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Do circo ao Irã: O xeque que se une ao pe. Lancellotti para ajudar pessoas

Xeque Rodrigo Jalloul une forças com padre Júlio Lancellotti semanalmente para atender pessoas em situação de rua - Denis vieira/Centro Islâmico Fátima Zahra
Xeque Rodrigo Jalloul une forças com padre Júlio Lancellotti semanalmente para atender pessoas em situação de rua Imagem: Denis vieira/Centro Islâmico Fátima Zahra

Paula Rodrigues

de Ecoa, em São Paulo (SP)

28/12/2022 06h00

No dia de Natal, uma notícia se espalhou nas redes sociais por causa de uma união inusitada: o padre Julio Lancellotti reuniu um xeque, um pai de santo, um monge e uma bruxa para alimentar 600 pessoas em situação de rua, na zona leste de São Paulo.

Mas o que poucos sabem é que não é só no dia 25 de dezembro que esse encontro acontece.

Especialmente entre o padre e o xeque paulistano Rodrigo Jalloul - que nos últimos anos têm compartilhado a devoção religiosa, mas principalmente a missão de ajudar quem mais precisa.

"Tem sido muito importante porque nossa convivência não se dá em termos de doutrina religiosa, mas de compromisso social. Embora ele venha participar e assistir às celebrações na igreja, nossa convivência é de amizade e de colaboração em prol dos irmãos de rua", afirmou o padre Julio em entrevista a Ecoa no ano passado.

O xeque Rodrigo Jalloul na mesquita localizada na garagem da casa em que mora em São Paulo - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL
O xeque Rodrigo Jalloul na mesquita localizada na garagem da casa onde mora em São Paulo, em 2021
Imagem: Felipe Larozza/UOL

Foi com o padre, a quem chama de "professor", que o xeque aprendeu a fazer trabalho social.

Primeiro ouviu o sacerdote falar sobre em um evento que aconteceu em 2016, depois começou a entender que ajudar pessoas ia além de dar comida e roupas. Era preciso conviver com elas, saber quem elas eram e principalmente ouvir para entender.

Hoje, quase todos os dias da semana, às 19h, ele para o carro em uma rua da zona leste de São Paulo, descarrega marmitas (preparadas pelo pai de Rodrigo) e começa a entregá-las junto a palavras e abraços a uma fila de pessoas em situação de rua que se forma mesmo antes dele chegar.

Assim como o padre Julio Lancellotti faz em sua paróquia em dias mais frios, a mesquita que o xeque construiu na garagem da casa onde mora - agora toda pintada de branco, com carpete verde e sofás dourados - abre as portas e vira um abrigo.

O xeque Rodrigo Jalloul em entrevista a Ecoa - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL
O xeque Rodrigo Jalloul em entrevista a Ecoa
Imagem: Felipe Larozza/UOL

Filho de pai muçulmano, descendente de libaneses, e de mãe católica, descendente de espanhóis, Rodrigo conta que a ligação com o Islã veio quando tinha 15 anos. Antes disso, a vida era outra e o sonho de criança era poder se tornar produtor de TV.

A veia artística tinha uma explicação: o avô materno era dono de um circo em São Paulo. Nas fotos que guarda, o xeque aparece ainda bebê ao lado do avô e de personagens famosos como o palhaço Bozo, a Mara Maravilha e os Trapalhões. Ele próprio já foi "meio famoso": Rodrigo e a irmã foram os Bananas de Pijamas no espetáculo por um tempo.

Mas em 2007 viria o convite que mudou sua vida. Foi convidado para estudar para ser xeque no Irã e aceitou. Estudou na Universidade Al-Mustafa, na cidade de Qom. Em 2013, recebeu o turbante branco que usa até hoje, sendo reconhecido como um mulá, ou seja, um sábio religioso.

Seu plano era ficar por lá, mas ao voltar de uma visita ao Brasil naquele ano, Rodrigo foi deportado quando chegou ao aeroporto iraniano. À época, como apurado pela Folha de S. Paulo, nenhuma explicação foi dada pela deportação. E até hoje Rodrigo suspeita que a decisão ocorreu pelas críticas que fazia a alguns líderes religiosos acusados de terrorismo no país.

O xeque Rodrigo Jalloul durante doação de alimentos na Vila Matilde, zona leste de SP - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL
O xeque Rodrigo Jalloul durante doação de alimentos na Vila Matilde, zona leste de SP
Imagem: Felipe Larozza/UOL

As primeiras doações

A realização de que seria necessário ajudar o próximo aconteceu há doze anos, quando ainda estudava para se tornar xeque. Andando pela mesquita que costumava frequentar, encontrou um depósito cheio de caixas e sacolas com roupas. Eram doadas por lojas para o centro religioso quando "saíam de moda".

"Eu perguntei por que não doavam tudo, então, e responderam que não tinham ninguém para dar... Como assim não tem ninguém precisando? No Brasil?! Eu fiquei chocado, depois entendi que estavam falando que não tinha nenhum muçulmano precisando", conta Rodrigo.

O xeque Rodrigo Jalloul e Bruna Garrido durante doação de alimentos - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL
O xeque Rodrigo Jalloul e Bruna Garrido durante doação de alimentos
Imagem: Felipe Larozza/UOL

Indignado, conseguiu a autorização do presidente da mesquita para doar as roupas para qualquer pessoa, independente de religião.

Assim, começou uma busca pela internet: Digitava "caridade" e ia nos lugares que faziam trabalho social que encontrava pelo bairro. Foi em abrigos, terreiro, igrejas evangélicas e católicas, organizações sem fins lucrativos, por exemplo.

Vem desde então se dividindo entre as funções religiosas e os trabalhos sociais.

Na última sexta-feira (23), xeque Rodrigo e o padre Julio Lancellotti se uniram mais uma vez para comprar uma casinha de pallet para uma pessoa que vivia ao lado de um córrego, em situações precárias, na Penha, zona leste de São Paulo (SP).

Xeque Rodrigo Jalloul, do Centro Islâmico da Penha (SP)

PIX: 11 992790473

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Padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua (SP)

Banco Bradesco| Ag: 0299
Cc: 034857-0 |
Cnpj: 63.089.825/0097-96
PIX: 63.089.825/0097-96