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'Puta Amada Brasil': Daspu cria coleção para Copa com prostitutas liderando

Modelos posam para campanha "Puta Amada Brasil", da Daspu - Vidafodona/Reprodução/Instagram-@daspubrasil
Modelos posam para campanha 'Puta Amada Brasil', da Daspu Imagem: Vidafodona/Reprodução/Instagram-@daspubrasil

De Ecoa, em São Paulo

09/12/2022 06h00

Criada em 2005, a Daspu está em uma nova fase. A marca ligada ao Coletivo Puta Davida lançou em novembro a coleção "Puta Amada Brasil", com camisetas temáticas da Copa idealizadas e produzidas pelas trabalhadoras sexuais, que agora são gestoras da Daspu.

"A bandeira também é nossa. Queremos um Brasil em que estejamos incluídas", disse a Ecoa uma das coordenadoras do projeto, que usa o pseudônimo Patrícia Rosa.

As peças são limitadas e estampam frases inéditas e reedições de coleções anteriores (como "Lute Como uma Puta"). A compra ajuda a financiar uma série de projetos da organização, que vão do enfrentamento à violência contra prostitutas à realização de um documentário sobre a Daspu.

Quase uma década após a morte de Gabriela Leite, fundadora da Daspu e uma das maiores lideranças do movimento organizado de prostitutas do Brasil, marca e coletivo estão resgatando o protagonismo das trabalhadoras em todos os processos.

Nesse período, "a Daspu foi gerida por uma não trabalhadora e as trabalhadoras questionavam isso. Nosso conhecimento é muito rico, somos capazes de gerir uma marca", disse Patrícia.

O apoio mínimo à campanha é de R$ 10, que tem como recompensa o convite para eventos da marca. Já as peças podem ser adquiridas a partir de R$ 69. A meta inicial é de R$ 20 mil, que serão usados para ampliar e dar continuidade aos projetos, criar novas coleções e garantir que a Daspu seja autossustentável.

'É raro um projeto em que prostitutas mostrem orgulho'

1 - Zanone Fraissat/Folhapress - Zanone Fraissat/Folhapress
A ativista em prol da profissionalização das prostitutas no Brasil Gabriela Leite
Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Gabriela Leite fundou a ONG Davida (hoje Coletivo Puta Davida) em 1992, e esteve à frente da organização nacional da categoria. No início dos anos 2000, quando a loja de luxo Daslu enfrentava uma investigação de sonegação fiscal que a levaria à falência, a ativista teve a ideia de criar uma marca para financiar projetos para prostitutas. Por conta do preconceito, elas tinham dificuldade de encontrar patrocínio.

Segundo Patrícia, isso acontece até hoje. "No Brasil ainda tem muito preconceito, as marcas não querem se vincular às prostitutas", disse a coordenadora. "Mas a Daslu faliu e a gente não. Temos uma dinâmica mais igualitária".

Para ela, a dificuldade é ainda maior pelo fato de a Daspu se apresentar de maneira orgulhosa: "É raro ter um projeto em que prostitutas mostrem orgulho. Somos sempre colocadas no lugar de vitimização".

Esse tom está presente desde o início nas mensagens provocadoras colocadas nas camisetas da Daspu. Leite defendia o uso da palavra puta para ressignificar seu sentido pejorativo, e ela tem sido um elemento constante nas peças da marca.

Com isso, além de custear os vários projetos do coletivo, a Daspu lida com o estigma da categoria. "[A camiseta] dá um pouco da experiência do que uma mulher sofre quando assume que é prostituta", disse Patrícia.

"A Daspu é revolucionária. Ela levanta a nossa autoestima", disse a Ecoa Betânia Santos, trabalhadora sexual e modelo da Daspu há mais de dez anos. "Pra mim é motivo de muito orgulho que a marca esteja sendo dirigida por nós mesmas. Deu muito mais sentido pra minha atuação dentro da Daspu: hoje posso ter uma participação maior nas tomadas de decisão. Afinal de contas, a Daspu é das putas".

Sem desperdício

Com as trabalhadoras na coordenação, a marca tem buscado valorizar o conhecimento prático e a criatividade das prostitutas, além de capacitá-las nas áreas de moda e arte.

"É muito importante pra gente que essas mulheres possam se legitimar através dos cargos que elas ocupam na Daspu", disse a Ecoa Rafaela de Sá, coordenadora da Daspu e do Coletivo Puta da Vida.

A nova gestão também implementou mudanças na remuneração: pessoas que colaboram com a marca e não exercem o trabalho sexual tem no mínimo 20% do pagamento direcionado aos projetos sociais do coletivo. Além disso, trabalhadoras têm 20% de desconto nos produtos.

As coordenadoras acompanham os debates sobre sustentabilidade na moda e aplicaram alguns princípios na coleção "Puta Amada Brasil". Assim nasceram os "putopinhos", modelo de top/saia feito com retalhos.

"Com a sobra do material, vi a possibilidade de criar peças menores e produzir menos lixo, reduzir o desperdício", disse Rafaela Sá. A marca também aceita doações de tecido e descarte de empresas.

"Queremos produzir menos e agregar mais valor. Mostrar que uma roupa da Daspu ajuda um monte de pessoas em diversas frentes", completou a coordenadora Patrícia Rosa.