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Com café do Congo, empresário quer mudar mercado que já movimentou R$ 60 bi

 Fundador da Café Quilombo percebeu racismo após estudar histórias dos grãos de café. - Matheus Campany/Divulgação Café Quilombo
Fundador da Café Quilombo percebeu racismo após estudar histórias dos grãos de café. Imagem: Matheus Campany/Divulgação Café Quilombo

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, Em São Paulo (SP)

18/01/2023 06h00

O café preto escaldante na xícara é rotina matinal de muitos brasileiros — e o hábito estimulante reflete nas lavouras de cultivo do grão no país, que registraram mais de R$ 60 bilhões em faturamento bruto em 2022, de acordo com a Embrapa.

Por trás do número expressivo e de sucesso há uma história ligada ao período escravocrata brasileiro, em que pessoas negras escravizadas trabalhavam de sol a sol para garantir a produção dos cafezais, mas ficavam bem longe do lucro gerado.

Para Danilo Negrete, fundador da empresa Café Quilombo, que comercializa cafés especiais de grãos do Congo (mas são também plantados atualmente no Brasil), a riqueza que foi gerada por pessoas negras há mais de 500 anos ainda está longe das mãos negras nos dias de hoje - e ele quer mudar ao menos um pouco essa lógica com a sua empresa.

"Quando me interessei por esse mercado, percebi que quase tudo que aprendia sobre café era com pessoas brancas, pois ainda há poucas pessoas negras nesse meio, o que é irônico - sendo que o negro que trouxe essa riqueza ainda é visto de forma marginalizada e o que tem menos participação nesse tipo de negócio", diz Negrete.

As embalagens do Café Quilombo fazem referência à cultura negra e trazem os rostos de mulheres que marcaram a história como símbolos de força e resistência, como Tereza de Benguela, que foi líder quilombola e a guerreira Dandara dos Palmares.

"É parte da representatividade levar a história dessas mulheres negras, sinto que o nosso próprio povo também não conhece a origem do café, isso deveria ser motivo de orgulho assim como é a massa para os italianos e seus descendentes", afirma o fundador.

Mudando o ouro de mãos

Se no passado o café já foi conhecido como 'ouro negro' no Brasil, hoje Danilo deseja redistribuir esse ouro também a outras mãos - e privilegia a contratação de pessoas negras em sua empresa e de regiões periféricas. Ao todo, 80% da empresa é formada por esses profissionais.

O rosto de Dandara dos Palmares ilustra as embalagens do Café Quilombo. - Matheus Campany/Divulgação Café Quilombo. - Matheus Campany/Divulgação Café Quilombo.
O rosto de Dandara dos Palmares ilustra as embalagens do Café Quilombo.
Imagem: Matheus Campany/Divulgação Café Quilombo.

"Para fazer essa contratação busco projetos sociais que tem foco em formação de profissionais negros. Me envolvo em muitas feiras e acabo descobrindo esses candidatos. Fora desse meio, ao pedir uma indicação, 90% das pessoas são pessoas brancas", conta Negrete.

Criada em 2020, a empresa que fica na capital de São Paulo tem apenas seis funcionários, mas comercializa cerca de 240 kg de café por mês, que são vendidos principalmente a revendedores, cafeterias ou no varejo pelo site.

O fotógrafo Matheus Campany, 30, que reside em São Gonçalo, Rio de Janeiro, foi uma das pessoas contratadas pela empresa, mesmo morando em outro estado.

"Nos conhecemos em um evento, ele precisava de oportunidades para entrar na área e não encontrava esse meio. Agora, enviamos os produtos para que fotografe em sua casa e em alguns eventos ele vem até São Paulo", conta o fundador da Café Quilombo.

Para Campany, essa foi a oportunidade de entrar em uma profissão que considera um pouco elitista e aprimorar o seu material de trabalho. "Foi uma forma de me mostrar um caminho e uma oportunidade, principalmente porque as câmeras e as lentes são bem caras e de difícil acesso para quem está começando", diz o fotógrafo.

Negrete tem diversos distribuidores brasileiros do tipo de grão que comercializa, mas entre os quais faz questão de manter a parceria com uma cooperativa gerenciada por profissionais negros.

"Quando compramos a safra deles é preciso refazer um processo para remover as impurezas novamente, pois eles não têm máquinas da mesma qualidade de produtores maiores. Mas como cobrar deles a mesma qualidade de produtores que estão no ramo desde a escravidão?", indaga o fundador.

Grãos africanos e o entender-se negro

Debruçar-se em uma longa pesquisa sobre a origem dos grãos fez o empreendedor perceber um embranquecimento da história do café:

"Percebi que por falta de conhecimento muitas pessoas associavam a origem do café como algo vindo da Europa, e não do continente africano. Nesse processo também comecei a enxergar um racismo velado que sofria", conta.

E recorda ocasiões em que isso aconteceu: "Por vezes, é comum me confundirem com um representante comercial. Com o tempo, percebi que eu mesmo demorei para me aceitar como um homem negro, alisando meu cabelo para me sentir melhor, mas o racismo sempre me acompanhou", diz.

Para Negrete, trazer essa representatividade em sua empresa e em seu produto, é uma forma de levar a história do café adiante e colaborar de alguma forma:

"Sinto que podemos usar a segunda bebida mais consumida no mundo como veículo de transformação social para uma sociedade antirracista, levando o nome do quilombo e as histórias do nosso povo", acredita.