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'Música para curar': a guinada de Alok após virar personagem do Free Fire

Alok mantém projetos com seu instituto em Moçambique, Madagascar, Malawi. - Alissom Demétrio
Alok mantém projetos com seu instituto em Moçambique, Madagascar, Malawi. Imagem: Alissom Demétrio

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, Em São Paulo

01/03/2023 06h00

O Instituto Alok foi criado em dezembro de 2020 e já investiu R$ 9 milhões em projetos sociais espalhados por 5 países. Em 2022, esse dinheiro ajudou 170 mil pessoas no mundo, sendo 12 mil delas no Brasil. Indiretamente o Instituto afirma atingir mais de 1 milhão pessoas no Brasil, Moçambique, Madagascar, Maláui e na Índia.

Entre as muitas iniciativas, estão projetos de formalização na área de tecnologia para povos indígenas, renovação e reformas de vilas em países do continente africano, ações contra o trabalho infantil na Índia e apoio a uma instituição de crédito que ajuda a financiar negócios de agricultores no interior do Brasil.

Toda essa estrutura, que torna a vida dos impactados menos difícil, nasceu de uma mistura de experiências inusitadas. Primeiro, uma visita feita pelo DJ Alok à aldeia dos povos Yawanawa no Acre, quando passava por um período depressivo (2014). Depois, ele se tornar um personagem jogável do game Garena Free Fire (2020). Free Fire, para quem não sabe (será que alguém não sabe?), é um jogo online de sucesso mundial, criado pela vietnamita 111dots Studio e publicado pela desenvolvedora Garena, de Singapura.

Mas o que conecta o jogo com explosões, armas coloridas e superpoderes com a cultura dos povos indígenas que Alok conheceu? 'Fazer música para curar pessoas' e uma insatisfação com a vida, de acordo com o DJ.

Enquanto eu fazia música para bombar nos Top10, eles [Yawanawas] faziam música para curar. Esse momento trouxe uma percepção muito diferente sobre minha vida. Percebi que também deveria curar as pessoas com minha música. Alok, DJ.

Alok se tornou personagem do game Free Fire e faturou R$ 27,5 milhões. - Reprodução/Garena Free Fire - Reprodução/Garena Free Fire
Alok se tornou personagem do game Free Fire e faturou R$ 27,5 milhões.
Imagem: Reprodução/Garena Free Fire

Em 2019, a desenvolvedora de games asiática Garena dava andamento nas negociações que firmava um acordo comercial para criar e comercializar um personagem do DJ Alok no game Free Fire, e perguntaram a ele qual superpoder escolheria ao seu avatar no jogo:

Escolhi curar as pessoas, e por conta desse poder o personagem é sucesso de vendas dentro do jogo. Recebi um valor muito acima da minha expectativa, um montante de R$ 27,5 milhões, que foi renunciado e usado inteiramente para criar o instituto e estruturar as ações no Brasil. Alok, DJ

"Pedi pra dizer a ela que Deus não existe"

Conhecer povo Yawanawa foi estopim que fez Alok 'querer curar' com sua música - Mila Petrillo - Mila Petrillo
Conhecer povo Yawanawa foi estopim que fez Alok 'querer curar' com sua música
Imagem: Mila Petrillo

"O Alok tinha esse sonho bem antes da criação do Instituto, essa caminhada começa com a doação dos royalties de algumas músicas em 2017. Em 2018, ele teve a experiência de visitar África, levado pela ONG Fraternidade Sem Fronteiras, e se depara com um estado muito lamentável de pessoas com fome e sem acesso à saúde", diz Devam Bhaskar, diretor executivo do Instituto Alok.

Uma das cenas que mais marcaram o DJ foi ver uma mulher idosa cega amarrar o próprio estômago com uma corda para não sentir fome enquanto fazia uma espécie de reza. "Pedi à tradutora para dizer a ela que Deus não existe, que se existisse tinha a abandonado", conta Alok.

Mesmo com a investida emocionada do DJ, a idosa continuou concentrada em sua meditação. "Ela foi firme na resposta e manteve a conexão com o deus dela. Percebi que Deus nunca a abandonou, quem a tinha abandonado fomos nós. Nesse momento, comecei a ajudar a ONG Fraternidade sem Fronteiras", afirma.

Com a criação do Instituto Alok a parceria se tornou fixa e os recursos destinados ajudam na compra de roupas, alimentos, atendimento básico à saúde e profissionalização, que beneficia os países africanos Moçambique, Madagascar e Maláui.

A criação do instituto atendeu a uma profissionalização na vontade de ajudar de Alok, e hoje as parcerias e projetos somam 16 iniciativas no Brasil e seis fora do país. "O investimento social fica mais organizado e estratégico do que doações pontuais e podem existir projetos de longo e médio prazo", diz Bhaskar.

Abrindo as portas da tecnologia para as minorias

O Instituto Alok foi criado no mesmo ano em que nasceram seus dois filhos: Ravi e Raika (2020) — momento em que a pandemia de covid-19 atingiu o ponto mais crítico no Brasil e o DJ se viu afastado dos palcos, mas bem ativo nas lives e no universo gamer.

"Estava envolvido nesse universo, fazia lives jogando Free Fire e via muito jovens assistindo à transmissão sem perspectiva, diziam que os pais estavam sem emprego e não tinham sonhos nem ideia do que fazer. Alok, DJ.

