Café em cápsula de papel? Nestlé lança produto só no Brasil após pressão
Elas estão nos escritórios, consultórios e salas de espera. Graças a elas, a garrafa térmica perdeu espaço, e o filtro de papel está sobrando. Estamos falando das cápsulas de café. Seu consumo cresce a cada ano. Uma pesquisa de mercado calcula que, somente nos Estados Unidos, o consumo de café em cápsula foi de 1,8 milhão de máquinas desse tipo vendidas ao ano, em 2008, para quase 21 milhões em 2018.
Mas onde é que vão parar esses milhões de coloridas embalagens após seu cafezinho?
A pergunta acima ressoou na sede da Nestlé em Vevey, na Suíça. A empresa, gigante do setor de alimentos e bebidas, é dona das marcas de café em cápsula Nespresso e Dolce Gusto.
Criado nos anos 1980, o café em cápsula se tornou um fenômeno nos anos 2000. A entrada da China no mercado internacional barateou as máquinas e a publicidade ajudou: George Clooney virou o garoto-propaganda da Nespresso, em 2006, vendendo luxo e exclusividade, e os comerciais da Dolce Gusto miraram na praticidade.
Estaria tudo ótimo, mas na década de 2010 o mantra do mercado atende por três letras: ESG. Sigla em inglês para a trinca "meio ambiente, social e governança". Os grandes fundos globais (e os consumidores conscientes, especialmente da Europa) não têm mais olhos para marcas poluidoras do planeta.
Se a Nestlé aumentou o problema, então, precisava encontrar a solução. Em dezembro, a multinacional anunciou um investimento de R$ 300 milhões até 2025 na fábrica de Montes Claros, Minas Gerais, para produzir a primeira cápsula de papel para a Dolce Gusto. O Brasil será o primeiro país a testá-las. Foram cinco anos de desenvolvimento em meio a uma década de urgências ambientais cada vez mais graves.
A batalha do cafezinho
Em 2016, a cidade de Hamburgo, na Alemanha, proibiu as cápsulas de café. Era um sinal amarelo. Em 2012, a patente da cápsula foi quebrada nos tribunais europeus e dezenas de concorrentes da Nestlé lançaram as próprias linhas - inclusive, com modelos mais sustentáveis. Com o volume gerado por tantas cápsulas sendo produzidas, o lixo aumentou e as proibições poderiam ser estendidas a outras partes da Europa e, consequentemente, do mundo.
No ano de 2018, uma investigação do Greenpeace listou a Nestlé como a terceira maior empresa com volume de plástico encontrado no litoral de 42 países. Nessa altura, já havia um programa de reciclagem próprio para as cápsulas, embora os dados do seu sucesso sejam sigilosos.
No caso brasileiro, as cápsulas são recolhidas em cooperativas e pontos de coleta localizados em lojas da Nespresso, especialmente no Sudeste, o principal mercado no país. "Também estamos ampliando o envio gratuito pelos Correios", afirma Taissara Martins, engenheira agrônoma e gerente de ESG para cafés e bebidas Nestlé Brasil, nas instalações em Orbe, Suíça.
Segundo Taissara, o material é reciclado juntamente com as sacolas plásticas onde são depositadas. Ela também garante que cápsulas concorrentes são recicladas sem qualquer preconceito por parte da empresa.
No caso, é necessário contar com a boa vontade do bebedor de café, que além de separar as cápsulas, precisa ter tempo e paciência de guardá-las e despachá-las nos Correios mais próximos sempre que liquidar seu estoque de cafezinhos.
A canção do Alumínio e Plástico
Apesar da iniciativa, estudos e ambientalistas defendem que a reciclagem é incapaz de acompanhar o ritmo da produção das grandes empresas, especialmente do plástico.
"Os dados são claros: praticamente a maior parte do plástico não é reciclável", defendeu Lisa Ramsden, do Greenpeace norte-americano, durante a COP27. Um estudo britânico mostra que, das 39 mil cápsulas de café produzidas no mundo a cada minuto, 29 mil vão parar em lixões e aterros.
As cápsulas da Nespresso atuais são em maior parte de alumínio, material mais valorizado e, consequentemente, mais reutilizado pela indústria. As cápsulas da Dolce Gusto, por outro lado, são feitas principalmente de plástico, que é reciclável, mas menos valorizado.
O novo modelo é feito de papel e um polímero biodegradável. A nova cafeteira, chamada NEO, deverá custar R$ 899 e será composta por 50% de plástico reutilizado, diz a empresa.
O papel, utilizado nas novas cápsulas, tem o selo de confiança da ONG internacional FSC, mas não há como rastrear a origem precisa do papel, uma prática adotada por parte da indústria com o uso do QR Code.
As embalagens poderão ser usadas para compostagem após o uso, quando são "plantadas" e consumidas por microrganismos em até seis meses, segundo a companhia. Os representantes, porém, não sabem o tempo preciso do desaparecimento da cápsula se jogada na natureza.
O dilema do plástico
A vantagem do plástico em relação aos demais materiais, como o papel, é justamente seu maior problema: o polímero sintético é maleável, não enferruja, mantém as qualidades do produto que embala e ainda é leve e resistente. Ou seja: facilita criar recipientes específicos para preservar o alimento - seco, molhado, mole, crocante - por mais tempo e transportá-lo por grandes distâncias.
A pesquisadora Márcia Aouada, doutora do departamento de física e química da Unesp (Universidade Estadual Paulista), estuda polímeros biodegradáveis. Esses polímeros são plásticos consumidos mais rapidamente por microrganismos, o que faz com que eles não se acumulem por séculos na natureza poluindo rios e mares. Segundo Márcia, embora a Nestlé não revele qual é o polímero biodegradável usado para lacrar suas novas cápsulas, o plástico natural pode ser feito desde cascas de laranja a carapaças de camarão.
O plástico comum, por outro lado, pode levar até 400 anos para desaparecer. Isso significa que o primeiro objeto plástico ainda pode estar em algum lugar do planeta. "O polímero biodegradável pode desaparecer em questão de dias", afirma a pesquisadora.
Os tais plastiquinhos
Estudos identificaram que o plástico comum se fragmenta no oceano em microplásticos, pedaços de plásticos ingeridos por seres marinhos e humanos com efeitos tóxicos. As descobertas aumentaram a discussão internacional em relação ao plástico, o que também pressionou as grandes fabricantes, como a Nestlé.
Em 2018, foi lançado o Compromisso Global Por Uma Nova Economia de Plástico, da ONU. O documento possui o compromisso de países, cidades e companhias internacionais para diminuir e abolir o plástico. Entre os signatários está a Nestlé. As metas, porém, podem não ser atingidas.
A gigante suíça se comprometeu a repensar todas as embalagens para torná-las 100% recicláveis até 2025, o que significa recipientes menores e com menos uso de plástico. Em 2018, apenas 3% dos novos produtos fabricados eram reutilizados e 11 toneladas de CO2 foram lançadas para produzir plástico da Nestlé.
As novas cápsulas da Dolce Gusto são vistas como um pontapé inicial na Copa pela sustentabilidade sendo disputada em Vevey. A Nestlé ainda tem dezenas de marcas, embaladas por plástico e outros materiais a serem repensadas, que vão de chocolates, achocolatados, leite condensado, suplementos, água mineral, café solúvel e até comida para pets (como a Purina).
* O repórter viajou a convite da Nestlé.
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