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Presidente da Funai: 'Nosso orçamento não é suficiente e Lula sabe disso'

"Estamos retomando a Funai", diz primeira presidente indígena do órgão, Joenia Wapichana - Ricardo Stuckert/Divulgação
'Estamos retomando a Funai', diz primeira presidente indígena do órgão, Joenia Wapichana Imagem: Ricardo Stuckert/Divulgação

Camilla Freitas

De Ecoa, em São Paulo (SP)

03/01/2023 06h00

Joenia Wapichana (Rede) estava na lista que pleiteava o inédito Ministério dos Povos Originários, que foi ocupado por Sônia Guajajara (PSOL). Contudo, a líder indígena fará parte do governo também com ineditismo: será a primeira pessoa indígena a ocupar a presidência da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Em entrevista exclusiva a Ecoa, a advogada falou sobre o novo momento do órgão sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e quais são os maiores desafios da Funai para todo o mandato.

Ecoa: Qual o cenário que você encontrou em sua visita à Funai?

Joenia Wapichana: Os servidores e lideranças indígenas que estavam presentes me receberam com uma festa de boas-vindas. Todo mundo animado, querendo mudanças. Uma frase que eu ouvi e que me deixou bastante empolgada foi "a Funai é nossa!". A Funai abre as portas novamente para os povos indígenas. Estamos retomando a Funai para mudanças positivas.

Ecoa: Qual a primeira (ou primeiras) medida que você vai tomar?

Joenia Wapichana: Tirar tudo o que foi feito pelo ex-presidente da Funai [Marcelo Xavier] como o fato de ele ter colocado pessoas no órgão com pensamentos anti-indígenas.

Ecoa: O que a Funai vai fazer para combater o garimpo ilegal nas terras indígenas?

Joenia Wapichana: Eu ainda não assumi, mas quando eu tomar posse faremos reuniões com Ministério da Justiça, Ministério dos Povos Originários, Ibama, para fazermos esse planejamento. O presidente Lula disse que dará prioridade e apoio para que isso seja feito.

Ecoa: Como trabalhar com o orçamento estipulado de cerca de 600 milhões?

Joenia Wapichana: Esse orçamento não é suficiente, mas o presidente Lula já sabe disso e, com isso, eu espero que a Funai tenha um apoio financeiro a mais por conta das necessidades do órgão que é tomar conta de 14% do território brasileiro. Assim como saúde e educação são prioridades, os povos indígenas também o são.

Mas a PEC [da Transição] também dá a possibilidade de conseguirmos parcerias com fundos internacionais. Então vamos buscar apoio a projetos para que não fiquemos restritos ao orçamento. Espero que o que foi colocado na PEC possa acontecer.

As terras indígenas são estratégicas para a conservação da biodiversidade e para o enfrentamento das crises climáticas.

Joenia Wapichana

Ecoa: Na sua ida à Funai hoje você chorou ao lembrar do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira assassinados no Vale do Javari. Qual legado eles deixaram que será incorporado à nova administração da Funai?

Joenia Wapichana: A responsabilidade do órgão em relação aos seus servidores. Não se trata apenas de um jornalista e de um servidor, são vidas que importam. Nós temos que valorizar os servidores para que eles cumpram seu papel.

A proteção das terras indígenas é uma urgência e temos que busca melhorar a execução dessa obrigação e o que Bruno e Dom nos deixam é essa visibilidade porque a omissão levou a esse assassinato.

Seis pontos para conhecer Joenia Wapichana

Não é à toa que a nomeação de Joenia Wapichana para a Funai foi tão comemorada por lideranças indígenas. A atuação da ex-deputada em prol dos povos originários e sua formação são vastas. Confira:
  1. Ao ser eleita, em 2018, Joenia se tornou a primeira e única representante indígena feminina na Câmara dos Deputados.
  2. Ela também foi a primeira indígena a se formar em direito no Brasil, pela Universidade Federal de Roraima, em 1997.
  3. Em 2011, ela foi a primeira indígena a completar um mestrado nos Estados Unidos.
  4. Joenia se tornou a primeira indígena, em 2004, a denunciar violações do Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
  5. Em 2008, foi a primeira advogada indígena a fazer uma sustentação oral diante do Supremo Tribunal Federal (STF).
  6. E, em 2018, recebeu o principal prêmio de Direitos Humanos das Nações Unidas, feito que divide com Malala Yousafzai e com o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela.

Seis pontos para entender o que foi a Funai sob Bolsonaro

Mais militares em cargos técnicos, aumento do desmatamento, demarcação zero e assédio são alguns dos pontos destacados por um dossiê inédito feito pela Indigenistas Associados (INA), e pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O documento analisa o que foi a Funai durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Seguem seis pontos de acordo com o documento:

  1. O presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, era ligado a Nabhan Garcia, secretário dos assuntos fundiários do Ministério da Agricultura e líder ruralista.
  2. Apenas duas das 39 Coordenações Regionais do órgão foram chefiadas por servidores públicos, o resto esteve no comando de policiais federais e militares.
  3. Conforme aponta o dossiê, Xavier perseguiu e constrangeu servidores concursados "por meio de obstáculos ao exercício de suas funções"
  4. Burocracias como aprovação de viagens foram dificultadas e servidores apontaram que o próprio custeio dessas expedições passou a ser pago do próprio bolso.
  5. Nenhuma terra indígena foi demarcada, o que fere a Constituição que determina demarcações.
  6. Por meio de uma resolução a Funai tentou definir critérios para indicar quem é ou não indígena o que fere princípio da autoidentificação.