Xamã será a primeira onça-pintada macho a voltar à natureza no Brasil
Pela primeira vez, o Brasil soltará de volta na Amazônia uma onça-pintada macho. Xamã, como o bicho ficou conhecido, passa agora por um processo para reaprender a viver em seu habitat natural.
O espécime passou cinco meses em recuperação e espera no setor de atendimento a animais silvestres do Hospital Veterinário da UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso).
Agora, a onça-pintada, espécie considerada vulnerável no país, passará até dois anos em um recinto de reabilitação no estado do Pará.
O recinto tem 15 mil m², local onde Xamã terá apoio para reaprender práticas básicas como caçar e se defender. Práticas essas que ele não teve a oportunidade de aprender com a mãe.
Segundo o projeto Proteção Animal Mundial, assim que onça atingir os comportamentos ideais à maturidade da espécie estará apta para seguir por conta própria na vida selvagem.
Ao completar esse processo, o espécime será o primeiro macho da espécie no país a ter sido resgatado e reintroduzido com sucesso na natureza.
A Ecoa, David Maziteli, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial, explica que Xamã foi resgatado na região de Sinop (MT), em 17 de agosto de 2022, quando tinha cerca de 2 meses de idade e pouco mais de dez quilos.
O animal estava sozinho e assustado, em uma propriedade privada nas imediações do rio Teles Pires.
"Havia sido acuado por cães e apresentava um estado geral de desnutrição e desidratação. As autoridades foram comunicadas e Xamã foi capturado no mesmo dia e levado ao Hovet (Hospital Veterinário da UFMT). Provavelmente, havia se separado da mãe ao fugir de um grande incêndio florestal ocorrido nas imediações pouco antes", explica.
O tratamento e atendimento do animal foi realizado pelo Hovet. Por lá, Xamã foi submetido a uma bateria de exames para checar a condição de saúde, a existência de quaisquer doenças e para definir o tratamento de recuperação.
Além da reposição nutricional para a melhora consistente do score corporal, aos poucos a equipe introduziu elementos de enriquecimento ambiental para que ele se sentisse seguro no recinto temporário, nesse novo local em que ele estava agora, sozinho, e para estimular o seu desenvolvimento.
"O time seguiu ainda, aos poucos, com um protocolo cuidadoso e constatou que Xamã manteve instintos selvagens, como o comportamento arisco em relação à presença humana. É importante ressaltar que o cuidado para evitar a habituação ou apego aos humanos é fundamental para garantir o sucesso no retorno à vida selvagem. Do ponto de vista do bem-estar de um animal, ou seja, da possibilidade de um indivíduo expressar plena e livremente todos os comportamentos naturais, o retorno à natureza é o caminho a ser seguido. Animais selvagens devem viver uma vida selvagem", continua David.
Importância da reintrodução
Xamã será solto ao atingir a maturidade e autonomia para viver novamente na Floresta Amazônica, exercendo o seu papel ecológico, inclusive como macho saudável e fértil, podendo contribuir para o aumento populacional da espécie.
Como ele vai continuar sob o monitoramento remoto por algum tempo, por meio de um colar GPS, isso permitirá aos especialistas acompanharem sua readaptação à distância por pelo menos um ano, podendo observar aspectos como a sua movimentação, a atividade de delimitação de espaço e a marcação de território.
"Isso vai indicar o sucesso do método de reintrodução de um macho na Amazônia, o que virá a ser algo inédito. Até agora o único precedente de reintrodução documentado e atestado de reintrodução de onça-pintada na Amazônia é o de duas fêmeas, Pandora e Vivara, também conduzido pelos parceiros do Onçafari e completado em 2019", esclareceu David Maziteli.
Segundo ele, o Brasil é considerado um país-chave para a conservação da espécie, uma vez que ainda concentra as maiores populações de onças-pintadas do mundo.
Por possuir a área mais extensa de habitat adequado e não-fragmentado para esse felino, a Amazônia é o território mais importante para a conservação da onça-pintada em longo prazo.
"Além disso, esse projeto cria elementos para se pensar a conservação em outros biomas, em particular na Mata Atlântica, onde espécie está mais ameaçada, pela possibilidade de paralelo do tipo de relevo e vegetação, do ecossistema em geral. Por fim, em qualquer que seja o bioma, a presença das onças-pintadas é estratégica para a preservação ambiental já que estes animais são muito sensíveis a perturbações ambientais e por isso são bioindicadoras da qualidade do habitat", diz David.
Risco de extinção
A onça-pintada é o maior felino das Américas e já teve presença bem mais ampla no passado.
Hoje é detectada do México à Argentina. Mas é no Brasil que a espécie existe ainda em maior número, o que torna o país importante em temos de conservação. Nos Pampas, em particular, as onças-pintadas foram extintas.
Na Caatinga e na Mata Atlântica estão em risco muito elevado de extinção. No Cerrado, ainda há uma população importante, mas sob muita pressão. As melhores condições seguem no Pantanal e na Amazônia, pontou o especialista.
"Como se percebe, a espécie consegue prosperar em biomas bastante distintos, e os indivíduos acabam tendo características diferentes em cada um deles, o que se torna um desafio para o trabalho de conservação. grosso modo, os animais no Pantanal, por exemplo, são de porte bastante grande pelo tipo de exigência física e pela disponibilidade de alimento. Já na Amazônia são mais ágeis e esbeltos para lidarem com os desafios da vegetação densa e fechada", complementou.
De acordo com o projeto Onçafari, que atua na preservação da biodiversidade em biomas brasileiros, a população de onças-pintadas atual no Brasil gira em torno dos 115 mil espécimes.
O projeto, que participa da reintrodução de Xamã à natureza, já ajudou cinco exemplares da espécie a voltarem à vida selvagem, todas fêmeas.
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