Fogo no Parcão: por que devemos parar ataques às Unidades de Conservação?
O desmatamento no Brasil sofreu aumento significativo nos últimos anos. Em 2021, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Amazônia teve mais de 12 mil km² desmatados, quase o dobro em relação a 2018. Desses, mais de 1.400 km² são de desmatamento em Unidades de Conservação (UC), áreas ambientais protegidas por lei.
Em meio a ataques, especialistas da área ambiental reforçam a importância das Unidades de Conservação na garantia da preservação da biodiversidade. É por causa da demarcação dessas áreas que parte da floresta segue em pé.
Quais foram as políticas de ataque às Unidades de Conservação nos últimos anos?
"Nesses últimos quatro anos a gente viveu um roteiro de destruição e uma política anti-ambiental com a Amazônia", explica o pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA) Antonio Oviedo. A percepção dele tem como fundamento, principalmente, as ações do governo Bolsonaro, responsável por altas taxas de desmatamento após um período de diminuição contínua nos governos anteriores.
A primeira ameaça às Unidades de Conservação aconteceu logo no primeiro ano de mandato, em 2019, ocasião em que o ministro do Meio Ambiente na época, Ricardo Salles, afirmou, em entrevista, que as UC's haviam sido definidas sem critérios técnicos e por isso deveriam passar por uma revisão.
Devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2018, que impede a anulação direta das UC's, acarretando em "ofensa ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental", a tentativa foi frustrada.
O desmonte, no entanto, foi sendo costurado de outras maneiras.
A demissão de funcionários e a substituição por pessoas não especializadas, com a nomeação de militares para cargos no Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio, acarretou,uma omissão generalizada na implementação dos deveres estatais
Antonio Oviedo, pesquisador do ISA
Como consequência, os órgãos do Estado passaram a ser submetidos a um comportamento "com um estímulo à ilegalidade", com desautorização de fiscalização ambiental e propostas de Projetos de Lei (PL) que visam flexibilizar as UCs na tentativa de permitir atividades de exploração mineral e de garimpo nessas áreas, o que hoje é proibido.
Como surgiram as Unidades de Conservação no Brasil?
Os biomas no Brasil possuem uma vasta representatividade biológica com características particulares de cada ecossistema. Foi a partir dessa compreensão, explica o pesquisador, que a comunidade científica começou a pensar em metodologias para identificar áreas de importância biológica e, com isso, utilizar mecanismos legais para proteger esses espaços, protegendo os povos originários, a fauna e a flora da região.
Desde a década de 1950 existem áreas protegidas, como os Parques Nacionais. Mas foi com a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) que se teve um marco legal de regulamentação dessas áreas, a partir de 2000. Com isso, as UCs podem ser demarcadas por legislação federal, estadual e municipal, e, nos dois últimos casos, toda política implementada deve ser mais restritiva do que prevê a lei federal.
Todas as Unidades de Conservação são iguais?
As Unidades de Conservação são divididas em duas categorias: de Uso Sustentável e de Proteção Integral. As primeiras são áreas protegidas em locais ocupados por comunidades tradicionais e com uso sustentável dos recursos naturais da área demarcada. Nesta categoria se enquadram as Reservas Extrativistas, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e as Florestas Nacionais (Flonas).
No caso das UCs de Proteção Integral não é permitida nenhuma ocupação humana e são áreas de uso restrito, como os Parques Nacionais, as Estações Ecológicas e os Monumentos Naturais. Oviedo explica que em alguns casos existem UCs de Proteção Integral com a presença de comunidades tradicionais.
Segundo o pesquisador, o poder público tem feito termos de ajustamento de conduta que vão tolerando a presença dessas comunidades dentro das áreas protegidas porque elas ajudam a preservar o local.
Qual o papel das Unidades de Conservação na preservação do meio ambiente?
Para se ter uma ideia da eficácia da demarcação das Unidades de Conservação, entre 2004 e 2012, período de implementação de grande parte delas, o desmatamento na Amazônia diminuiu em 84%.
Além disso, essas áreas possuem um papel fundamental na regulação climática já que ao preservar a floresta, elas ajudam a manter os índices de chuvas ideais para um sistema hídrico alimentar eficiente, contribuindo inclusive para as atividades do agronegócio e para a economia.
Outro aspecto importante mencionado pelo pesquisador é que a demarcação de áreas para não haver interferência humana, como no caso das UCs de Proteção Integral, garantem a proteção da fauna e evitam crises sanitárias, com transmissão de doenças por estresse causado aos animais.
Enquanto isso, preservar a flora é também um caminho para o encontro de espécies de plantas que podem curar doenças e servir como fármacos. "São exemplos bastante poderosos que mostram que a demarcação de áreas ambientais protegidas é uma estratégia muito positiva", explica.
E agora, o que precisa ser feito para recuperar as áreas desmatadas?
Diante do contexto de desmonte ambiental dos últimos anos e somado à emergência climática global, com todos os olhos e expectativas voltados para o Brasil, o mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá muitos desafios.
Para Oviedo, o principal impacto do novo governo será o restabelecimento de um canal de comunicação do Governo Federal com a sociedade civil organizada, ele espera que a comunidade científica, os Institutos em defesa da preservação do meio ambiente e os povos tradicionais sejam escutados sobre as políticas que devem ser implementadas nos próximos anos.
Nesse sentido, retomar a fiscalização nas Unidades de Conservação é fundamental para barrar o desmatamento, evitar atividades comerciais ilegais em terras ocupadas por povos tradicionais e para preservar a biodiversidade.
Para ele, a criação de novas equipes e a realocação de pessoas qualificadas e especializadas nos órgãos ambientais é o primeiro passo para dar início a um longo período de trabalho, que, em sua opinião, vai exigir mais do que quatro anos para a reparação ambiental. "Vai ser difícil, mas eu acho que vamos ter ganhos", diz.
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