Há 122 anos nascia cantora considerada o elo musical entre Brasil e África
Sambista fluminense de voz inconfundível, Clementina de Jesus causou forte impacto no cenário musical brasileiro. Seu repertório e sua maneira de cantar evidenciaram a contribuição central negra e africana para a cultura do país.
Nascida em 7 de fevereiro de 1901, há 122 anos, em Valença, no sul do estado do Rio de Janeiro, Clementina era neta de escravizados. A região em que cresceu era povoada por negros bantus e jongueiros, que foram a base de suas referências musicais.
Seu pai, o pedreiro Paulo Batista dos Santos, era também violeiro, e a mãe, Amélia de Jesus dos Santos, parteira e lavadeira, vivia entoando cânticos católicos e cantigas de jongo. Clementina começou a cantar ainda criança, no coro da igreja.
A família se mudou para Rio e Clementina passou a adolescência em Oswaldo Cruz, na Zona Norte, berço da Portela. Aos 12, ela já integrava o bloco Moreninhas das Campinas, um dos que deram origem à agremiação.
Clementina esteve envolvida nas principais rodas musicais do Rio de Janeiro do início do século. Frequentou a casa de Tia Ciata e ensaiou as pastoras que se apresentavam com Heitor dos Prazeres.
Dirigiu as escolas Unidos do Riachuelo e Índios do Acaú. Ao mesmo tempo, trabalhava como doméstica, lavadeira e cozinheira.
Em 1938, conheceu Albino Pé Grande, com quem se casou e foi morar no morro da Mangueira, onde viveu até o fim da vida. Passou a desfilar na verde e rosa, mas se dizia portelense.
A carreira profissional na música só deslanchou quando Clementina já tinha mais de 60 anos. O produtor e compositor Hermínio Bello de Carvalho a ouviu cantar pela primeira vez em 1963, em uma festa religiosa no bairro da Glória.
Impressionado, articulou sua estreia nos palcos, abrindo-lhe as portas do sucesso.
Em entrevista ao Sesc, o produtor diria: "Antes dela, não havia um elo musical tão grande entre o Brasil e a África. Isso é o que faz sua obra resistir ao tempo. A voz de Clementina são os tambores da África".
Em 1966, Clementina foi convidada a se apresentar no exterior: representou o Brasil ao lado de outros músicos no Festival de Artes Negras em Dacar, no Senegal, e foi também a Portugal. Gravou ainda seu primeiro disco solo.
Ao longo de 20 anos, foram 13 álbuns gravados, entre eles "Marinheiro Só" (1973) - que combina cantos populares e composições de uma nova geração - e "O Canto dos Escravos" (1982), que imortalizou cantos de trabalho de escravizados.
"Não acho que Clementina seja uma ponte para o passado. Clementina na verdade é o passado, o presente e só pode ser o futuro de um Brasil que nos foi negado", diz o historiador e podcaster Thiago André em um episódio do podcast História Preta dedicado à sambista.
A Rainha Quelé, como Clementina era conhecida, morreu em 1987 de um AVC, reverenciada pelos maiores nomes da música brasileira.
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