O que é campo de concentração? Saiba se já existiu no Brasil
A prisão de golpistas envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, ocorrido no último domingo, trouxe para o debate público comparações com um dos símbolos dos horrores do Holocausto.
Munidos dos próprios celulares enquanto estavam detidos no ginásio da Academia Nacional da Polícia Federal, bolsonaristas usaram as redes sociais para comparar a condição de sua prisão e o encarceramento em campos de concentração nazistas. Eles reclamaram da estrutura, banheiros e alimentação fornecidos a 1,2 mil pessoas levadas para o local.
Historicamente, os campos de concentração foram usados para o extermínio da população judaica por Adolf Hitler, antes e durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Somente no campo de concentração polonês de Auschwitz, por exemplo, foram mortos 1,1 milhão dos mais de 6 milhões de judeus assassinados pelos nazistas.
Pelo Twitter, o Museu do Holocausto de Curitiba classificou a comparação como desonesta e desrespeitosa à memória das vítimas do maior genocídio do século XX. A instituição também destacou que, diferentemente do que ocorreu com os judeus, "os detidos por se manifestarem a favor de um golpe contra o Estado democrático de direito têm garantido o direito à ampla defesa, comunicação, alimentação e tudo o que o sistema garante, até mesmo a quem viola as suas regras mais fundamentais."
O comentarista da GloboNews e mestre em Relações Internacionais Guga Chacra também engrossou o coro de postagens contrárias à analogia bolsonarista. Ele reforçou que os detidos em campos de concentração controlados pela Alemanha nazista "eram civis que não haviam cometido nenhum crime ou ato terrorista".
Mas como eram, de fato, os campos de concentração nazistas? Como era a vida dos prisioneiros? E por que locais como esse, criados por um regime supremacista, ainda pairam sobre o imaginário coletivo? Ecoa ouviu especialistas para explicar esse assunto:
O que são campos de concentração?
Campos de concentração são construções militares criadas durante a Alemanha nazista com o objetivo de manter presos inimigos políticos. Quem era enviado para esses centros era submetido à fome, tortura, experimentos médicos e execução sumária, aponta a publicação Facts About Holocaust, organizada pela Unesco em parceria com o World Jewish Congress.
O primeiro campo que se tem registro foi o aberto em Dachau, na região da Baviera, em 1933. Nessa época, os presos eram comunistas, socialistas, social-democratas, testemunhas de Jeová e homossexuais. Foi a partir do início da Segunda Guerra Mundial que os alemães aumentaram a rede de campos de concentração e a perseguição aos judeus. A estrutura era diversa: havia tanto campos que exploravam o trabalho dos prisioneiros, caso de Neuengamme, na Alemanha; campos que buscavam facilitar a deportação deles, como o de Westerbork, nos Países Baixos; como também campos de extermínio, caso de Treblinka e o de Auschwitz, ambos na Polônia. Esses últimos eram equipados com câmaras de gás e crematórios.
Como eram essas estruturas?
O sociólogo Fábio Mariano Borges, especialista em Diversidade e Inclusão pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), visitou recentemente os campos de Auschwitz-Birkenau, centros que mais exterminaram judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Ele relata que as estruturas apresentam características muito peculiares porque não lembram um presídio, apesar de terem sido administradas somente por militares. "Eram áreas grandes, abertas, que remetem à ideia de uma fazenda, com alojamentos. Esse terreno costumava ser todo cercado e com um controle muito forte sobre quem entrava e saía. Uma vez lá dentro, as pessoas só poderiam obedecer. Não era um lugar onde você poderia, por exemplo, pedir uma revisão de pena ao juiz", explica.
A máquina de propaganda nazista, contudo, vendia a imagem dessas áreas como centros de inovação e industrialização. Ao chegarem ao local, assinala Borges, os prisioneiros não tinham ideia do que os aguardava.
Como os presos eram tratados nesses locais?
Os prisioneiros chegavam aos campos de concentração após longas viagens de trem. "Muitos eram levados com muita bagagem e acreditavam que estavam realmente indo trabalhar. Mas ao chegar ao local, a realidade começava a ser apresentada. Alguns já iam diretamente para a câmara de gás", comenta Borges.
Já nas primeiras horas, os detidos perdiam o acesso aos próprios pertences e passavam por sessões de humilhação em público com a retirada, por exemplo, de óculos de grau, muletas e ordens para ficarem nus diante de todos. A comunicação entre eles também era proibida. "Os militares decidiam para qual fila cada um deveria ir e famílias eram separadas. Quem tinha dificuldade de atender as ordens, era morto", pontua o sociólogo.
É por conta desse contexto que a historiadora e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Maria Cecília Pilla, afirma que não vê sentido algum na comparação feita pelos detidos no ginásio da PF em Brasília.
Ela argumenta que campos de concentração são estruturas que envolvem uma situação de exceção e que as pessoas mais vulneráveis, no caso nazista, foram as primeiras a serem executadas. "Em Brasília, as pessoas presas estavam com celular, têm monitoramento de um Estado que defende direitos humanos e do Conselho Tutelar também", assinala a professora, que acredita que se apropriar da narrativa do Holocausto nessas condições ainda é uma dinâmica comum junto aos grupos mais radicais e sua tentativa de inverter os acontecimentos.
Qual o impacto desses campos junto à população detida?
Borges sustenta que a dinâmica de aniquilação dos prisioneiros nos campos de concentração começava antes mesmo do fuzilamento ou envio para câmara de gás. "Havia uma negação da memória. A pessoa não podia mais usar o próprio nome. Junto com o uniforme, recebia um número. A prática disciplinadora buscava desumanizar, desvalorizar o passado, qualquer coisa que pudesse identificá-la como ser humano", diz o sociólogo. "A morte chegava muito rápido", afirma ele. Quem sobreviveu, observa o sociólogo, foi encontrado doente e em estado de desnutrição severa.
O que fazer para evitar comparações inapropriadas envolvendo o Holocausto?
A historiadora Maria Cecília Pilla aposta na educação como recurso para a ampliar o conhecimento sobre os fatos históricos e o impacto do Holocausto no mundo. "Infelizmente, tivemos muitos retrocessos", diz.
A preservação da história também tem seu papel, argumenta o sociólogo Fábio Mariano Borges. Parte dos campos de concentração nazistas, como Auschwitz, foi preservada e transformada em memoriais na Europa. "Vemos muitas excursões de escola fazendo essa visita. Eles acreditam que essa preservação ajuda a evitar que a humanidade se esqueça dessas atrocidades", diz.
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