Ela venceu preconceito, abriu salão e faz cortes grátis para pessoas trans

Corine Verona é uma mulher trans de 24 anos que viveu toda sua vida em Curitiba, no Paraná. Hoje, ela utiliza seu dom com as tesouras para acolher outras pessoas trans que, assim como ela, buscam externalizar o seu eu interior.

Sua disforia de gênero começou aos 12 anos. Sem referências de outras pessoas trans, ela não entendia o que estava acontecendo. Restava apenas uma conversa solitária com ela mesma.

"Aos 16 anos eu falei que era uma pessoa trans mas ainda não me via como uma mulher, então passei a me identificar como uma pessoa não-binária e dizia que não ligava para gênero".

Toda vez que era tratada no gênero masculino um sentimento de tristeza tomava conta. "Minha melhor amiga era uma mulher cis e teve que retirar o útero, a gente falava muito sobre isso. Ela dizia que muitas pessoas consideravam ela menos mulher e a gente se apoiava muito. Se uma mulher cisgênera era considerada menos mulher por ter retirado o útero, eu como pessoa trans que me identificava com o aspecto feminino também era considerada menos mulher pela sociedade".

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Ser mulher para mim nunca foi sobre usar um tipo de roupa ou aparentar algo que me faria mulher. Era algo que tinha dentro de mim, Corine Verona, cabeleireira.

Primeiros sinais de transfobia

Após se libertar de amarras sociais e imposições de gênero, Corine teve a certeza de que era uma mulher e buscou sua própria essência em um momento que, segunda ela, "tudo fluiu muito na minha vida".

Colocando-se no mundo como uma mulher trans, entretanto, sofreu também com as primeiras violências transfóbicas.
Em meio à pandemia de covid-19 ela resolveu trabalhar com cabelos, algo que sempre lhe chamou a atenção. Apesar de já possuir alguma experiência na área, as dificuldades para conseguir um emprego foram enormes.

"Em todos os lugares as pessoas se afastavam de mim. Elogiavam meu trabalho, mas diziam que muitos clientes não eram receptivos a pessoas como eu. Diziam que poderia chegar alguma cliente de mais idade que não entenderia. Pensei em me prostituir, era isso que as pessoas diziam que era o lugar de gente igual a mim".

Nesse período o apoio da família foi fundamental. Depois de meses procurando, ela encontrou um salão que lhe acolhesse. "Fiquei um ano nesse salão e fui muito bem recebida pela minha chefe."

Depois de um ano de acolhimento ela deixou o salão porque entendeu que precisava crescer no mercado, deixando de ser apenas auxiliar para tornar-se cabeleireira. Desde setembro de 2022, Corine passou a focar nos estilos de corte que sempre gostou e também em colorações e foi aí que surgiu a ideia de um projeto de cortes gratuitos exclusivamente para pessoas trans.

Cortes gratuitos para pessoas trans

Corine conta que seu foco de atuação sempre foi trabalhar a autoestima das pessoas e o autoconhecimento para levar coisas interiores para o exterior. Foi assim, que, em janeiro de 2023, no mês da visibilidade trans (cujo dia central é o 29 de janeiro), ela decidiu realizar uma ação exclusivamente para esse público. Durante todo o mês os cortes para pessoas trans foram gratuitos.

"No outro salão que trabalhei minha chefe fazia ações para quem quisesse doar cabelo e eu achava aquilo muito legal, então comecei a pensar na minha existência. O que eu como pessoa trans poderia fazer para ajudar outras pessoas trans?".

Atendi pessoas que usaram o corte para dar início ao processo de transição e elas me disseram que não tinha coragem mas 2023 seria diferente. Vez que essa ação foi um pontapé inicial me emocionou muito. Uma menina falou que não conseguia se olhar no espelho, mas depois do corte conseguiu. Ela começou a chorar e eu chorei junto, foi uma coisa muito emotiva. Corine Verona, cabeleireira

Desde o início do mês, Corine já atendeu mais de 30 clientes trans de forma gratuíta. Ela sempre agenda um atendimento de uma hora, sendo 30 minutos para o corte e mais 30 minutos de conversa para que possa existir uma troca de experiências e vivências que façam a pessoa se sentir confortável.

Os cortes são agendados diariamente e, para isso, basta chamar Corine em seu perfil no Instagram. Os cortes gratuitos acontecem até a próxima terça-feira (31).

Diante do sucesso da ação, a ideia é expandir ainda mais o projeto; ela planeja oferecer cursos de cabeleireiro para ajudar pessoas trans a saírem de uma situação de vulnerabilidade.

"Quero dar cursos para pessoas trans em vulnerabilidade para que elas possam ocupar todos os espaços e exigir respeito. Muitas vezes a gente se acomoda com o que nos oferecem, mas temos que conquistar mais, então quero poder ensinar o que sei sobre cabelo para que outras pessoas também possam crescer nessa área".