Pensando no universo da tecnologia que atrai jovens e tem mercado aquecido com vagas de emprego, o Instituto Alok fechou uma parceria em 2021 para apoiar financeiramente o programa Recode Pro em algumas iniciativas, que oferece um curso de programação para jovens em vulnerabilidade social.

"Sempre priorizamos entre os inscritos mulheres, negros, pessoas que vivem nas periferias, PCDs, LGBTQIA+ e pessoas em situação que não teriam condições de pagar por uma formação como essa", diz Rodrigo Baggio, fundador e CEO da Recode.

O curso, ministrado de forma online, não exigia experiência dos participantes e abrangia todo o Brasil. Em parceria com o Instituto Alok, 360 jovens se formaram programadores full stack [profissional que desenvolve softwares e aplicações completas], e atualmente 80% dos participantes estão empregados na área.

Lohane Borges participou de curso patrocinado pelo Instituto Alok que forma programadores. - Lohane Borges/arquivo pessoal - Lohane Borges/arquivo pessoal
Lohane Borges participou de curso patrocinado pelo Instituto Alok que forma programadores.
Imagem: Lohane Borges/arquivo pessoal

Isso garante uma grande mobilidade social, pois muitos tinham renda familiar de R$ 400 e com o primeiro emprego na área passaram a receber em média R$ 3.000. Devam Bhaskar, diretor executivo do Instituto Alok.

A jovem Lohane Borges, 27, de Barueri, zona oeste de São Paulo, foi uma das alunas formadas na iniciativa e viu a sua vida mudar após o ingresso na área de tecnologia.

"Em menos de um ano eu conquistei a minha liberdade financeira, sou mãe solo e não tenho rede de apoio. Eu ainda trabalho em regime home office, e posso cuidar da minha filha nos dias em que ela não vai para escola.", diz Borges.

Em março, o projeto ganhará a edição 'Aldeia Recode', que levará a parceria do Instituto Alok e InstitutoE para a formação de 70 indígenas na área da programação.

"Os grupos indígenas têm muito desejo de se aprofundarem no uso das tecnologias. Eles querem entrar no mercado de trabalho, mas também querem criar soluções tecnológicas para as suas aldeias", diz o diretor.

Acreditar nas mãos do campo

Rubenice Maria de Freitas trabalha com o cultivo de mudas em bandeja.  - Valdir Luiz - Valdir Luiz
Rubenice Maria de Freitas trabalha com o cultivo de mudas em bandeja.
Imagem: Valdir Luiz

Em Lagoa de Itaenga, município de Pernambuco, com pouco mais de 21 mil habitantes, o Instituto Alok apoia a instituição de financeira Acreditar com o programa 'Conexão Empreendedora', que oferece crédito com acesso facilitado a empreendedores do meio rural e urbano, os negócios beneficiados variam de cabeleireiros até a criação de animais e pequenos agricultores.

Foi por meio da parceria que Rubenice Maria de Freitas conseguiu acesso ao crédito para dar início ao seu negócio de criação de mudas em bandeja em 2021. "Foi uma porta de oportunidade, antes da Acreditar eu não tinha nenhuma estrutura para iniciar, e essa foi a minha primeira fonte de incentivo financeiro para montar a estrutura que tenho hoje", conta Freitas.

O cultivo feito por Freitas aposta em uma tecnologia sustentável, que cultiva alimentos como abobrinhas e alfaces usando um ciclo que consegue fazer o reuso de 80% da água.

"Já paguei o valor que peguei emprestado para iniciar o negócio, cerca de R$ 4 mil. Outros bancos nos tratam com desconfiança, diferente da relação que temos com a Acreditar", comenta a agricultora.

Lilian Prado, diretora institucional da Acreditar, conta que com o valor doado pelo Instituto Alok (R$ 110 mil) foi possível liberar mais de R$ 360 mil em crédito, que beneficiou 200 empreendedores na região: "A maior parte do nosso público são de mulheres, em sua maioria pardas e negras, e que recebem auxílios governamentais, como o Bolsa Família, então são invisíveis para outras instituições de crédito", conta Prado.

Cura que atravessa o oceano e dá sentido à vida

Uma grande parte da comunidade de jogadores do game Free Fire está na Índia, e isso fez com que Alok considerasse justo apoiar projetos no país.

"Na Índia, um dos mais importantes projetos é com a Kailash Children's Foundation, focamos na educação e reintegração familiar de mais de 3 mil crianças retiradas de condições indignas de exploração de trabalho", diz o diretor executivo do Instituto Alok.

DJ Alok afirma que, antes da jornada de experiências que o fizeram refletir, nunca tinha pensado em fazer filantropia: "Fui condicionado a acreditar que se você tem dinheiro, tem mais é que comprar uma Ferrari mesmo, ir morar em Paris, mas em certo momento percebi que se isso fosse mesmo o sucesso a vida não teria mais sentido!".

Hoje, é no instituto que o DJ conseguiu achar o caminho para a saída de um vazio existencial e os períodos depressivos que o assolavam: "Minha vida só faz sentido se eu puder contribuir para esses aspectos sociais. Depois que eu descobri esse propósito, eu nunca mais voltei para aquela zona cinzenta".

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