pupunha leva só um ano e meio.
Por tudo isso, a árvore está em perigo de extinção. Mas, se o seu palmito representa uma ameaça para a sua sobrevivência, outra parte desta palmeira pode significar a sua salvação.
'Açaí' de Juçara
Em 2014, após sete anos de pesquisas científicas e testagens de modelos de negócios, uma empresa fluminense começou a produzir polpa do fruto da juçara. É um açaí, como aquele que já é consumido em todo o país, mas feito a partir da frutinha desta árvore, que não é o açaizeiro.
A Juçaí surgiu na Serrinha do Alambari, um refúgio verde e tranquilo, buscado por fãs de cachoeiras e localizado entre dois pontos turísticos da região das Agulhas Negras, Penedo e Visconde de Mauá. Desde então, expandiu o mercado e já mira consumidores estrangeiros.
Por muito tempo, as palmeiras desse distrito de Resende (RJ) bastavam para a Juçaí. Mas a produção triplicou entre 2019 e 2021 e, com isso, a empresa precisou buscar outros fornecedores. O principal fica em Rio Novo do Sul (ES), mas a matéria-prima vem também do Vale do Ribeira, em São Paulo, e de outros pontos do estado do Rio de Janeiro.
"A Juçaí transformou um ato criminoso, de explorar a palmeira-juçara e desmatar a espécie para a extração de palmito, em um ato laboral, em que você protege o bioma, ajuda produtores locais e preserva a árvore", diz Roberto Haag, CEO da Juçaí. A empresa garante que usa somente dois terços dos frutos de cada árvore, preservando o resto para ser consumido pela fauna local.
Impacto do crescimento
Mas um crescimento desses não pode impactar a proposta sustentável? A Juçaí diz que não, mas não dá detalhes. "Temos um planejamento de crescimento para até 2030. Estamos preparando toda a cadeia, com uma nova fábrica e expansão de malha logística. O crescimento da empresa permite ampliarmos os impactos positivos nas comunidades onde estamos inseridos", diz Haag.
Isso inclui a produção de inhame orgânico, que funciona como emulsificante natural do produto, substituindo preparados químicos; e a doação de 7,3 milhões de sementes aos municípios parceiros desde 2015. "A taxa de germinação média é de 8%. Então, estima-se que são 584 mil novas palmeiras-juçaras com essas ações", explica o CEO.
Juçara vs Açaí: há diferenças?
O executivo da Juçaí defende que seu produto tem cor e sabor mais vivos e agradáveis que o açaí tradicional. Na prática, você percebe pouca ou nenhuma diferença entre o fruto da juçara e o do açaizeiro.
E para a saúde? Em sua tese de doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a nutricionista Sheyla de Lins Baptista comparou os benefícios à saúde do açaí e do fruto da juçara.
Ambas as polpas aumentaram o chamado colesterol bom (HDL-c) e melhoraram a defesa antioxidante do organismo. Segundo Sheyla, os dois produtos "podem contribuir para melhorar a defesa antioxidante e atenuar o estresse metabólico e a inflamação, porém ainda é reduzido o número de estudos em humanos".
No estudo, o açaí amazônico aumentou quatro marcadores de defesa antioxidante e o da juçara, um. Mas a nutricionista afirma que isso não quer dizer que o da Amazônia seja melhor que o da Mata Atlântica. Ela considera um empate técnico. E para quem vive próximo a regiões de Mata Atlântica, a polpa da juçara acaba sendo um produto local e com benefícios a uma árvore ameaçada.
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