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'Virou depósito de lixo': Afundamento de ex-porta-aviões ameaça pesca em PE

Porta-aviões da Marinha brasileira São Paulo - Rob Schleiffert/Wikimedia
Porta-aviões da Marinha brasileira São Paulo Imagem: Rob Schleiffert/Wikimedia

Rosália Vasconcelos

Colaboração para Ecoa, do Recife (PE)

04/03/2023 06h00

A organização não governamental Instituto BiomaBrasil entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal em Pernambuco contra a Marinha do Brasil, solicitando um monitoramento permanente da região onde foi afundado o ex-porta-aviões São Paulo, no litoral pernambucano. De acordo com a Marinha, o navio, que foi desativado em 3 de fevereiro, está a cerca de 350 km da costa pernambucana e a, aproximadamente, 5 km de profundidade do mar.

Segundo o instituto, que atua pela conservação de manguezais e outros ecossistemas costeiros, o depósito de um navio desse porte no oceano pode acarretar impactos ambientais, não apenas para o ambiente marinho a sua volta, mas para comunidades da região que sobrevivem da pesca artesanal e industrial.

O impacto provocado pelo afundamento pode ser analisado em três etapas, conforme análise do Instituto Bioma Brasil:

  • Durante o afundamento, as partes do casco que foram se desprendendo, como plásticos, isopor e outros materiais sintéticos leves, subiram para a superfície e foram carregadas pelas correntes marítimas. Fluidos ainda presentes no navio, como combustível e lubrificantes, também estão sendo liberados, contaminando a água com hidrocarbonetos e metais pesados;
  • A médio prazo, a decomposição do material sintético libera substâncias tóxicas na água, afetando a cadeia alimentar, principalmente de grandes predadores, como os tubarões;
  • A longo prazo, o amianto, além do chumbo, do cádmio e do mercúrio, presentes no casco do navio, começarão a se fragmentar e a contaminar o ambiente marinho. Para seres humanos, a ingestão de amianto pode levar ao desenvolvimento de tumores.

'Transformaram uma área rica num depósito de lixo'

Passado um mês do afundamento, e após pedido de esclarecimento por parte do Ibama, a Marinha ainda não comunicou se há monitoramento do caso.

"Juridicamente, essa área não é de proteção ambiental, mas é de grande importância ecológica e econômica. Pertence à chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e possui riquezas, tanto biológicas quanto minerais. Sua exploração deve ser feita de forma sustentável e com baixo dano à biodiversidade. Não deve servir de depósito de lixo", diz Clemente Coelho, professor do Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade de Pernambuco (UPE).

O navio foi desativado a cerca de 350 quilômetros da costa pernambucana. - Greenpeace - Greenpeace
O navio foi desativado a cerca de 350 quilômetros da costa pernambucana.
Imagem: Greenpeace

As consequências para a pesca

Embora a região não contemple uma área de pesca artesanal direta, no médio prazo, o impacto sobre a cadeia alimentar em altas profundidades poderá atingir outros ambientes marinhos mais próximos ao litoral, com consequências para a pesca de profundidade no Nordeste. "A tendência é de um acúmulo de poluição, conforme vai se deteriorando o casco. Isso afeta diretamente a biodiversidade, colocando em risco milhares de espécies residentes e consequentemente a pesca, seja artesanal ou industrial", alerta o professor.

Nesse sentido, além do monitoramento, a ação, que tem caráter liminar, também pede medidas à Marinha diante dos danos que forem causados.

"A Marinha do Brasil alega que afundou o navio distante da costa, mas sabemos que as correntes marinhas podem trazer o material tóxico e contaminar os peixes, tal como ocorreu com o derramamento de óleo, especialmente pelo alto índice de amianto presente no casco", diz a advogada Giovana Gomes Ferreira, que representa o Instituto BiomaBrasil.

A petição, ainda pendente de análise na 9ª Vara Federal de Pernambuco, pede que os réus sejam condenados a reparar integralmente os danos ambientais e morais coletivos decorrentes do afundamento do casco do navio, em valor não inferior a R$ 105,5 milhões.

Além da Marinha do Brasil, ainda são réus o Ibama — que, segundo o instituto, apesar de ter sido contra o afundamento, não tomou providências concretas —, a empresa turca Sök Denizcilik, que arrematou o casco do navio em leilão realizado em 2021, e a MSK Maritime Services & Trading, que transportava o casco e abandonou o navio no litoral pernambucano, próximo ao Porto de Suape.

Outro lado

Em nota, a Marinha do Brasil informou à reportagem que "foi notificada da ação civil pública", destacando que "o assunto encontra-se judicializado e as informações serão prestadas no âmbito do processo".

A reportagem também entrou em contato com o Ibama por e-mail e por telefone, mas não obteve retorno do órgão. O UOL também tentou localizar os atuais representantes jurídicos no Brasil das empresas Sök Denizcilik e MSK Maritime Services & Trading, mas nenhum responsável foi localizado.