Agência foca em modelos de favela: 'não sei o que me impede de ser aceita'
Antes de começar sua própria agência de modelos, Marleyse Morais, 31 anos, ouviu de diversas empresas de moda que seu perfil não vendia ou então que não era "elegante". As agências não aceitavam seu cadastro, argumentando, muitas vezes, que já havia "uma modelo negra".
Ao completar dez anos de agência este ano, Marleyse diz que o principal intuito de ser uma empresária precursora no mundo da moda é de que outras meninas negras não precisem "bater a cara nesse mesmo muro". Depois de interromper os negócios durante o coronavírus por falta de clientes, a empresa de Marleyse retorna repaginada.
De Agência Tribos, a marca passa a se chamar Agência Guetto. De acordo com a fundadora, o nome reflete a proposta de mudar o foco da empresa de raça para território. Hoje, a agência se especializa em representar modelos de favelas. A novidade vem acompanhada de uma nova identidade visual e novos clientes.
A empresária e modelo nasceu na Brasilândia, São Paulo, mas hoje mora em Itapevi, na comunidade Jardim Rosemary. Agora, ela está começando a fazer castings em Areião, Itapevi, uma grande periferia perto de onde mora. A ideia é, mais tarde, levar a empresa até outras favelas de São Paulo.
Marleyse vê sua função como algo maior do que conectar clientes e modelos. "Sinto como se eu fosse uma ponte que unisse a potência ao mercado, a favela ao asfalto." Ela diz que a empresa está hoje em seu melhor momento, com um amadurecimento inclusive de si mesma para tocar os negócios. Mas dificuldades como falta de recursos para investir em mão de obra e espaço físico tem atrasado o sonho de expansão para a Agência Guetto.
A CEO teve visibilidade após participar da competição de beleza promovida pela Central Única das Favelas (CUFA) em 2012. De lá, Marleyse chegou até a final do concurso, que aconteceu no Caldeirão do Huck, como representante do estado de São Paulo.
A partir disso, meninas da Brasilândia que sonhavam com a carreira de modelo passaram a procurá-la no Facebook. Representar a elas e a si mesma foi a forma que Marlyse encontrou de despistar em parte o racismo do mercado.
A maioria das que procuram a Guetto já buscaram trabalho em agências convencionais e foram rejeitadas. Muitas contam para Marleyse que também ouviram que não tinham o perfil para o trabalho.
Por isso, a empresária afirma que a Agência Guetto precisa fazer um trabalho extenso de acolhimento de suas modelos, pois "elas vêm com muitas marcas". Marleyse também conversa com os clientes para fazê-los entender a origem das meninas e evitar que elas sejam mais uma vez vítimas de racismo enquanto buscam oportunidades no mercado da moda.
As Modelos da Agência Guetto
Marina do Nascimento Oliveira, 30, conta que trabalhar na Agência Guetto foi um divisor de águas no ramo da moda para ela. "Eu não via pessoas parecidas comigo e nem me identificava de forma alguma. Acho que a Marleyse é uma profissional que faz diferença no quesito inclusão, e eu me senti representada."
Após ser dispensada de seu trabalho como bancária na pandemia, Marina começou a participar de mais jobs na até então Agência Tribos e, durante um ano e meio, modelar foi sua única ocupação. Hoje já não tem mais tanto tempo para o trabalho de modelo, já que montou sua própria empresa de laces.
De acordo com Marina, a fundadora da Guetto a ajudou a ver que era possível ser uma empresária bem-sucedida. "Foi mais do que sentir que você pode representar aquela empresa, mas que você também pode ser bem sucedido com sua própria marca", diz.
Steffany Alves Benites, 28 anos, uma modelo plus, fala que havia recebido vários "nãos" de agências de modelos antes de trabalhar na antiga Tribos. "Não sei o que me impede de ser aceita dentro de algumas agências. Eu tenho um trabalho bom, eu tenho um material bom, mas parece que tem alguma coisa ali que ainda impede."
No entanto, Ste logo reconhece que a ampliação de espaço no mercado para modelos plus ainda é bastante restrito e busca mulheres, que mesmo grandes, ainda estejam dentro de outros padrões, como não ter celulite. Na Agência Guetto, seu primeiro trabalho foi um vídeo para Preta Hub sobre moda afro e roupas que contemplem todos os corpos.
O quase fim
A maior parte dos clientes da agência, Marleyse atrai por meio de seu trabalho como modelo em eventos que participa. Ao modelar para as marcas, ela aproveitava para falar sobre sua agência com uma credibilidade maior do que um e-mail pode oferecer. 2019 foi o ano em que a empresária mais conseguiu fidelizar clientes, mas com a chegada da pandemia ela perdeu todos.
"Foi ali que eu pensei em desistir, porque se demorei de 2012 até 2019 para conquistar uma cartela de clientes, como eu ia reconquistar aquilo tudo de novo?." Com dois filhos para cuidar, a sensação era de que já não podia mais bater em muro algum.
Foi depois do trauma de trabalhar em uma agência de publicidade que Marleyse quis voltar a empreender. A forma como a gestora da equipe a silenciava e a desqualificava logo tomou nome: racismo. A violência só foi entendida por Marleyse depois que uma colega de trabalho a avisou que a chefia havia se comportado da mesma maneira com outras funcionárias negras. "Eu venho lutando há tantos anos para combater o racismo, mas quando ele está na minha frente, eu não enxergo. E além de não enxergar, me diminuí."
Marleyse diz que a tomada de consciência do racismo o deu o gás necessário para continuar a tocar o projeto da Agência Guetto. "A moda me escolheu, então eu uso ela como ferramenta.", diz.
Falta ainda, na avaliação da CEO, um espaço físico para a agência. A empresa tem funcionado bem no meio digital. Entretanto, para Marleyse, um escritório abriria novas possibilidades, como diminuição de custos para a confecção de bookings para os modelos ou mesmo oferecimento de cursos e oficinas, já que essa "é uma área que ninguém te ensina".
Uma vitória recente da Agência Guetto deixou Marleyse bastante empolgada. Ela conseguiu fechar negócio com o banco BTG Pactual e terá a chance de colocar modelos da Agência Guetto para recepcionar um evento da instituição. Sendo um banco grande para pessoas de alta renda, Marleyse considera que ocupar esses espaços é "um passo muito grande".
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