Sujos de lama e em defesa dos Yanomami: bloco reúne 17 mil pessoas no Pará
O genocídio do povo Yanomami será um dos temas abordados pelo bloco "Pretinhos do mangue", no município de Curuçá (PA), neste final de semana. Todos os anos a folia sustentável chama a atenção para a preservação da natureza começando pelo uso consciente do mangue, uma das principais fontes de renda do município. Para isso, os foliões fazem o próprio abadá, passando lama pelo corpo e saem pelas ruas da cidade.
O bloco existe há 34 anos e surgiu de uma brincadeira dos amigos Everaldo Campos e Sebastião Araújo, durante o Carnaval. Outras pessoas se juntaram a eles e desde então o bloco vem ganhando tantos adeptos que já virou tradição turística na cidade. De 20 participantes na primeira edição, hoje o bloco reúne 17 mil pessoas.
O mascote é um caranguejo gigante que é seguido pelos foliões durante o desfile. A festa começa no barracão próprio e segue até o porto da cidade, onde os participantes fazem seus "abadás" de lama.
A partir do ano de 2000, o gestor ambiental Edmilson Campos, mais conhecido como "Cafá" assumiu a direção do evento. "Comecei a ir ao bloco quando tinha doze anos. Everaldo é meu tio e o Sebastião um amigo de infância. Com a saída deles, assumi para não deixar essa tradição morrer", conta.
Com a entrada de Cafá, a questão ambiental ganhou mais evidência na organização, sempre com temas atuais, como a tragédia em Brumadinho, a pandemia da covid-19 e, este ano, a morte dos indígenas yanomamis em Roraima.
A gente sempre busca alertar para a preservação da natureza porque é dela que se vive. Aproveita o momento da folia para jogar a mensagem da importância de preservar o meio ambiente, especialmente o manguezal, que é de onde muita gente tira o caranguejo, mexilhão, ostra, para o sustento, Cafá, diretor do Pretinhos do Mangue
A preocupação com a preservação do mangue começa desde a retirada do barro, que é feita de forma que não haja invasão da natureza e destruição desse recurso.
"A gente tira o tijuco (barro), que dá em uma parte do mangue que é como se fosse uma areia movediça, e coloca em baldes para evitar que entre muita gente lá (no mangue) ao mesmo tempo e agrida o meio ambiente". Cada balde de 20 litros de lama dá para fazer pelo menos 100 "abadás", conta o coordenador do evento.
Cafá explica ainda que, a área de onde é tirado o barro é chamada de "terê-terê", que fica se movimentando ao longo do ano. A escolha também leva em consideração a poluição despejada no leito do mangue, que torna o barro desse local impróprio para uso na pele.
"O mangue é um dos ecossistemas que mais recebe poluição dos canais que levam sujeira até ele e isso faz com que fique uma areia espessa e contaminada, com mau cheiro. Esse barro que usamos é um azul escuro. Ele é mais mole e não recebe esgoto, por isso é limpo e mais fácil de passar", explica o gestor ambiental.
A diversão atrai gente de todas as idades, desde crianças, idosos e até pessoas com limitação de locomoção.
A atração também arrasta foliões de todos os cantos, do Brasil e do mundo. Um deles é empresário maranhense Rafael dos Santos Marques, 44 anos. Ele tem um projeto de educação ambiental voltado para os manguezais em São Luís (MA) e descobriu o bloco em 2020 e se encantou.
"O bloco tem tudo a ver com a proposta do projeto que temos em São Luís, até porque somos o maior cinturão de mangue do planeta e isso nos aproxima muito com o Pará. Por isso sempre faço a divulgação deles por aqui, levo amigos para conhecer também", diz.
O empresário que atua no setor de turismo criou um personagem para seu projeto no Maranhão, o "Fofão do Mangue", que usa elementos do ecossistema para alertar para sua preservação em ações turísticas e nas escolas na cidade.
"Eu vou todo caracterizado com elementos do mangue, como caranguejo, uma tinta feita das raízes que tem nele e saio fazendo perguntas para as pessoas sobre o mangue. Quem acerta, ganha brinde. Este ano pretendo levar o personagem para o bloco de Curuçá", revela.
O senegalês Marc Ivi, 28 anos, está ansioso pela primeira participação no "Pretinhos do Mangue". Morador da cidade vizinha de Castanhal, ele gerencia uma distribuidora de bebidas em Cametá há dois anos. Este será seu primeiro Carnaval na cidade e ele pretende vestir seu abadá de lama para comemorar.
Para os nativos pode ser que seja normal, mas para mim é uma experiência diferente de tudo que já vivi. Acho muito importante porque a gente vive em um mundo em que talvez não perceba o reflexo do mal que causa no meio ambiente. Isso de usar o abadá improvisado de barro é incrível porque você não usa tecido, que impacta no meio ambiente e a presença dos foliões no mangue ajuda a refletir sobre a preservação para que sempre tenha a brincadeira. Marc Ivi, folião.
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