Crise Yanomami: devemos parar de comprar ouro?
A crise no Território Yanomami trouxe à tona um problema antigo no Brasil, o garimpo ilegal, que nos últimos anos alcançou níveis alarmantes, ameaçando a integridade das terras indígenas e áreas de conservação no país.
Segundo estudo do Instituto Escolhas, somente em 2021, 52,8 toneladas do minério podem ter sido extraídas de maneira irregular e comercializadas ilegalmente, um número 25% maior que no anterior e que corresponde a 54% de toda a produção nacional. Conforme o levantamento, quase dois terços desse ouro vieram da Amazônia.
Mas como saber se o ouro usado em uma joia é fruto da ilegalidade? Qual o impacto do garimpo ilegal na sociedade? É melhor deixar de comprar ouro até que se conheça, de fato, a sua origem? Ecoa ouviu especialistas para responder essas e outras questões sobre o assunto.
Como o ouro ilegal é vendido no Brasil?
O ouro retirado dos garimpos é vendido, obrigatoriamente, a empresas autorizadas pelo Banco Central, conhecidas como distribuidoras de títulos e valores mobiliários, as DTVMs. Trata-se de empresas que podem fazer transações baseadas na "boa fé" dos envolvidos no garimpo.
Com isso, na prática, o garimpeiro ou qualquer outra pessoa envolvida nessa atividade consegue retirar o ouro de uma terra indígena e "esquentá-lo" no momento da venda. Como o Brasil ainda não possui um mercado de ouro certificado, na prática, o ouro ilegal acaba se misturando ao ouro legal, dificultando a identificação dos criminosos.
"Ele [garimpeiro] preenche um formulário de papel à caneta, o que também é um absurdo, e coloca no formulário que esse ouro veio de uma área qualquer legalizada", explica a gerente de Portfólio do Instituto Escolhas Larissa Rodrigues, destacando que, sem nenhuma checagem dessa autodeclaração, o sistema acaba respaldando o crime. "É muito fácil 'lavar' o ouro no Brasil e é por isso que vemos, dos últimos anos para cá, uma expansão tão grande dessa garimpagem dentro das terras indígenas e unidades de conservação".
Por que é importante saber a origem do ouro?
O impacto do ouro ilegal é negativo para o meio ambiente e a sociedade, alerta Deborah Goldemberg, analista de Conservação do WWF-Brasil. Além do desmatamento agressivo que caracteriza a extração, há a contaminação por mercúrio nas áreas exploradas. "Esse mercúrio é despejado nos rios e impacta quem vive no entorno, como os indígenas. Os peixes também são contaminados e mesmo as pessoas que vivem longe também são atingidas", diz.
Mas, afinal, a quem interessa discutir a cadeia produtiva do ouro? Se engana quem pensa que dela fazem parte somente os consumidores de joias. Como lembra Deborah, o minério também é uitilizado em atividades como a produção de celulares e laptops e no portfólio de investimentos bancários — sim, esse é um assunto de todos.
"Sempre olhamos como se os garimpeiros fossem o único problema, mas isso começa em nós. É a demanda que puxa a atividade. Nos achamos imunes, mas estamos financiando esse mercado", destaca a especialista, a respeito dessa atividade que movimenta, ilegalmente, cerca de US$ 2,5 bilhões todos os anos.
Quais os caminhos para acabar com a ilegalidade?
Embora haja ações do poder público para tirar os garimpeiros de terras indígenas e áreas de conservação, é preciso reformar o sistema da venda de ouro no Brasil, analisa Larissa. Do contrário, após um ano dessas ações, o garimpo voltará a essas regiões. "Por isso que é tão importante termos rastreabilidade, que nada mais é do que um sistema para controlar o ouro, desde a extração até a chegada ao consumidor", destaca.
Segundo a gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, esse controle pode ser feito de diversas maneiras, como emissão de nota fiscal eletrônica, guias de transporte e o fim da "boa fé" nas transações comerciais, o que já está tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF). "São várias peças que precisam ser ajustadas. Se não fizermos isso, o ouro segue todo misturado. Só sabemos que mais da metade é ilegal", diz Larissa, apontando o desafio de enfrentar o lobby por trás do comércio ilegal.
O que fazer para não alimentar esse sistema?
Como lembra Deborah, o consumidor, que é o principal vetor de mudanças, ainda segue dormente. Mas há ações concretas que podem mudar esse cenário, como assinar petições contra o garimpo ilegal, pressionar representantes políticos e questionar joalherias e seus fornecedores acerca da origem dos minérios utilizados na produção
Sem uma resposta adequada, o melhor a fazer é evitar a compra. "Se você já possui ouro e vai casar, por exemplo, pode derreter um brinco antigo e fazer uma joia nova ou migrar para outro conceito, como o da biojoia. Existe um mercado internacional para o ouro certificado. Se você realmente quer comprar ouro, pode procurar uma joalheira certificada em outros locais [fora do Brasil]", diz.
Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, assinala que não se trata de culpabilizar o consumidor, mas de conscientizá-lo de que, por trás do ouro ilegal, estão o sangue indígena e a destruição da floresta.
"Na dúvida, melhor não consumir. Mesmo ao consumir, fazer a reflexão: será que esse não é o novo casaco de pele?", finaliza.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.